sábado, 25 de maio de 2019

Uma Educação Muito mal Educada


Profª Stela Maris Leite Carrinho de Araujo(*)

Havia escrito para o Blog um texto sobre currículo no Ensino Médio, planejamento, acompanhamento, avaliação e qualidade de ensino com impactos de produtividade e emancipação social e econômica dos jovens, mas diante dos últimos acontecimentos envolvendo a Educação no país, obriguei-me a reformular o texto, já escrito.

Abordarei, aqui, ainda que superficialmente, o contexto atual da Educação, a escola e as demandas dos jovens no país, ancoradas nas narrativas que envolvem as políticas públicas educacionais. 

Constato que o que está acontecendo na área educacional vai além de seu âmbito. As instituições educacionais são microcosmos sociais e não estão protegidas do embate político, das narrativas polarizadas. Os dados educacionais são claros e concretos, em termos: nossa educação é um fracasso, mas não podemos, apenas, nos ater às estatísticas, pois, até estas, podem sofrer vieses de métodos, interpretações e ingerência do discurso político. 

Isto posto, relato uma leitura que reitera esta afirmação. Em 2017, li um artigo de Reinaldo Azevedo, na revista Veja, que refletia sobre a Educação em nosso Brasil. 

No artigo, o blogueiro, de então, trazia à discussão os resultados de pesquisa feita pelo americano Martin Carnoy, um senhor, na época, com 71 anos, doutor em Economia pela Universidade de Chicago e professor da Universidade de Stantford. O economista comandava um centro de pesquisas sobre Educação. 

Este senhor esteve em nosso país, por diversas vezes e em 2008; Reinaldo Azevedo retoma o que publicara sobre o pesquisador americano. Suas visitas tinham como objetivo entender, sob o olhar da sala de aula, as reais causas de nosso ensino ser tão ruim. Segundo Reinaldo Azevedo, o pesquisador assistiu aulas em 10 escolas públicas no Brasil, chegando a filmá-las, além de diálogos com professores, diretores, alunos e governantes responsáveis pelos sistemas de ensino. Após sua peregrinação pedagógica, o pesquisador deu entrevista à editora Monica Weinberg, fazendo um criterioso cenário da Educação em nosso país.

Veementemente, indaga, no âmbito do método: Que Construtivismo é esse? Afirmou que esse Construtivismo aplicado no Brasil está muito distante dos pressupostos didático-pedagógicos do conceito original de Jean Piaget, psicólogo suíço, que faleceu nos anos oitenta. O que pratica a escola brasileira não resvala na teoria piagetiana. 

Reinaldo Azevedo afirmou: "Falta um olhar mais científico e apurado sobre o que diz respeito à sala de aula. É bem verdade que esse não é um problema exclusivamente brasileiro. Especialistas no mundo todo têm o hábito de martelar seus ideários sem se preocupar em saber que benefícios eles trarão ao ensino. Há um excesso de ideologia na educação. No Brasil, a situação se agrava porque, acima de tudo, falta o básico: bons professores (…)". 

Neste ponto, penaliza os recursos humanos em Educação, pontuando que uma das causas de um ensino ruim, são nossos professores. E Reinaldo Azevedo continua, sugerindo que: "Os professores brasileiros precisam, de uma vez por todas, ser inspecionados e prestar contas de seu trabalho, como já ocorre em tantos países. A verdade é que, salvo raras exceções, no Brasil ninguém sabe o que eles estão ensinando em sala de aula." Muito interessante resgatar essa postura, não? 

Cabe aqui um parêntesis: Reinaldo Azevedo mudou sua narrativa. Se olharmos seus textos, suas participações na mídia, atualmente, podemos verificar até defesas de petistas presos, ataques ao Dr Sérgio Moro etc. De um crítico ferrenho dos governos petistas, hoje é antagonista do atual governo. Penso mesmo ser este o papel da imprensa, desde que se atenha a fatos, deixando as análises subjetivas e partidárias aos leitores. Todos nós somos livres para mudarmos de opinião.

No artigo lido por mim Reinaldo Azevedo compara nossas escolas às empresas pré-modernas, que não contavam com mecanismos eficazes para cobrar e incentivar a produtividade. Que nossas escolas contratam profissionais que ninguém mais no mercado quer, que são mal treinados e, com o agravante de não terem autoridade sobre eles. Afirma que os professores estão livres para escolher o que vão ensinar do currículo e que não há padrão, nem excelência acadêmica. Afirma, ainda, a necessidade de se investir na universidade se quiser mesmo se firmar como uma potência no cenário mundial. 

