Mais um ano se inicia e, parafraseando Ferreira Gullar, nada, nem no céu nem na terra, nenhum indício de algo novo, de um ano realmente novo se espreita. E é mesmo assim, a despeito do balanço do final do ano anterior, das expectativas e das metas para um ano que se espera ainda melhor do que o anterior...
Fato é que o período que antecede o início do ano e que posteriormente inaugura esse novo ano é marcado por um intenso misto de emoções e sentimentos. Há um tempo que se encerra, o que pode despertar angústias e ansiedades. Ao mesmo tempo, há uma excitação característica, um entusiasmo, uma empolgação... ou seria uma euforia?
Mas nada há, de externo a nós, que possa diferir entre o “31 de dezembro” e o “1º de janeiro”, a não ser de bem de dentro da gente. É lá, bem no mais íntimo de cada um de nós, que algo novo pode surgir – uma emoção e/ou um sentimento novo, uma ideia e/ou um pensamento novo, uma abertura, uma nova possibilidade, uma nova sensação, uma percepção (talvez) de se estar vivo, e, isso sim, que pode ser novo e propiciar um “ano novo”, independente de quando, no mês ou no ano, isso possa acontecer. A reinauguração, pois, não se faz externa, mas internamente, dentro de cada um de nós, o que possibilita viver algo de uma forma nova, quiçá pela primeira vez. Afinal, só se pode ter – e usufruir de – um ano realmente novo se de fato algo for novo lá de bem de dentro da gente.
Nas palavras de Gullar, pois o poeta – sempre – fala melhor do que a gente:
ANO NOVO
Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.
Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça
nada ali indica
que um ano novo começa.
E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.
Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho estelar
que sonha
(e luta).
É, pois, “no coração” que tudo se inicia, esse órgão pulsante, a partir do qual cada um pode se preencher de vida para os acontecimentos e desafios de todos esses e outros anos, o que só acontece para o homem, “esse bicho que [tanto] sonha (e luta)”... “E não começa nem no céu nem no chão do planeta”, mas dentro de nós, reinaugurados e esperançosos, sonhadores e novos de dentro, lá de bem de dentro da gente.
A Ferreira Gullar, todo agradecimento!
Poesia retirada de: GULLAR, F. Barulhos, José Olympio, 1987, Rio de Janeiro.
POR ANA FLÁVIA DE OLIVEIRA SANTOS
-Psicóloga Clínica (CRP 06/90086)
-Formada em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP);
-Mestre em Psicologia pela mesma Faculdade e Especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia;
-Diretora de Ensino e Membro Associado do Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto - IEPRP, onde também integra quadro de psicólogos clínicos e supervisores.;
-Possui experiência nas áreas clínica, da saúde, escolar/educacional e social, além de ensino e pesquisa;
-Atualmente, atende crianças, adolescentes e adultos na abordagem psicanalítica nas cidades de Batatais-SP e Ribeirão Preto-SP;
-Presta assessoria na área da Psicologia Escolar/Educacional a creches e escolas. Coordena grupos de estudos em Psicanálise e Desenvolvimento Infantil; e
- Ainda, atua como professora tutora em curso de Especialização em Psicologia, Orientadora de Monografia e como funcionária pública municipal.
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Nota do Editor:
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Nossos corações estão cansados. Batem, batem, batem... apanham da vida. 365 dias e eles esperam batendo firme que nós recomecemos com algo novo. O que é novo? O que seria novo se passado aqueles minutos de plena euforia tudo retorna como dantes?
ResponderExcluirOlhamos o horizonte. Nada. Nada mudou. Apenas o número do ano...