terça-feira, 6 de setembro de 2016

Da Discriminação Constitucional da COFINS



DA DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DA “BASE IMPONÍVEL” E “SUJEIÇÃO PASSIVA” RELATIVAMENTE À CONTRIBUIÇÃO SOCIAL (COFINS) DE CUJA COMUNHÃO DECORRE A IMPOSSIBILIDADE DE INCLUIR-SE O VALOR DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DA CITADA CONTRIBUIÇÃO.

A Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) foi instituída pela Lei Complementar n.º 70/91 já na vigência do atual Sistema Constitucional (CF/88, conforme artigo 195, inciso I) também tendo como base de cálculo o faturamento das Pessoas Jurídicas ou a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda (artigo 2º e 1º), nesse caso expressamente ratificando e aludindo-se ao conceito proveniente da legislação comercial no sentido daquele respeitar, como no caso do PIS, apenas a “receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza”.

Nesse passo já é induvidoso perceber-se que faturamento enquanto base de cálculo ou base imponível da citada contribuição social de seguridade social refere-se unicamente a recursos/receitas próprias que são – e permanecem definitivamente – integradas exclusivamente ao capital/riqueza/acervo econômico-financeiro privado do contribuinte e decorram apenas do exercício da atividade econômica vinculada ao seu objeto social (ditas receitas operacionais), excluídas, assim, aquelas receitas/recursos financeiros que apenas “transitam” em caráter temporário pela posse/detenção do sujeito passivo o qual tem a obrigação legal de, em dado momento posterior, repassar tais importes a quem de direito pertencerem posto constituírem receita própria destinada a integrar patrimônio/cofres de outrem como é o caso do ICMS (cujo montante embora esteja incluído no preço das mercadorias e seja recebido pelo contribuinte “de jure” quando este realiza vendas, deve por este – sujeito passivo – ser repassado/recolhido aos cofres estaduais em momento posterior por força de obrigação que lhe é legalmente imposta nesse sentido) visto tratar-se tal valor de inequívoca receita pública privativa dos estados federativos destinada a integrar exclusivamente o erário/patrimônio estatal desses referidos Entes Tributantes.

Com efeito, já sob a vigência da atual Carta Magna, em 31/12/91 veio a lume a LC 70/91 que instituiu a Cofins com fundamento no artigo 195, I da CF/88 (conforme artigo 1º: “(...) fica instituída a contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal (...)” igualmente tendo eleita como base de cálculo o faturamento (das pessoas jurídicas empregadoras ou a ela equiparadas pela legislação do IR).

Impende salientar que por força da EC n.º 20/98 (DOU 16/12/98) foi dada nova redação ao aludido artigo 195, I da CF/88 

Entretanto, não há que se alegar que a EC n.º 20/98 (e Lei 9.718/98 que pretendeu antecipadamente disciplinar o conteúdo normativo daquela relativamente a Cofins) teria alterado a situação e exigência fiscal aqui combatida (inclusão do ICMS na Base de Cálculo da Cofins) ao imprimir nova redação ao artigo 195 da CF/88 e permitir a incidência de contribuições sociais também sobre “receita” ao par do faturamento enquanto bases imponíveis expressamente discriminadas para recaírem contribuições sociais de seguridade social eis que em ambas as citadas previsões constitucionais de incidência (materialmente quantificada) o pressuposto nuclear da oneração tributária – base imponível – aliado à discriminação constitucional da sujeição passiva dessas exações (empresas ou empregadores) continua a exigir que os valores tributáveis (faturamento ou receita) pertençam exclusiva e definitivamente incorporados ao capital, riqueza, acervo econômico-financeiro próprio e privado “do contribuinte” e nunca, jamais aos “de outrem” (Estados Federativos no caso dos valores referentes ao ICMS) sob pena de violação não só ao núcleo da materialidade/aspecto dimensível da hipótese de incidência (base de cálculo ou base imponível) como também à discriminação constitucional da sujeição passiva desses tributos (artigo 195, I e alínea “b” da CF/88) apenas em relação às empresas ou empregadores, e igualmente ao princípio da Capacidade Contributiva efetiva (artigo 145, §1º da CF/88) na medida em que mantida a inclusão do ICMS na Base de Cálculo da referida contribuição à evidência que o gravame tributário não está a onerar nem recair sobre parcela de capital/riqueza própria e exclusiva do sujeito passivo – e sim de outrem – nesse caso obrigando-se o sujeito passivo a satisfazer/responder pela Cofins com seu próprio patrimônio (e não com seu faturamento ou receita conforme previsão constitucional de base imponível) o que igualmente é vedado pelo artigo 195, §4º c/c artigo 154, I, da CF/88 haja vista tal exigência fiscal caracterizar direta tributação do patrimônio em si considerado. 

