quinta-feira, 24 de março de 2022

O Direito do Consumidor Peregrino


 Autor: Ellcio Dias dos Santos (*)


Peregrinar, didaticamente significa ir em romaria, andar por um caminho. Logo, no âmbito das relações de consumo, percebe-se que atualmente o consumidor, em muitas situações, passou a ser uma espécie de “peregrino” no caminho entre a loja varejista e a assistência técnica. Todavia, a grande diferença é que neste caso não há devotos e tão pouco devoção.

Em vista o fato apresentando, as tentadoras ofertas de produtos, principalmente eletrônicos, levam o consumidor às vezes a retornar, após a compra, pelo caminho do estabelecimento comercial na busca peregrina de satisfação do seu direito, ao receber um produto defeituoso.

Notadamente, a aflição já existente prossegue quando da sua chegada ao estabelecimento comercial é pronunciada a seguinte frase "não é com a gente é com a assistência técnica". Ora, o consumidor não comprou na assistência técnica, de outro lado o estabelecimento também não faz consertos! Assim, não restando uma alternativa cabe ao consumidor, nesse momento, peregrinar.

Vigente desde 1991, a Lei nº 8.078/91, o Código de Defesa do Consumidor ao fazer a regência nas relações de consumo dispõe que a substituição/trocas e retornos de produtos devem acontecer em certos casos.

Sendo assim, o art. 18 da Lei nº 8.078/91, dispõe que:

"Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço. (grifos nossos)"

Nessa senda, os artigos 18 do Código de Defesa do Consumidor - CDC dispõem que a obrigatoriedade acontece quando o produto apresenta vícios ou problemas, passando assim para o campo da responsabilidade solidária de quem vende, fornece e fabrica produtos com vícios de qualidade ou quantidade que os tornem inapropriados ao consumo ou diminuam seu valor.

 Conquanto, a realidade fática se apresentada diversa na relação fornecedor e consumidor. Diante disso, estabelecimentos comerciais, na procura incansável por clientes, bem como de sua fidelização chegam a permitir que o consumidor, ora comprador, devolva ou troque o produto, ainda que o mesmo não apresente qualquer problema. Nem sempre é assim!

Em que pese a “benevolência” do estabelecimento comercial, no processo de devolução do produto, o consumidor deve atentar aos prazos constantes artigo 26 que estabelece o período para reclamar do vício aparente do produto, quais sejam 30 dias, quando for um produto ou um serviço não durável, por exemplo, alimentos e bebidas; 90 dias, se o produto ou o serviço for durável, como eletrodomésticos. Em lojas virtuais ou fora do estabelecimento comercial o prazo é de 7 dias.

Vejamos o insculpido no artigo em epígrafe:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. (grifos nossos)


Constatado o vício, nesses prazos, o estabelecimento comercial deve receber o produto e providenciar seu conserto na assistência técnica que como dito anteriormente pode ensejar uma peregrinação. No mundo real é assim!

Nos ditames da Lei, em tese, o estabelecimento comercial receberia o produto defeituoso e encaminharia para assistência técnica. No entanto, alguém no estabelecimento profere outra frase emblemática: "se o senhor ou senhora quiser agilizar, para receber logo seu produto, podemos passar o endereço". No mundo perfeito o correto seria, receber o produto defeituoso e quando o serviço estivesse concluído, o estabelecimento comercial devolveria o produto ao consumidor. No mundo perfeito seria!

De mais a mais, por questão de justiça, ressalvas devem ser feitas quanto ao prazo ficto de devolução criado por alguns estabelecimentos. Corriqueiramente, muitos estabelecimentos criam um prazo menor que o previsto à revelia do Código de Defesa do Consumidor, por exemplo 3 dias para fazer a troca imediata.  "Já é alguma coisa!"

Em 2020 a Terceira Turma do Tribunal da Cidadania, o Superior Tribunal de Justiça - STJ, decidiu no Resp nº1.568.938 - RS (2015/0199988-7), de relatoria do eminente Ministro Moura Ribeiro que o consumidor pode devolver produto defeituoso na loja varejista e não mais em postos de assistência técnica. Naquela oportunidade, a Terceira Turma do STJ firmou o entendimento constante no julgamento do  REsp. nº 1.634.851/RJ, de relatoria da eminente Ministra NANCY ANDRIGH, que: "cabe somente ao consumidor a escolha menos onerosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter sanado o defeito do produto em 30 dias, podendo optar por levá-lo ao comerciante que o vendeu, à assistência técnica ou, ainda, diretamente ao fabricante."

Observou-se, também, que obrigação do fornecedor de encaminhar o produto a assistência técnica não está condicionada ao prazo de 72 horas após a compra. Seria o fim da peregrinação? Uma Luz no fim do túnel, ou melhor, da estrada? É o que o consumidor espera! No entanto, em sede de recurso, os autos foram recebidos no Supremo Tribunal Federal – STF, agora o mais provável é quem sabe!

Por fim o julgado deixa claro que o estabelecimento comercial, a empresa varejista como fornecedora, em consonância com o CDC, mesmo existindo assistência técnica tem a obrigação de intermediar a reparação ou substituir o produto.

A nosso sentir, avançamos algumas casas para o fim da peregrinação do consumidor.

 REFERENCIAL

 BRASIL. Lei n.º 8.078, 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 07/02/2022.

 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.568.938 - RS (2015/0199988-7). Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1974099&num_registro=201501999887&data=20200903&formato=PDF. ACesso em: 07/03/2022.

 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.634.851 - RJ (2015/0226273-9) . Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1576048&num_registro=201502262739&data=20180215&formato=PDF. Acesso em: 07/03/2022.

 Notícias. Para Terceira Turma, comerciante tem o dever de encaminhar produto defeituoso à assistência técnica. Disponível em:  https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/18092020-Para-Terceira-Turma--comerciante-tem-o-dever-de-encaminhar-produto-defeituoso-a-assistencia-tecnica.aspx .  Acesso em: 08/02/2022.

*ELCIO DIAS DOS SANTOS

-Advogado graduado pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro Oeste - UNIDESC, Luziânia/GO; 
 -Especialista em Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil pela AVM/Universidade Cândido Mendes; Graduado em Ciências com habilitação em Matemática, São Luis/MA pela Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; e
- Servidor Público Federal.
-Mora em Brasília/DF.

Nota do Editor:

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