E, neste ponto, recorro ao que ocorre hoje no país: verbas para as universidades. No Uol, o referido jornalista, é do grupo que não explicita a diferença entre corte de verbas e contingenciamento das mesmas e, o mais interessante, não cita que o orçamento é herança do governo anterior Dilma/Temer e nem resvala na questão impeditiva da responsabilidade fiscal. Pelo menos nada li sobre isso, salvo maior juízo, é no mínimo desonesto. 

Ainda no artigo de 2017, Reinaldo Azevedo afirma que "os custos para manter um estudante brasileiro numa faculdade pública já figuram entre os mais altos do planeta. Por isso, é necessário encarar uma questão espinhosa: a cobrança de mensalidades de quem pode pagar por elas, como funciona em tantos países de bom ensino superior." E, indignado, ataca a esquerda brasileira que se encontrava no poder, pontuando: "Sempre me pergunto por que a esquerda brasileira quer subsidiar os mais ricos na universidade. É um contrassenso. Olhe o que aconteceria caso os estudantes de renda mais alta pagassem algo como 1000 dólares por ano às instituições públicas em que estudam. Logo de saída, o orçamento delas aumentaria na casa dos 15%. Com esse dinheiro, daria para atrair professores do mais alto nível. Quem sabe até um prêmio Nobel. O Brasil precisa, afinal, começar a se nivelar por cima." 

Como afirmei, acima, os tempos são outros, Reinaldo Azevedo nem mais ataca a esquerda. Mas os grandes problemas da escola permanecem, pois, após avaliação do Pisa, ostentamos o lugar vergonhoso atrás da Etiópia. O que sabemos da Etiópia que está à nossa frente em Educação? Buscar esses dados aumenta muito mais nossa indignação. Torna incompreensível os dados do sucesso educacional e qualidade do contexto socioeconômico e político. 

Quase 80% da PEP (População Economicamente Ativa) daquele país estão inseridos no setor primário, ou seja, na agricultura; a principal fonte de renda, correspondendo a 90% do PIB do mesmo. A Etiópia exporta café, flores, sementes oleaginosas, sorgo, feijão, cana-de-açúcar, trigo, milho, e cevada. A indústria possui pouca representatividade e estão ligadas à produção tradicional, como alimentos, têxteis e couros. 

Pasmem, a economia do país é uma das mais atrasadas do mundo. O quadro social é o retrato do atraso: 50% da população são consideradas subnutridas, com intensidade crônica. Um quadro nada diferente de outros países da região na qual está inserido o país. E assombroso, a educação de um pais com esses índices ter educação melhor que o Brasil! 

Addis Abba, a capital, tem mais de 50% de sua população vivendo em favelas e tudo é muito pior nas zonas rurais. O IDH é 0,328 (baixo); a expectativa de vida em média 58 anos; mortalidade infantil: homens: 58,5 mortes/1.000 nascimentos; mulheres: 43,4 mortes/1.000 nascimentos (2016 est.); habitantes infectados com HIV/SIDA: 730.300 (2014 est.). 

Esses dados nos fazem questionar sobre máximas do desempenho educacional e qualidade de vida. É relevante salientar que a Etiópia gasta 4,7% do PIB com Educação. A média mundial é 4,9%. É inimaginável, pouco mais de 39% da população etíope, com mais de 15 anos, é alfabetizada. 

A taxa de alfabetização é o percentual da população acima de 15 anos capaz de ler e escrever, com compreensão, um pequeno e simples texto na sua vida cotidiana. Geralmente, a alfabetização também engloba a capacidade de fazer cálculos aritméticos simples. Este indicador é calculado dividindo-se o número de pessoas alfabetizados com mais de 15 anos pelo total da população correspondente na mesma faixa etária e multiplicando, por fim, o resultado por 100. 

O Brasil investe 6% do PIB com Educação. Debruçando-nos sobre a última etapa da Educação Básica, etapa objeto da avaliação do Pisa, constatamos que mais da metade dos jovens brasileiros, entre 15 e 17 anos, nem estão na escola. Tínhamos uma taxa de evasão entre os 7,6%, em 2014 (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade). Mas, apenas a estatística não basta para entendermos o porquê do fracasso da escola brasileira. 

A despeito das reformas, os resultados das avaliações nacionais continuam surpreendendo, negativamente. 

Muitos afirmam que a evasão, nesse contexto, é menos causa que consequência dessa crise. Ela é a ponta do iceberg visível de uma série de problemas existentes há décadas, mas, sobre as quais, nenhum governo tem feito o suficiente. Após as avaliações existentes, internas e externas, ficou patente que o Ensino Médio é o maior desafio da educação brasileira. 