Chegamos então ao cerne da necessária investigação jurídica tendente à solução, qual seja, análise da discriminação constitucional da sujeição passiva da contribuição (Cofins) aliada à do alcance do conceito constitucionalmente eleito como base imponível dessa exação. Senão vejamos.Quer à égide da redação originária do artigo 195, I da CF/88 quer à luz daquela que lhe foi conferida por força da EC 20/98 o qual constitui-se desde 03/89 pressuposto de validade da exigência fiscal relativa a Cofins, não restam dúvidas de que:

1) a sujeição passiva foi direcionada e eleita unicamente em relação aos empregadores, empresas ou entidades a ela equiparadas; ao mesmo tempo em que

2) a base imponível discriminada respeitou (e respeita) unicamente aos valores correspondentes ao faturamento ou receita.

Salta aos olhos a necessária ilação que advém da comunhão da sujeição passiva com a base imponível, ambas constitucionalmente previstas, no sentido que esta última – base imponível – só poderá respeitar aos valores de faturamento ou receita auferidos unicamente pelo sujeito passivo da obrigação tributária (em decorrência das operações negociais por ele realizadas) que sejam incorporados em caráter exclusivo e definitivo ao seu próprio e privado capital/riqueza/acervo econômico-financeiro.

A aludida previsão constitucional de incidência vinda no citado artigo 195, I da CF/88 objetiva alcançar unicamente aquela determinada grandeza e parcela econômica-financeira privada do contribuinte (faturamento ou receita) e somente por ele auferida que seja definitivamente agregada ao seu próprio e particular capital/riqueza. 

Essa é a inequívoca tipologia da exação que tenham como pressupostos de validade o comando inscrito no artigo 195, I da CF/88, como é o caso da Cofins.

Outrossim vale lembrar que as expressões vernaculares utilizadas pelo Constituinte no citado artigo 195, I da Lei Maior (Faturamento ou Receita do Empregador ou Empresa) assim como em diversos de seus títulos e capítulos que não se destinam a assegurar direitos individuais devem ser interpretadas em sentido estrito e técnico em conformidade ao já assentado pela mais autorizada Doutrina e Jurisprudência, especialmente aquela emanada do STF nos autos do RE. 166.772-9 no qual o Pretório Excelso, por seu Plenário, em 12/05/94 afastou a incidência de contribuição social sobre valores creditados à pessoas físicas as quais, por não possuírem vínculo empregatício em relação à fonte pagadora, não poderiam perceber salários assim considerado o conceito técnico e estrito deste, e por isso não poderiam integrar a folha de salários do sujeito passivo que por sua vez em relação àqueles não poderia guardar a natureza/qualidade de empregador igualmente considerado este conceito em sentido estrito e técnico segundo formulação advinda do direito do trabalho do qual tais institutos se originam

Tal escorreita exegese das expressões vernaculares inscritas na Lei maior mormente em sede de sistema constitucional tributário proferida pelo pretório excelso no “leading case” em testilha se deve ao fato de que nada obstante a carta magna seja um estatuto principiológico apoiado no elemento sócio-político dirigida a todos os cidadãos do país (devendo por isso ser inteligível aos mesmos), nem por isso se deve entender que sua linguagem, termos e expressões são, todos eles, lançados em seu sentido e acepção “vulgar” ou “coloquial”, antes, pelo contrário, as expressões do Texto Magno são, essencial e primordialmente vazadas em sentido técnico e estrito de modo que, havendo dúvida ou diversidade quanto ao significado do vocábulo, adotar-se-á aquele que expresse o sentido técnico e científico da expressão (conforme advertiu Carlos Maximiliano), em seu clássico “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Ed. Livraria do Globo, 2ª ed., 1933, às pgs. 312/324.

Por isso é que os valores correspondentes ao ICMS ou quaisquer outros que apenas “transitam” em fluxos de caixa e caráter temporário pelas “mãos” do contribuinte sem, contudo, lhe pertencerem ou integrarem definitivamente seu próprio e privado capital/riqueza – haja vista consubstanciarem, no caso do ICMS, receitas públicas dos estados federativos a serem integrados em caráter definitivo aos cofres estaduais – não podem ser incluídos nem considerados como parcela legitimamente integrante da base de cálculo considerada para incidência da Cofins posto tais valores não subsumirem-se ao estrito conceito do que seja faturamento ou receita, os quais hão de ser auferidos exclusivamente pelo contribuinte (empregador ou empresa).

