terça-feira, 5 de março de 2024

Direito Animal


 Autor: Walter Piva Rodrigues (*)

O mundo jurídico dá voltas, se não "cambalhotas".

Tenho diante de mim a Revista Bonijuris, ano 33, de dez/jan 22 que traz na sua capa "A Hora e a vez do Animal", chamando atenção para o fato que "tramitam no Brasil, dezenas de ações que pedem o reconhecimento do não humano - o bicho, o  pet - como  sujeito de direito, apto a ser parte em processo.TJ do Paraná criou precedente  ao admitir que dois cães podiam se apresentar em juízo ".

Mais do que a aponta a síntese, o conteúdo da Revista é mais eloquente, ainda.

Marcus Gomes, que se apresenta como jornalista, pela sua límpida escrita, nos põem em contato com "decisões recentes (que) têm sido pautadas por meio de um diálogo de fontes que transpõem limites ao definir o sujeito de direito, "abarcando o - direito animal -  e"... estabelecendo um amplo diálogo com a Constituição de 88 e a dogmática civilista" [p. 37].

Esse jornalista de escol, também, realça que  "o rio Atrato" passou a ser considerado como "pessoa", defendendo que  em ações a ensejar litigância climática, a Amazônia colombiana possa agir " como entidade com capacidade para personificar um interesse legitimamente protegido pelo direito " [p.38].

Refere-se até um caso na Arábia Saudita [2017], reconhecendo "um robô" como "cidadão".

Fala, a certa altura, de seu escrito ao "abolicionismo" jurídico dos não humanos.

O certo é que, Marcus Gomes, como jornalista, consultou várias fontes de leitura, inclusive o processualista Didier Junior que se "esforça" para colaborar para uma solução ao verdadeiro problema que se põe ante os acadêmicos:  se um animal é sujeito de direito, ele goza igualmente de capacidade de ser parte? 

O processualista renomado tem uma ponderação que foi traduzida pelo Jornalista Marcus, a saber: "... mas quem seriam os animais considerados sujeitos de direito? Ele considera razoável pensar nos grandes primatas e pets. Mais do que isso seria abusar da sorte e da racionalidade " [p.41]

Não está fora de propósito, é preciso de reconhecer  ! Como é sinalizado, " o risco de que a amplitude da ficção [ -  a ficção está no cerne do direito -  ] se transmute em pilhéria ", é a advertência do articulista ou editorialista.

Contudo, vêm mais na Revista dez/jan 22 !

Thais Precoma Guimarães, à pg. 40, sintetiza o seu pensamento, expressando, verbis : "Família Multiespecie põe animais e humanos no mesmo patamar ".

" Tollitur quaestio " !

Ela desenvolve duas abordagens jurisprudenciais sobre  “ posse do animal  e os vínculos emocionais e afetivos” criados entre os humanos e o cão, tendo o "cão" servido de testemunha [TJRJ Apelação Civil 0018757 79 2013 ] e  TJPR  (AI 0059204-56-2020) , dois cães , representados pela ONG " Sou Amigo ", figuraram no pólo ativo na ação de reparação de danos,  com fixação de pensão mensal a favor dos autores.

Mas, chegamos ao ponto alto desse artigo.

Como precedente histórico. é destacada a solução dada pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (14.09.2021) em que DOIS CAES, também, na qualidade de AUTORES,  representados por uma ONG, tiveram vitória na sua reintegração ao processo civil   [ o juiz a negara ! ]    , reconhecida a sua  CAPACIDADE DE SER PARTE .

O alerta vem de Magistrados, também, de escol, Cristine Lopes [ Juíza de Direito ] e  Vicente de Paula Ataíde Junior [ Professor da FD da UFPR e Juiz Federal ] em seu artigo que encima tal precedente histórico [ " Animais têm Direitos e Podem ser autores de ações judiciais " ] [ pp. 42/50 ] examinam essa decisão sob o ponto de vista do Direito Penal, Direito Civil e Direito Processual Coletivo, neste, em particular, destacando o cabimento de uma  ação civil pública ambiental que comportaria, inclusive, não só a tutela provisória mas a proteção jurisdicional do animal.

