terça-feira, 14 de maio de 2024

O Benefício Social Familiar e o Causo do Elevador


 Autor: Luciano Oliveira (*)


O brasileiro gosta de um jeitinho. Essa característica bem brasileira nem sempre dá certo, especialmente em ambientes solenes e sistematizados, como é o caso do Judiciário.

Existe até um causo de um certo homem (o típico brasileiro) que foi ao prédio onde se localizava o Fórum para pedir informação sobre o seu processo (esse tipo de pessoa comum nunca confia no que o advogado fala) e que resolveu na maior folga e tranquilidade utilizar o elevador privativo dos juízes. Em certo andar o elevador para e entra um juiz conhecido pela seriedade e sobriedade. O homem, com aquele jeitinho típico, puxou conversa com o vetusto magistrado:

­- Caro amigo, você anda sumido. Quais são as novidades?

Ao que lhe respondeu o juiz:

- A novidade é essa nossa intimidade.

Essa estória serve para demonstrar que o ambiente forense é um local de seriedade e de rigorismo. Isso decorre do fato do Direito ser uma ciência. Como todos sabem, o hábito do cachimbo deixa a boca torta.

Por ser uma ciência o Direito não convive com certos malabarismos jurídicos. Eles ainda acontecem, mas costumam ser rapidamente repelidos pelos Tribunais.

Recentemente me deparei com um desses malabarismos. Um certo sindicato resolveu cobrar do nosso cliente o pagamento do Benefício Social Familiar.

Esse sindicado promoveu uma ação de cumprimento (as petições de cobranças indevidas costumam ter dezenas de laudas), nosso cliente foi citado e apresentamos a contestação dias antes da audiência inicial.

Demonstramos na peça contestatória que a referida "taxa" (Benefício Social Familiar) tem o evidente intuito de transferir ao empregador, de forma oblíqua e ilegal, o financiamento das atividades sindicais, em substituição à contribuição sindical cujo pagamento pelo empregado, com o advento da Lei 13.467/2017, deixou de ser obrigatório e passou a depender de autorização individual prévia e expressa, haja vista a nova redação do caput do artigo 582 da CLT.

Destacamos ainda que o Colendo Tribunal Superior do Trabalho reiteradamente reforma acórdãos regionais, para assentar a ilegalidade da cobrança compulsória da referida parcela. Foram estas a jurisprudências citadas:
I- AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. "BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR". CUSTEIO POR INTERMÉDIO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL COMPULSÓRIA PAGA PELAS EMPRESAS EM FAVOR DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E LIBERDADE SINDICAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Constatando-se que o Tribunal Regional considerou válida a norma coletiva que impôs o pagamento de contribuição social compulsória, suportada pelas empresas, em favor do sindicato da categoria profissional, com vistas a financiar o pagamento de "benefício social familiar", supera-se o óbice referido em decisão monocrática para reconhecer a transcendência política do recurso de revista e viabilizar o julgamento colegiado do agravo de instrumento. Agravo conhecido e provido. II – AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVIMENTO. "BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR". CUSTEIO POR INTERMÉDIO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL COMPULSÓRIA PAGA PELAS EMPRESAS EM FAVOR DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E LIBERDADE SINDICAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Demonstrada a violação de dispositivo constitucional que guarnece a liberdade de associação sindical, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. III – RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. “BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR”. CUSTEIO POR INTERMÉDIO DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL COMPULSÓRIA PAGA PELAS EMPRESAS EM FAVOR DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA E LIBERDADE SINDICAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. No caso, discute-se a validade a previsão convencional no sentido de que cabe às empresas o custeio do “benefício social familiar”, mediante contribuição compulsoriamente paga ao sindicato da categoria profissional. 2. A jurisprudência desta Corte Superior tem se firmado no sentido de ser indevida a instituição de cláusula convencional disciplinando o custeio, mediante o pagamento de contribuição compulsória, sob qualquer título, suportada pelas empresas, em favor do sindicato da categoria profissional, por afrontar os princípios da autonomia e da livre associação sindical, conforme previstos no art. 8º, I e V, da CF. Recurso de revista conhecido e provido."
(TST - RR: 00101459220215180054, Relator: Amaury Rodrigues Pinto Junior, Data de Julgamento: 24/05/2023, 1ª Turma, Data de Publicação: 14/06/2023)
AGRAVOS DE INSTRUMENTO DO SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO NO ESTADO DE GOIÁS - SECEG E SINDICATO DO COMÉRCIO DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS - SINDIMACO. MATÉRIA COMUM. ANÁLISE CONJUNTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA ÉGIDE DA LEI N.º 13.015/2014. CONTRIBUIÇÃO PATRONAL. CUSTEIO DO B ENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INVALIDADE. Hipótese em que o TRT manteve a decisão que invalidou a cláusula normativa acerca da contribuição patronal relativa ao Benefício Social Familiar. Cinge-se a controvérsia a respeito da validade da cláusula 16.ª da CCT 2018/2020, que instituiu o Benefício Social Familiar, prevendo a contribuição do valor de R$ 22,00 (vinte e dois reais) por trabalhador das empresas em favor do sindicato profissional. A jurisprudência do TST tem entendido não ser possível que a entidade sindical institua cobrança de contribuição patronal em seu favor, ainda que para custear benefícios à categoria profissional. Precedentes. Óbice da Súmula 333/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento."
(TST - AIRR: 0010386-05.2019.5.18.0291, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 06/12/2023, 2ª Turma, Data de Publicação: 11/12/2023)
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. BENEFÍCIO SOCIAL FAMILIAR. COBRANÇA. IRREGULARIDADE. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM ENTENDIMENTO PACIFICADO DESTA CORTE SUPERIOR. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional destacou a irregularidade da cobrança social patronal não prevista em lei, razão pela qual entendeu pela nulidade das cobranças realizadas. O acórdão regional, nos moldes em que proferido, encontra-se em conformidade com a iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de considerar indevida a instituição, pelo sindicato, de parcela de custeio compulsória. Precedentes. Mantém-se a decisão recorrida. Agravo conhecido e desprovido."
(TST - Ag-AIRR: 00003883920215090664, Relator: Morgana De Almeida Richa, Data de Julgamento: 10/05/2023, 5ª Turma, Data de Publicação: 12/05/2023).

Além disso, nos termos do caput do artigo 611 da CLT, indicamos na defesa que a Convenção Coletiva de Trabalho "é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho", não servindo para a criação de taxas dessa natureza.

Ainda aludimos à Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 que, ao tratar dos princípios e diretrizes que norteiam o direito constitucional à saúde, dispôs, expressamente, que deve ser observada a autonomia da pessoa:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

(...)

III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral."
Referida disposição consagrou não apenas a liberdade individual, mas a autodeterminação bioética e a autonomia privada e existencial do cidadão nos assuntos relacionados à sua saúde.

Indicamos na contestação, por derradeiro, que a disposição legal supra é complementada pelo artigo 421 do Código Civil, o qual disciplina a liberdade de contratar, como expressão da autonomia privada:

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Resultado, o sindicato e o seu advogado não compareceram à audiência inicial e o processo foi arquivado.

Eu não sei se o sindicato e o advogado tiveram algum problema e eu não posso garantir que eles leram a contestação antes da audiência, mas gosto de pensar que eles entenderam que pegaram o elevador errado.

Em tempo: deixo aqui registrado o meu desejo pela pronta recuperação do Rio Grande do Sul e do seu bom povo gaúcho.

*LUCIANO ALMEIDA DE OLIVEIRA

















- Marido, pai e advogado, com atuação na propriedade intelectual

Nota do Editor:

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