Sendo assim, em conformidade ao comando do artigo 195, I da CF/88, vê-se que o desígnio do Constituinte foi o de onerar a dimensão quantitativa do faturamento ou receita auferida em certo período pelo sujeito passivo eleito a tanto (empresa, empregadores ou legalmente equiparados), impossibilitada, assim, a incidência dos preditos gravames sobre valores que não se incorporem definitivamente à receita/riqueza/grandeza econômica própria, privada e exclusiva da esfera de titularidade do contribuinte, tal como é o caso dos importes representativos do ICMS posto que tal exigência não se coaduna e ofende à expressa previsão constitucional da base imponível e sujeição passiva hospedadas no artigo 195, I da CF/88.

Inobstante as razões de ordem constitucional retro expendidas serem óbices suficientes à prevalência da guerreada pretensão fazendária, cumpre-nos trazer a respectiva legislação infraconstitucional na qual se ampara a pretensão fazendária de ver incluído na base de cálculo da Cofins os valores correspondentes ao ICMS haja vista que os mesmos não foram elencados no rol das exclusões veiculadas pelas citadas legislações, inobstante nas mesmas fosse – e ainda seja – prevista a exclusão dos valores do IPI, substancialmente idêntico ao ICMS, para os fins ora pretendidos. Senão vejamos.

A Cofins, desde seu nascedouro era autorizada de forma taxativa a exclusão das vendas canceladas, descontos incondicionais e dos valores do IPI – mas não os do ICMS – da respectiva base de cálculo daquela, conforme artigo 2º, Parágrafo Único da LC nº 70/91. 

A Lei 9718/98 continuou a não elencar os valores de ICMS como passíveis de serem excluídos da base de cálculo da citada contribuições (embora expressamente o admita quando tais valores forem relativos ao IPI), haja vista o disposto no §2º, I do artigo 3º.

Como se depreende das normas trazidas à colação, sempre foi autorizada expressamente a exclusão dos valores de IPI da base de cálculo da Cofins, inexistindo, contudo, tal permissivo relativamente aos valores de ICMS o que “data venia” não se justifica segundo o rigor acadêmico que se impõem para a exegese necessária à solução desta Lide, haja vista que tanto IPI quanto ICMS são igualmente impostos não-cumulativos recebidos pelo sujeito passivo quando realiza operações mercantis - na qualidade de mero arrecadador e depositário- cujo montante, por dever legal, compete-lhe recolher/repassar aos Cofres Públicos (Federal e Estadual, respectivamente) em momento posterior, não se configurando, em ambos os casos (valores de IPI ou ICMS) receitas/riquezas/grandezas econômico-financeiras próprias, particulares e definitivamente integradas ao patrimônio “do contribuinte”, fato esse exigido constitucionalmente como decorrência da eleição da sujeição passiva e base imponível discriminadas pelo artigo 195, I da CF/88 para legitimar a incidência da contribuição social em comento (Cofins).

Como visto, inexiste motivação jurídica (de ordem científica e rigor técnico) que legitime a distinção de tratamento conferido pelas aludidas legislações infraconstitucionais da Cofins naquilo em que as mesmas autorizam apenas a exclusão dos valores de IPI da base de cálculo da mencionada contribuição, não o fazendo, como seria de rigor, também em relação aos valores do ICMS posto que em ambos os casos (IPI e ICMS) sobre serem tributos substancialmente idênticos, igualmente não se incorporam definitivamente ao patrimônio do sujeito passivo que em relação aos mesmos age apenas como mero depositário e agente arrecadador eis que por dever legal tem a obrigação de recolher/repassar tais importes aos respectivos cofres públicos (federal e estadual) haja vista consubstanciarem receitas públicas destinadas a integrar definitivamente a titularidade patrimonial daqueles entes tributantes, e por isso não se qualificam como receita ou faturamento do contribuinte na exegese que se impõem conferir a tais expressões conforme seus estritos sentidos técnicos, pena de violação ao artigo 195, I da CF/88, sede material da tipologia e conformação da contribuição a Cofins.

A lei 12.973/14 modificou o teor do artigo 12 do decreto-lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977, que enunciava:

"A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados".