Apontaram como causa o currículo extenso, com disciplinas demais para um tempo exíguo, ausência de um programa de ensino técnico integrado a essa etapa escolar, baixa remuneração dos professores e, fundamentalmente, inadequação do Ensino Médio à vida, às expectativas e às necessidades dos jovens na contemporaneidade. 

Parece que a escola não mais é relevante aos jovens. Eles pertencem à uma geração imediatista, mais afeita aos valores materiais, pautando objetivos a curto prazo. Segundo a pesquisa do Seade, o currículo do Ensino Médio é um dos maiores problemas, apesar de ter sido reformado em 1998, 2012 e 2018 (Lei 13.415/17), quando houve aumento da carga horária (de 800 para mil horas) e flexibilização da matriz curricular, possibilitando itinerários formativos de acordo com as opções do estudante (conforme a BNCC).

Mudanças são propostas, entram em vigor, mas a escola continua engessada, diante da vida mutante do adolescente, pautado por valores advindos da efemeridade das redes sociais. 

A propalada integração do currículo às tecnologias educacionais, pontuada desde os PCNs, configura-se como um dos maiores entraves metodológicos da escola. Segundo pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), 84,4% dos brasileiros com idade entre 15 e 19 anos usam a internet para estudar. Outros 25,9% recorrem a tablets e celulares. Pouquíssimas escolas no país fazem uma integração real de conteúdo e tecnologia, embora 73,8% delas contem com computadores e internet. 

Esses dados demonstram a inadequação da formação docente que se abstém do uso das tecnologias da informação e comunicação no cotidiano escolar.

Este descompasso entre expectativas dos alunos e entrega da escola é forte gerador de desinteresse, mas não é o único. A ausência de uma articulação mais eficiente entre Educação Profissional e Ensino Médio que pode inserir o jovem imediatista no mercado de trabalho, também é tida como uma das razões para a evasão escolar nesta fase.

Reconhecer que nem todos, ao completar 18 anos, vão rumar para a universidade e oferecer a alternativa do aprendizado técnico, com olhar no mercado durante o Ensino Médio, pode ser um caminho para manter alunos no sistema escolar.

Os municípios, em sua maioria, não estudam o mercado de sua abrangência para oportunizar cursos que absorvam jovens para trabalhar com tempo garantido para estudar.

Outro ponto seria a ampliação e facilitação do acesso às oportunidades do Ensino a Distância. O que constatamos é que, quando um governante, gestor de seu sistema pronunciam-se sobre isso, há uma revolta barulhenta que expressa ser a elite, negligenciando ascensão social às classes menos favorecidas, usando o Ensino Médio aliado à formação técnica, ou a EAD para manter o establishment e a divisão de classes. 

E e é raro ouvir vozes consistentes da academia, ou de políticos que defendam esse olhar de formação técnica e avanços metodológicos. 

Em suma, nossa Educação mantém-se problemática, ruim, ineficiente e ineficaz, sob à ingerência política e acadêmica quanto às necessárias mudanças no país em todos segmentos. Uma questão política que não consegue evoluir. Temos uma classe política que empaca avanços eivada de ideologias do atraso. Olham para o próprio umbigo, legislam sobre o que não conhecem. Sempre há os que nada entendem de educação, os que só puseram o pé na sala de aula como alunos, palpitando sobre a escola. 

Para pensarmos a educação de forma independente, almejando a autonomia, sucesso do aluno e sua inserção na vida econômica e social, temos que nos aprofundar na história da educação e seu contexto político, nas teorias do conhecimento, nas tendências pedagógicas e, principalmente nas ideologias que permeiam as políticas públicas. 

Referências 

ARROYO, M. G. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000; 

CARVALHO, Olavo de. Breve Retrato do Brasil. Coleção: Cartas de um Terráqueo ao Planeta Brasil, V.7. Editora Vide Editorial, 2017;

DEMO, Pedro. O Porvir. Editora: Intersaberes, 2007 ;

NISKIER, Arnaldo. Educação Brasileira 500 Anos de História 1500-2000. SP: Melhoramentos, 2009;

PARO, V. A propósito do ensino profissional livre no Estado de São Paulo. Cadernos de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, n. 36, p. 27-40, fev. 1981; 

TARDIF, M.; LESSARD, C. (Org.). O ofício do professor: história, perspectivas e desafios internacionais. Petrópolis: Vozes, 2008; 

VILLELA, Elisabeth Caldeira. As interferências da contemporaneidade no trabalho docente. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.88, no 219. p. 229-241. Mai / Ago. 2007. 





STELA MARIS LEITE CARRINHO DE ARAÚJO


-Mestre em Educação- UNISAL SP;
-Licenciada em Português e Inglês -UNISAL Lorena; 
-Pedagoga; e
Supervisora de Ensino - SEESP.





Nota do Editor:
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