quinta-feira, 6 de agosto de 2020

O Testamento e suas Formas: Testamento Público e Testamento cerrado


Autor: Sergio Luiz Pereira Leite(*)


Muito longe de pretender exaurir um assunto tão denso e apaixonante, o autor deste artigo discorrerá sobre os aspectos mais relevantes, ainda que de maneira simples, sobre o testamento e de suas formas. Nesta primeira parte, abordaremos o testamento público e o testamento cerrado. Na parte II, falaremos sobre o testamento por Instrumento particular e o testamento nuncupativo, encerrando a série.

O TESTAMENTO

Diz o artigo 1.786 do nosso Código Civil que a sucessão se dá por lei ou por disposição de última vontade .

É nesse espaço legal, estatuído no Título III, que trata da sucessão testamentária, que vamos fazer algumas considerações sobre o testamento em geral, dizendo inicialmente que toda pessoa pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens. É exatamente isso que diz o caput do artigo 1.857.

Cumpre, antes de adentar ao tema aqui proposto, fazer uma pequena digressão sobre a morte. O ser humano encontra dificuldade em reconhecer a possibilidade da própria morte, em que pese ser esta a única certeza que, todos nós, seres vivos, temos e a que estamos irremediavelmente condenados. É sempre um assunto delicado, mas que temos de encarar para que, com a nossa morte, possamos deixar a expressão de nossa vontade registrada. 

Se restringíssemos a nossa leitura no topo desse artigo, restaria ao leitor a impressão de que todo o patrimônio da pessoa pode ser objeto do testamento, pois a regra fala em todo. Mas não é assim e, se continuarmos a leitura dessa norma legal, vamos perceber que, por todo o patrimônio, devemos entender o patrimônio disponível do testador.

O parágrafo 1º do artigo em comento nos ensina que a legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento, o que nos leva a pressupor que, apenas se o testador não tiver herdeiros necessários, ele poderá dispor livremente de todo o seu patrimônio.

Por necessários são todos aqueles que o Código Civil assim os classifica e são os descendentes, na falta destes dos ascendentes e em terceiro lugar na sucessão legítima, teríamos o cônjuge sobrevivente. Sobre esse tema já fiz considerações em artigo anterior, mas poderá voltar a ser assunto em artigo específico, no futuro.

Pois bem, retomando o assunto aqui a ser esmiuçado, o testamento, por ser um ato personalíssimo, pode ser modificado a qualquer tempo, na redação dada pelo artigo 1.858 da lei substantiva civil. Se trata de negócio jurídico personalíssimo, porque só pode ser realizado pessoalmente pelo testador, sem possibilidade de representação e ser ainda o testador pessoa capaz de discernir sobre o ato que está praticando. Normalmente, o tabelião, quando se trata de testamento público, exige um atestado médico que indique a sanidade e do perfeito discernimento do testador, que fica arquivado no Tabelionato.
        
Nossa lei civil estabelece as formas ordinárias do testamento, como sendo o testamento público, o cerrado (também nominado místico ou secreto) e o particular
O TESTAMENTO PÚBLICO


Para ser público, o testamento há de observar alguns requisitos que a lei civil estabelece nos incisos e § único do artigo 1.864, como segue:

"Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:
I - ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;
II - lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III - ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma."
    
Ora, o artigo é muito claro e objetivo ao destacar esses requisitos e, por óbvio, ele, o testamento público, só pode ser elaborado pelo tabelião, por se tratar de um instrumento de organização patrimonial. 

A fé pública, inerente ao ato registral e notarial, faz do testamento público a forma mais utilizada pelos que resolvem fazer suas manifestações de última vontade.

Essa forma testamental também pode ser decisiva no momento de fazer valer a vontade do testador, pois a fé pública acima citada, reveste o testamento de uma forma diferenciada, se comparada a outras formas de testamento, pois, não raras vezes, herdeiros supostamente prejudicados tentam anular o testamento. O testamento público faz prova plena, na leitura que se faz do caput do artigo 215 do Código Civil, que diz, verbis:
"A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena".
Pela solenidade de que se reveste, o tabelião deve presidir o ato, podendo se valer de preposto para o trabalho mecânico de redação, pois é a ele delegado o exercício da atividade notarial.

O tabelião também pode ir a lugar fora do Cartório, em diligência, para atender ao chamado do testador, v.g. em hospital, na residência do testador ou no escritório de seu advogado. Todavia, esse ato não pode ocorrer fora do município para o qual o tabelião recebeu delegação, sob pena de nulidade do ato, além de sanções administrativas cabíveis.

TESTAMENTO CERRADO

Não tão usual, mas também com participação necessária do tabelião, o testamento cerrado, também chamado de secreto ou místico, deve ser escrito pelo próprio testador e deverá cumprir as disposições contidas no artigo 1.868 do Código Civil. O que se exige é que o testador afirme ser aquele papel o seu testamento, cuja aprovação requer, podendo fazê-lo sponte sua ou à indagação do notário, numa reminiscência da cerimônia romana da nuncupatio.

O testamento cerrado não é franqueado ao cego (Eduardo de Oliveira Leite, Comentários ao Novo Código Civil, comentário ao art. 1.872). Pode ser usado pelo surdo mudo, que preencherá o requisito da identificação da carta, mencionando por escrito conter ela o seu testamento, que deseja aprovado.

Nesta hipótese, não cabe escrito a rogo (Código Civil, art. 1.873).
Morte do testador. Após a abertura da sucessão, o testamento místico é aberto pelo juiz, na presença do apresentante e do escrivão, verificada a integridade da cédula. Proceder-se-á à sua leitura e do auto de aprovação, lavrando-se um termo circunstanciado, do qual constarão “o nome do apresentante e como ele obteve o testamento, a data e o lugar do falecimento do testador, com as respectivas provas, e qualquer circunstância digna de nota” (v.g., menção do estado em que a carta sigilar foi entregue ao magistrado). Apurada a inexistência de vício extrínseco, e ouvido o Ministério Público, será inscrito e mandado cumprir, com intimação ao testamenteiro para que assine o compromisso (novo Código de Processo Civil, art. 735 e 257 seus §§).

Ao apor o seu “cumpra-se” no testamento cerrado, o juiz não estará preenchendo mera formalidade material, porém dando a sua anuência à legalidade formal da cédula. Por isso, ao fazê-lo, cuidará de proceder a um exame cuidadoso. Ressalva-se, contudo, que o despacho aprobatório não impede que qualquer interessado intente a ação própria de nulidade.

Aqui terminamos essa primeira parte. Na próxima postagem concluiremos o  presente assunto. Até lá!

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE


-Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo.

 Nota do Editor:

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