Nos termos da nova lei, dentre outras novidades, ficou expressamente consignado que incluem-se na receita bruta os tributos sobre ela incidentes (e isso inclui o ICMS). Eis o teor da norma:


"Art. 12. A receita bruta compreende: 
(…) 
§ 5º Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art, 183 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4º."

Assim a Receita Federal consolidou seu entendimento, com base na lei 12.973/14, que o ICMS integra a receita bruta, por falta de disposição expressa para sua exclusão.

No entanto, o entendimento da Receita Federal não pode prosperar, sob o argumento de que as leis não precisam estabelecer a exclusão expressa do ICMS, visto que o imposto não integra o conceito de receita ou faturamento, por se tratar de valor que embora cobrado pelo comerciante em suas vendas, é automaticamente repassado ao erário estadual.

Portanto a inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS e a Cofins é ilegítima e inconstitucional, pois fere o princípio da estrita legalidade previsto no artigo 150, I da CF/88 e 97 do CTN, o artigo 195, I, "b" da CF/88 e o art. 110 do CTN, porque receita e faturamento são conceitos de direito privado que não podem ser alterados, pois a Constituição Federal os utilizou expressamente para definir competência tributária.

A mesma lei 12.973/14, no seu artigo 52, também alterou o artigo 3º da lei 9.718/98 que trata da base de cálculo do PIS e da Cofins não cumulativos. O artigo 3º passou a ter a seguinte redação:

"Art. 3º O faturamento a que se refere o art. 2º compreende a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-lei nº 1598, de 26 de dezembro de 1977" (redação dada pela lei 12.973/2014).


Isso significa dizer que a base de cálculo do PIS e da Cofins cumulativos a partir de 2015, segundo a Receita, é a receita bruta considerando os tributos sobre ela incidentes, inclusive o ICMS, agora, por disposição expressa da lei.


Contudo a manutenção da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins é ilegítima e inconstitucional, pois fere o princípio da estrita legalidade previsto no artigo 150, I da CF/88 e 97 do CTN, o artigo 195, I, "b" da CF/88 e o art. 110 do CTN, porque receita e faturamento são conceitos de direito privado que não podem ser alterados, pois a Constituição Federal os utilizou expressamente para definir competência tributária, mesmo no disposto do novo normativo através lei 12.973/14 que modificou o teor do artigo 12 do decreto-lei 1.598, passando a declarar assim expressamente a inclusão na receita bruta os tributos sobre ela incidentes.

Em discussão no Supremo Tribunal Federal, foi levado pela primeira vez ao plenário da corte, processo acerca da inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. A maioria dos ministros - seis deles – já votou pela exclusão do imposto.

O caso analisado é recurso (RE n.º 240.785), oriundo de decisão do Tribunal Regional Federal 3ª Região, que entendeu ser constitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. O relator do caso, Ministro Marco Aurélio de Mello, votou pela inconstitucionalidade da inclusão, seguido pelos Ministros Cármem Lúcia, Ricardo Lewandowaki, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluzo e Sepúlveda Pertence, compondo maioria. A favor do fisco votou o Ministro Eros Grau, e com posição favorável ao fisco, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, evitando assim o desfecho do julgamento.

Considerando que a mudança de posição de um Ministro é um evento bastante raro, conclui-se que a questão está na eminência de ser pacificada em favor do contribuinte.


Por fim o debate envolve uma ordem econômica de significativo impacto para a União, e quem dará efetivamente a palavra final é o STF em julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC 18/DF), que está sendo analisada a matéria no controle abstrato de constitucionalidade, com efeito vinculante e erga omnes, ou seja, valerá para todos, ou mesmo no Recurso Extraordinário nº 574.706, com repercussão geral já reconhecida, na Corte Suprema.


Por LEONARDO DE ANDRADE










- Advogado, civilista e tributarista especializado na administração de passivo, direito bancário e direito tributário;
- Graduado em Direito – Universidade Paulista – Unip;
- Pós Graduando pela Universidade Mackenzie Processo Civil;
- Responsável pelo:

Contencioso tributário do escritório Hélio Brasil Consultores Tributários;
Departamento jurídico do escritório JCF Contabilidade e Assessoria Empresarial Ltda.;
Departamento tributário do escritório Arcuri & Cimini; e 
- Consultor tributário do escritório Rocha Calderon Advogados Associados.

- Foi consultor da :

IOB THOMSON, 
Fiscosoft Sistemas 
SYSTAX Sistemas.

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