Autora: Josane Albuquerque (*)
Até o advento da Lei nº 11.804/2008, o que acontecia com aquela gestante solteira que não possuía meios para arcar sozinha com as despesas excedentes da gestação e do parto? A resposta é simples: teria que esperar o nascimento da criança para ajuizar uma ação de alimentos cumulada com investigação de paternidade.
A situação anterior ao nascimento com vida não era levada em consideração para efeito de alimentos, sobrecarregando a gestante, pois não havia como obrigar o suposto pai a contribuir com as despesas excedentes do período gestacional e do parto.
Assim, durante muito tempo, o ordenamento jurídico pátrio quedou-se omisso quanto à obrigação alimentar devida ao nascituro, muito embora a CF/88 traga como princípio basilar a dignidade da pessoa humana, bem como a garantia do direito a vida e à saúde.
Assim, o exercício dos direitos do nascituro ficava condicionados ao seu nascimento com vida, embora os preceitos constitucionais de direito à vida e à saúde devessem satisfazer as necessidades do nascituro desde a sua concepção e não após o seu nascimento com vida.
Nesse sentido, o Código Civil de 2002, em seu art. 2º, pôs a salvo os direitos do nascituro desde a sua concepção, garantindo assim a tutela dos direitos mesmo antes do nascimento com vida.
No entanto, até 2008, não havia previsão legal de obrigação alimentar para o nascituro embora já houvesse o dever de prestar alimentos entre cônjuges, entre pais e filhos e entre parentes.
Portanto, apesar de já ser tutelado pela Ordem Jurídica pátria vigente, o nascituro ainda era carente de regulação jurídica no âmbito familiar alimentar, pois ainda não era agraciado com o direito de requerer alimentos.
É pertinente ressaltar que Pontes de Miranda, citado por Rolf Madaleno, já reconhecia que havia despesas que se destinavam a proteção do concebido e que o direito deveria reconhecê-las:
A obrigação alimentar também pode começar antes do nascimento e depois da concepção, pois antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se destinam á proteção do concebido e o direito seria inferior á vida se acaso recuasse atendimento a tais relações inter-humanas, solidamente fundadas em exigências de pediatria.[1]
Nesse sentido, mesmo diante da omissão do ordenamento jurídico, pátrio, muitas ações bateram às portas do judiciário, com base no Princípio da Dignidade Humana (CF/88), e no art. 7o e 8o do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), requerendo alimentos para o nascituro, incitando o judiciário a decidir sobre a questão, até porque parte da doutrina já se posicionava a favor do direito de alimentos do nascituro.
Finalmente, em 2003, temos a primeira decisão fixando alimentos para o nascituro oriunda do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM FAVOR DO NASCITURO. POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1. Não pairando dúvida acerca do envolvimento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia deve ser fixada tendo em vista as necessidades do alimentando, mas dentro da capacidade econômica do alimentante, isto é, focalizando tanto os seus ganhos como também os encargos que possui. Recurso provido em parte. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de instrumento nº 70006429096, Sétima Câmara Cível. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 13 ago. 2003.)
A partir desta surgiram novas decisões no mesmo sentido, em diversos Tribunais Estaduais, formando-se uma jurisprudência nacional favorável, pressionando o ordenamento a se posicionar e disciplinar a questão.
Assim, em 5 de novembro de 2008 foi promulgada a lei nº 11.804 – Chamada de Lei dos Alimentos Gravídicos, que passou a garantir uma verba suplementar no período gestacional, para cobrir as despesas adicionais do período de gestação e aquelas dela decorrentes, desde à concepção ao parto, incluindo aquelas referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares necessários, internações, parto, medicamentos e demais prescrições médicas preventivas e terapêuticas indispensáveis para garantir a vida e a saúde da gestante bem como do nascituro.
O referido dispositivo legal trata de forma clara o objetivo a ser tutelado em 12 (doze) artigos dos quais 6 (seis) foram vetados.
O art. 1º da Lei disciplinou o direito da gestante aos alimentos estabelecendo que o período abrange da concepção ao parto. O bem jurídico em questão é o desenvolvimento sadio do nascituro através de uma gestação saudável e assistida.
Já o art. 2º exemplifica quais as despesas que serão abrangidas pelos valores fixados em prestação de alimentos, não sendo, porém, uma lista taxativa, até porque o juiz possui discricionariedade para acrescentar outras despesas que ele considere pertinente ao caso concreto.
O paragrafo único do art. 2º determina o equilíbrio entre a possibilidade do suposto pai, a necessidade da gestante, levando em consideração, também, a possibilidade da própria gestante.
O art. 6º define qual o acervo probatório necessário para a decisão do juiz, bastando apresentar provas que demostrem indícios da paternidade, tais como E-mails, mensagens de WhatsApp, fotografias, testemunhas, publicações de redes sociais, etc.
O parágrafo único do art. 6o dispõe que os alimentos gravídicos serão convertidos em pensão alimentícia em favor da criança, após o seu nascimento, sem a necessidade de novo pronunciamento judicial.
O art. 7º determina que, após a citação, o réu terá 5 dias para apresentar sua contestação. O prazo é exíguo com o intuito de agilizar o processo sendo que o juiz pode desde logo impor o pagamento dos alimentos gravídicos.
Importante salientar que a ação requerendo alimentos gravídicos deve ser proposta durante a gravidez, uma vez que perde o seu objeto após o nascimento com vida da criança.
Porém, com o nascimento com vida, os alimentos gravídicos concedidos à gestante não se extinguem, são convertidos automaticamente em pensão alimentícia em favor do recém-nascido, nos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei nº 11.804/2008.
Portanto, a lei nº11.804/2208 se tornou um instrumento eficaz no combate ao abandono precoce do nascituro como também da gestante pelo pai que busca se esquivar das suas responsabilidades diante dos custos de uma gravidez, evitando que a gestante arque sozinha com os encargos.
Diante disso, o escopo da lei é proteger o mais valioso direto consagrado pela CF/88: o direito à vida do ser humano em formação, fortalecendo, assim, o melhor interesse da criança e do adolescente.
REFERÊNCIA
[1] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família, 4ª edição, Editora Forense, pág. 881/882.
*JOSANE HOEHR LANDERDAHL DE ALBUQUERQUE
-Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB (1999);
-Pós-graduada em Direito Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina;
-Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção do Distrito Federal sob o nº 16.206;
-Exercício da advocacia na Justiça Federal, Justiça Comum e Juizado Especial nas áreas de Direito Civil, especialmente em Direito de Família e Direito do Consumidor;
Idioma: inglês e
-Advogada Sócia do Escritório Freitas, Landerdahl & Advogados Associados desde a sua fundação.
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