terça-feira, 28 de maio de 2019

Desaparecimento de Crianças e Adolescentes: Inovações Legais


Autora: Camila   Lobato(*)


Abordar temas que envolvam crianças e adolescentes é uma tarefa árdua e meticulosa, ainda mais quando tratamos de crimes praticados contra esses infantes que por estarem em estágio de desenvolvimento acabam sendo vulneráveis em qualquer situação, sendo mais fácil de dominá-los e persuadi-los.

A situação de abandono e também da violência contra crianças e adolescentes ocorre desde os primórdios e diante do fortalecimento de movimentos sociais e de muitas lutas esse cenário mudou e pode-se reconhecer essas pessoas como sujeitos de direito. 

Assim, após um longo período percorrido da infância negada e ignorada, pela primeira vez na história do Brasil, crianças e adolescentes foram vistos como prioridade absoluta, sendo, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 227, caput, reconhecida a doutrina da proteção integral, regulamentada, em 1990, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, garantindo a efetivação dos direitos fundamentais, em questão a sobrevivência, ao seu desenvolvimento pessoal, social, físico, psicológico e moral. Além de garantir que crianças e adolescentes não devem ser alvos de qualquer forma de negligência, crueldade, violência, maus-tratos, exploração e opressão, devendo ser responsabilizados os autores que violarem esses direitos.

Ocorre que apesar desse avanço na história, ainda temos um grande caminho a percorrer, a cada dia a sociedade e o Estado parecem regredir no trato com o público infanto juvenil que mesmo tendo seus direitos expressos em Lei, a falta de fiscalização, aplicação correta da norma e políticas públicas, fazem com que seus direitos sejam constantemente violados. Podemos afirmar que uma das grandes e lastimáveis violações ao direito das crianças e adolescentes é o descaso quanto ao desaparecimento de meninos e meninas no Brasil, uma problemática que assola o nosso País e que atinge mais famílias do que se imagina.

Diante dessa triste realidade ignorada pela população e pelos órgãos públicos, crianças e  adolescentes por serem mais vulneráveis, tanto psicologicamente, quanto economicamente, seja pela falta de informação ou por sua fragilidade por serem pessoas em desenvolvimento, são as mais afetadas. Estima-se que o desaparecimento desses infantes, no Brasil, chega a mais de 40 mil todo o ano, principalmente, crianças do sexo feminino. Na verdade, esse número tende a ser muito maior, devido nem todos os casos entrarem nas estatísticas oficiais.

Os motivos do desaparecimento de muitas crianças e adolescentes podem ser diversos, conforme a faixa etária e a situação ocorrida, por ações de terceiros ou por motivações pessoais. Contudo, o principal motivo é o tráfico para variados segmentos como: a exploração sexual para fins comerciais (prostituição ou pornografia); o trabalho doméstico, a adoção ilegal, o trabalho forçado, a comercialização de órgãos, a mendicância e atividades ilícitas ou qualquer tipo de trabalho que coloque em perigo a saúde ou a vida das crianças e adolescentes.

Em face do crescente número de registros de pessoas desaparecidas e tendo como principal motivo o tráfico, a Lei nº 13.344/16, alterou o Código Penal Brasileiro, inserindo o art. 149-A, que salienta:

     "Tráfico de Pessoa
 Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;IV - adoção ilegal; ouV - exploração sexual.Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ouIV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional."

Por outro lado, pode ocorrer o desaparecimento por motivações pessoais, onde crianças e principalmente muitos adolescentes acabam fugindo de casa em decorrência de maus-tratos, conflitos familiares, como casos em que pais não aceitam a sexualidade dos filhos ou pais que tem novos companheiros que os filhos recusam, uso de drogas lícitas ou ilícitas, como o álcool, maconha, crack…, e, o abuso sexual. 

Ocorre, que nesses últimos casos o problema do desaparecimento acaba sendo solucionado de forma mais fácil, diferentemente do que ocorre com os casos de crianças e adolescentes que são vítimas de tráfico, onde a dificuldade para solucionar o problema acaba sendo muito maior.

O tráfico de pessoas é considerado o comércio mais rentável do mundo da indústria do crime e o Brasil é o país da América Latina com a maior incidência em tráfico internacional de crianças, principalmente, para fins de exploração sexual ou para adoção ilegal. Em vista disso, devemos refletir quanto ao descaso das autoridades e a baixa visibilidade de um assunto tão alarmante e importante para a nossa sociedade.

