terça-feira, 1 de setembro de 2020

Prescrição Intercorrente em Processo Administrativo Fiscal: Mutação Jurisprudencial?


Autora: Tátia Leal(*)


Como é de grande conhecimento dos advogados que atuam na área tributária, tanto o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) como os nossos tribunais pátrios vem pacificando  o entendimento de que não é possível a aplicação da prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal em nenhuma hipótese. Porém, recentemente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou favoravelmente em um caso concreto, o que será estudado no presente artigo.

O caso concreto se trata do mandado de segurança nº 5013446-32.2019.4.03.6100, impetrado para obter provimento jurisdicional para suspender os atos impugnados na cobrança de crédito tributário do imposto de renda, sob a alegação de estar extinto diante da prescrição intercorrente ocorrido no processo administrativo.

No referido mandamus o Impetrante alega que apresentou impugnação administrativa em 08/03/2010 e recurso voluntário julgado pelo CARF em 18/03/2014, bem como entre a data final da decisão do CARF e a data em que teria sido expedida a intimação, em 10/04/2019, já teriam se passado mais de 5 anos, havendo a ocorrência da prescrição intercorrente no procedimento administrativo, por não ter cumprido o prazo legal do art. 24 da Lei nº 11.457/2007, ultrapassado o prazo do art. 1º da Lei nº 9.873/99, bem como o prazo dos arts. 173 e 174 do CTN.

Em suma, no mandado de segurança foram ressaltados três pontos de argumentação para embasar a extinção do crédito tributário:

1.  Não cumprimento do prazo de 360 dias para julgamento – art. 24 da Lei nº 11.457/2007 (art. 24.  É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte);

2.  Decurso de prazo de mais de 3 anos do art. 1º, §1º, da Lei nº 9.873/99 (§ 1º  Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso)

3.    Decurso de prazo de 5 anos dos arts. 173 e 174 do CTN:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela Lcp nº 118/2005)
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

Ao analisar o mérito do mandado de segurança, a MM. Juíza da 2ª Vara Federal de São Paulo entendeu que o Impetrante logrou êxito em demonstrar que o processo ficou parado por período superior ao previsto em lei entre a data do julgamento pelo CARF e a intimação para o pagamento e ciência do acórdão, conforme trechos que destaca-se:

"(...) Verifico que o impetrante logrou êxito em demonstrar a paralização do processo administrativo nº 19515.000204/2010-59 com a documentação juntada aos autos, na medida em que se denota que a decisão do CARF sobre o recurso voluntário teria sido publicada em 16.04.2014 (doc. id. 19857221) e que a intimação para pagamento dando ciência do mencionado acordão somente veio a ocorrer em 2019, por intermédio da intimação nº 519/2019 (doc. id. 19857219), período em que já não  mais pendia de recurso.

Com efeito, tem o presente remédio a função de coibir atos de desvio ou abuso de poder por parte de autoridade, que viole direito líquido e certo de alguém. No presente caso, a autoridade agiu fora dos ditames legais, restando caracterizada a violação do direito líquido e certo da parte impetrante, devendo ser concedida sua pretensão.

“Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da sua impetração.” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, editora Revista dos Tribunais, 15ª edição, São Paulo, 1990, p.610).

No caso, está comprovada a existência do direito alegado pela parte impetrante.

Ante o exposto, confirmo a liminar deferida e CONCEDO A SEGURANÇA, o que faço com fundamento no artigo 487, inciso II, do CPC, para, nos termos da fundamentação supra, reconhecer a prescrição intercorrente dos créditos cobrados no processo administrativo nº 19515-000.204/2010-59, devendo a autoridade impetrada se abster de adotar os procedimentos para a cobrança (inscrição em dívida ativa, CADIN e demais atos). (...)
(Processo nº 5013446-32.2019.4.03.6100, Juíza Federal Rosana Ferri, 2ª Vara Federal/SP, proferida em 12/05/2020, PJe 19/05/2020)

Ademais, o colegiado do TRF/3ª Região também julgou favoravelmente em situação análoga do citado mandado de segurança, in verbis: 

"TRIBUTÁRIO - ANULATÓRIA - IMPOSTO DE RENDA - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO: OCORRÊNCIA - APELAÇÃO PROVIDA.
1. A Lei Federal nº 9.873/99: Art. 1º. § 1º. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso".
2. A impugnação administrativa, protocolada pelo contribuinte em 4 de abril de 2002, foi levada a julgamento, apenas, na sessão de 9 de dezembro de 2008, pela Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento São Paulo II, com intimação expedida em 13 de janeiro de 2009.
3. O extrato do respectivo processo indica a ausência de movimentação entre 29 de abril de 2003 e 12 de dezembro de 2008.
4. O processo administrativo fiscal ficou paralisado por período superior a três anos. Não há informação de qualquer ato de instrução capaz de obstar o curso do prazo prescricional.
5. Verificada a prescrição intercorrente.
6. Apelação provida.
(TRF3, ApCiv 2276988 - 0014629-65.2015.4.03.6100, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, Sexta Turma, julgado em 06/06/2019, e-DJF3 Judicial 1 14/06/2019)"

Portanto, diante dos dois casos acima narrados, surge-se a seguinte dúvida: será que poderá haver uma mutação jurisprudencial quanto a aplicabilidade da prescrição intercorrente em processo administrativo fiscal?

Temos que aguardar como o Superior Tribunal de Justiça irá se comportar diante da nova e atual situação, tendo em vista que, em 2010, o Colendo Tribunal firmou entendimento acerca da temática. Porém, ocorrida uma década, e diante de inúmeras ações que se questionam a legalidade ou não da aplicação da prescrição intercorrente, o Tribunal Superior poderá rever seu antigo posicionamento.

TÁTIA M.O.LEAL OAB/DF nº 















-Advogada graduada pela Universidade da Amazônia (2008);
-Pós-graduada em “Direito e Legislação” pela Escola da Magistratura do Distrito Federal (2010); 
-Áreas de atuação:Cível,Família e Consumidor;
-Atualmente, encantada pelo Direito Tributário.

Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Obrigada pelo espaço e pelo trabalho maravilho desenvolvido aqui! Me sinto honrada em participar do seu projeto educativo.

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