Descartada essa última sugestão, surgiu, então,   uma resposta  pelo “direito animal”, tratamento que é dado por um dos autores do artigo em comento,  o Professor Vicente De Paula ,em 2018,  em seu Introdução ao Direito Animal brasileiro, Revista Brasileira de Direito Animal , Salvador , v.13. 

De tudo o que vem escrito relativo a Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,   Paraíba, sustentam os autores que a legislação estadual saiu na frente  [ CF , artigo 24 VI ], atribuindo aos  animais a natureza de seres sencientes   [ sentem dores e angústias etc. ] .

Vão fundo na questão, examinando vários dispositivos constitucionais [ art. 5º XXXV,    225 "caput" par. 1º VII ], chegando mesmo a considerar que, no caso da "ADI da vaquejada"  [ADI 4983-CE ] a Ministra Rose Weber  adotou uma interpretação constitucional sobre a dignidade animal.

Então, a   conclusão exposta segue a linha no sentido que não é possível  " desguarnecê-los de um catálogo mínimo de direitos fundamentais ".

Do ponto de vista do processo civil, existe o Decreto nº 24. 645/34 indicando que os animais   tem direito a uma representação processual. Serão seus intermediários atípicos os membros do MP, sociedade protetora de animais. 

Também, como acenam mais adiante  , os responsáveis poderão contratar advogados ainda que em caráter "provisório" até que, conforme o caso, a Defensoria Pública assuma essa substituição legal, não sendo nem mesmo dispensada a presença do Ministério Público.

Mencionam esses autores a hipótese de " tutela provisória de urgência " [ CPC  art. 294 e seg. ] para acudir as despesas de medicação mais prementes.

A procedência da ação proposta por Cauê levará a arrecadação de indenização e outras medidas de urgência substitutivas, previstas na legislação animal, por enquanto, de cada Estado.

Este tema é relevante porquanto a Comissão do Código Civil acaba de consignar um artigo específico para a hipótese tratada aqui, verbis :

 

art. 91- A Os animais, objetos de direito, são seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria em virtude da sua natureza especial.

Par. 1º A proteção jurídica no caput será regulada por lei especial, a qual disporá sobre o tratamento físico e ético adequados aos animais

Par.2° Até que sobrevenha lei especial, são aplicáveis , subsidiariamente, aos animais as disposições relativos aos bens, desde que não sejam, considerando a sua sensibilidade, incompatíveis com a sua natureza

Par.3º Da relação afetiva, entre humanos e animais, pode derivar legitimidade para a tutela correspondente de interesss bem como pretensão reparatória por danos experimentados por por aqueles que desfrutam de sua companhia.


Uma tarefa difícil foi deixada para a "lei especial" que precisará vir em auxílio à essa projetada norma de direito  subjetivo  .

Refiro-me às regras processuais que não podem esperar o tempo passar. O método do devido processo legal, enfim, que cuida, com clareza suficiente, de definir as partes, a sua capacidade, a sua. representatividade, o juiz natural  e imparcial, garantidos os mecanismos de controle das verbas quando for procedente a ação.

Mais processo civil, menos processo incivil como alinhado em geral pelo Professor Emérito José Ignácio Botelho de Mesquita em suas preleções { ver Revista da Faculdade de Direito,, 2020, volume 115, p. 883/892 e outros escritos ].

 *WALTER PIVA RODRIGUES










-Graduado em Direito pela FDUSP(1972);

- Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo; 

- Mestrado  pela FDUSP (1980);

- Doutorado pela FDUSP (1990); 

- Professor no Pós Graduação da FDUSP e

- Autor dos livros "Substituição Tributária" e Coisa Julgada Tributária" editados pela "Quartier Latin".

Nota do Editor:


Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

2 comentários:

  1. Não dou advogada e amo animais. Meu marido , quando era vivo, apoiava a sociedade protetora dos animais e era inclusive veterinário. Mas me parece hoje pelo artigo acima um exagero nas atribuições dadas aos pets? Não seria o caso apenas de fazer valer a lei contra maus tratos , abandonos e guarda compartilhada?

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  2. Sim! Nossos animais precisam ser protegidos. Elucidado está.
    Olhando o direito no Brasil, o calhamaço de leis, nosso judiciário incapaz de dar respostas a sociedade em tempo hábil me vem a mente se nossos bichos, digo animais com direitos; estarão vivos quando a sentença for transitado e julgado?😸🐶🤞

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