Acontece que diante da situação econômica e sociocultural do nosso povo, muitas crianças são vendidas como mercadorias, pelos próprios pais que são aliciados, enganados e levados a entregar seus filhos, por não se acharem em condições de criá-los, visando uma oportunidade e qualidade de vida para suas crianças, que eles não seriam capazes de dar. Semelhantemente, no caso de adolescentes, estes podem ser enganados e influenciados por falsas promessas de emprego e melhores condições de vida. No entanto, acabam encontrando uma realidade bem diferente do que esperavam, muitos são escravizados ou até mortos.

No Brasil a falta de fiscalização e a pouca atenção que o Poder Público dá para casos de desaparecimento de crianças e adolescentes, principalmente, de famílias mais pobres e humildes, que são as mais afetadas, pela própria falta de instrução e amparo, faz com que quadrilhas formadas por médicos, assistentes sociais, advogados, Juízes, pessoas da migração, policiais, falsários, dentre outros, se aproveitem dessa situação de costume popular, para enriquecimento próprio, surgindo, ainda, os intermediadores que fazem a comercialização nacional e internacional de bebês, crianças e adolescentes, que são rejeitados, abandonados, roubados ou enganados.

Nesse sentido, com o avanço da globalização e da tecnologia, aumentou a comercialização do corpo da criança e do adolescente, além de facilitar o aliciamento por meio da internet, favorecendo os lucros milionários do tráfico, principalmente para fins de exploração sexual, o que acaba por multiplicar os casos subnotificados.

A facilidade de cometer crime dessa natureza no Brasil ocorre por diversos fatores, o que acaba dificultando e muitas vezes generalizando o trato que as autoridades competentes dão nesses casos. 

Tendo em vista que a grande maioria dos casos de desaparecimento notificados são de crianças e adolescentes que fugiram de casa e desapareceram por motivos familiares, as autoridades acabam não dando a importância que deveriam, determinando, muitas vezes, que os pais ou responsáveis esperem um limite de tempo de 24hs a 48hs para poder tomar alguma providência, fazendo muitas vezes mal juízo dos jovens desaparecidos e de seus familiares. Além disso, o que facilita também o tráfico é a falta de fiscalização ao entrar em outros países, como ocorre na fronteira do Brasil – Paraguai, e, também entre os Estados do Brasil.

Diante dessa preocupante e caótica problemática, entrou em vigor a lei nº 11.259/2005, que acrescenta o § 2º ao art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90, desmistificando o tempo que deve ser notificado aos órgãos competentes sobre o desaparecimento de uma criança ou adolescentes, sendo assim, percebendo a ausência desses, imediatamente, deve ser comunicado à polícia, para que sejam tomadas as devidas providências, também de forma imediata, não devendo aguarda entre  24h ou 48h para fazer essa notificação e iniciar as buscas, pois quanto mais o tempo passar, mais remotas são as chances de encontrar a pessoa procurada. Desta forma, deve-se procurar a delegacia mais próxima e registrar um boletim de ocorrência, sobre o desaparecimento da criança ou adolescente, para que as buscas comecem. Assinala a Lei de Busca Imediata:

Art. 1º O art. 208 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 passa a vigorar acrescido do seguinte § 2o, convertendo-se o atual parágrafo único em § 1º:
"Art. 208. ..........................................................…§ 1o (...)§ 2º A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido."
Ademais, desde 2009, através da Lei nº 12.127/2009, o Brasil conta com um Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes desaparecidos, para auxiliar nas buscas, identificação e localização de jovens em todo o território nacional, porém é desatualizado e pouco priorizado. Esse cadastro, por ter a possibilidade de ser alimentado pelos próprios familiares da pessoa desaparecida, faz com que as autoridades competentes que deveriam ter o dever de cadastrar situações de desaparecimento com regularidade, acabam não dando a devida importância, dificultando o próprio objetivo da criação do cadastro que é o compartilhamento de dados com outros Estados para ajudar nas investigações de pessoas desaparecidas. Devido a falta de uma estrutura integrada entre os Estados e o Governo Federal acaba dificultando a investigação e a busca por essas crianças e adolescentes desaparecidos.

Diante do número alarmante de crianças desaparecidas e tendo em vista a falta de estruturação no combate a essa problemática, no corrente ano uma nova ação foi criada para combater o desaparecimento de crianças e adolescentes no Brasil, a Lei nº 13.812/2019, que terminou por instituiu a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, além de criar um Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, e de alterar o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto a viagens de jovens desacompanhados em território nacional, estabelecendo ser proibido que adolescentes menores de 16 anos viajem sem autorização judicial para fora da comarca de sua residência desacompanhado dos pais ou de responsáveis em voos nacionais ou ônibus interestaduais, ou seja, aumentou de 12 anos para 16 anos essa proibição. Vejamos:

"Art. 83. Nenhuma criança ou adolescente menor de 16 (dezesseis) anos poderá viajar para fora da comarca onde reside desacompanhado dos pais ou dos responsáveis sem expressa autorização judicial.         §1º ...............................................................a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor de 16 (dezesseis) anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana;b)a criança ou o adolescente menor de 16 (dezesseis) anos estiver acompanhado:(...)"
Além de que fica estabelecido que os hospitais, as clínicas e os albergues, públicos ou privados, devem informar às autoridades públicas sobre o ingresso ou o cadastro de pessoas nesses locais, sem a devida identificação.
Com o advento da Lei em comento, o Legislador acabou por unificar o Cadastro de Pessoas Desaparecidas, tanto de crianças e adolescentes, como adultos. Criou o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, afirmando que a busca e a localização dessas pessoas são prioridades com caráter de urgência pelo poder público. Vejamos:

"Art. 3º A busca e a localização de pessoas desaparecidas são consideradas prioridade com caráter de urgência pelo poder público e devem ser realizadas preferencialmente por órgãos investigativos especializados, sendo obrigatória a cooperação operacional por meio de cadastro nacional, incluídos órgãos de segurança pública e outras entidades que venham a intervir nesses casos."
A Lei trouxe ainda o dever que as autoridades de segurança pública competente tem de inserir, atualizar e validar as informações no Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas, além de que a autoridade central federal e as autoridades centrais estaduais deverão elaborar relatório anual, com as estatísticas sobre os desaparecimentos.

"Art. 7º A autoridade central federal e as autoridades centrais estaduais elaborarão relatório anual, com as estatísticas acerca dos desaparecimentos, do qual deverão constar:I - número total de pessoas desaparecidas;II - número de crianças e adolescentes desaparecidos;III - quantidade de casos solucionados;IV - causas dos desaparecimentos solucionados."

Ainda, a lei exige que as investigações de pessoas desaparecidas deverão ser realizadas até a efetiva localização da pessoa, não existindo a possibilidade de arquivamento das investigações policiais, sendo de suma importância a localização da pessoa desaparecida.

Por derradeiro, conclui-se que mesmo com os avanços legislativos, buscando soluções para o enfrentamento, a prevenção e investigação assídua de crianças e adolescentes desaparecidos, infelizmente, caso a norma não seja aplicada e cumprida rigorosamente, junto com outras medidas de politicas públicas vinculadas a esse tema, inclusive com a integração de diversas instituições, como o Ministério Público, Judiciário, Polícia, Conselho Tutelar, dentre outros, tudo será em vão e os direitos desses jovens continuaram sendo violados.

Por fim, importante ressaltar que no dia 25 de maio é celebrado o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas. Essa data tem por objetivo conscientizar a sociedade sobre os cuidados para prevenir o desaparecimento de crianças, além de encorajar a população a refletir sobre esse tema diante dos alarmantes casos de desaparecimento no Brasil e no Mundo. 

Devemos dar uma atenção maior para esse assunto, melhorar a metodologia de atendimento e a qualidade das informações dos desaparecidos. Sendo, ainda, importante que pais e educadores, orientem adequadamente crianças e adolescentes sobre o referido tema. A sociedade também deve fazer sua parte, procurando o disque denúncia e compartilhando informações pelas redes sociais. Somente assim, será possível enfrentarmos essa problemática que destrói muitas famílias e prejudica a vida de muitas crianças e adolescentes.

*CAMILA DANIELLA SEABRA LOBATO

-Graduação na Faculdade Integrada Brasil Integrada Amazônia FIBRA (2013);
- Pós Graduação em Direito Penal e Processual Penal na Faculdade Integrada Brasil Integrada Amazônia FIBRA (2017);
- Mestranda em Criminologia Forense na Universidad de La Empresa - UDE - Montevideo - Uruguai;
-Advogada na área de família;
-Rede social (instagram): camiladanilobato

NOTA DO EDITOR :

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2 comentários:

  1. Infelizmente por ser um comércio lucrativo a fiscalização tende a ser mais branda. Mesmo existindo diversas legislações especificas para coibir o ato de nada adianta se os órgãos fiscalizadores não se comprometem ou já estão corruptos suficiente para fazer seu trabalho. Felizmente nessa era das informações os compartilhamentos ajudam bastante a diminuir essa estática, o porém apenas são o desserviço das fase news no trabalho de adesão das pessoas nas denúncias.

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  2. parabéns pelo tema e pelo assunto tão doloroso que destrói tantas famílias.. dessa forma que podemos ajudar e participar de debate e divulgações em busca de solucoes! parabéns minha afilhada lindaaaaa👏👏👏👏

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