sábado, 18 de maio de 2024

Caminho para a Escola


Autor : Luiz Eduardo Corrêa Lima (*)
 
Tenho parado para observar os meninos e meninas que possam em frente da minha casa a caminho da escola e tenho feito algumas comparações. Pois então, depois das comparações quase não me conheço mais como a criança que fui, ou então, as crianças de hoje são realmente muito diferentes das de minha época. Deste modo, tenho me sentido como um ser estranho, um verdadeiro E.T., aqui na Terra, pois tenho muita dificuldade em entender o que estou observando diariamente.

Na minha época, a caminhada: isso mesmo a caminhada, que hoje muitos nem conhecem o que é caminhar, quanto mais uma caminhada para a escola. Naquele tempo, todas ou quase todas as crianças, iam andando, isso mesmo, a pé, até à escola e era muito legal. O caminho diário para a escola consistia num momento muito alegre, interessante, diferenciado e de grande aprendizado.

A caminhada fazia parte do aprendizado. Ou seja, a aula começava no caminho de ida e terminava no caminho de volta da escola. Em certo sentido, muitas vezes esse era o momento mais diferenciado e mais importante do dia, porque durante aqueles "longos" 15 a 20 minutos (ou 30 a 40, indo e vindo), tudo, absolutamente tudo, podia acontecer e, realmente aconteciam coisas extraordinárias.

Íamos conversando, brincando, cantando, discutindo sobre as matérias, as professoras e os professores, as provas e observando e comentando sobre as coisas que apareciam pelo caminho. Os moradores das casas próximas, os veículos (carros, ônibus, bicicletas, motocicletas e até mesmo as carroças) e os acontecimentos que se sucediam. Muitas vezes, dávamos boas gargalhadas com as passagens divertidas, por exemplo, algum transeunte, de repente, caia da bicicleta ou alguém tomava uma corrida de um cachorro, e outras vezes ficávamos tristes e alguns de nós até chorávamos muito, por exemplo, quando passávamos em gente a um velório ou quando alguém era repentinamente atropelado por um carro ou um ônibus.

Outras vezes, passávamos por grandes sustos, quando alguns policiais vinham armados, correndo atrás de alguém. Enfim, eram grandes momentos com acontecimentos e aprendizados cotidianos e, o mais interessante é que, embora o caminho fosse sempre o mesmo, jamais houve dois dias iguais. Cada dia sempre acontecia alguma coisa diferente, ainda que o cenário e as pessoas envolvidas fossem, quase sempre, as mesmas.

Nós sempre estávamos de "antenas ligadas" nas coisas diferentes e que nos chamavam a atenção. Queríamos conhecer coisas novas e descobrir o mundo, além dos limites de nossa casa, de nossos parentes, amigos e vizinhos mais próximos e a caminhada até a escola nos propiciava essa possibilidade, pois nos dirigia para a única instituição, depois da nossa família que nos permitia vislumbrar um futuro melhor. Nós éramos cientes da importância da escola, mas hoje, infelizmente a escola é uma instituição sem nenhuma importância no país.

A caminhada era realmente uma aventura para todos nós, que fomos crianças naquele tempo. Lembro-me bem, seguíamos em grupos de 6 até 15 crianças. Ninguém tinha lugar certo, nem companheiro definido. Todos eram amigos e o grupo era a unidade. Às vezes um tropeçava, outro escorregava, outro deixava cair alguma coisa no chão e de vez em quando vinha uma das mães correndo atrás, porque alguém havia esquecido alguma coisa. Enfim, tudo era possível e tudo também era motivo para mais bagunça, mais diversão, mais discussões e sobretudo mais vivência e mais aprendizado. Éramos literalmente muito felizes.

Hoje, quando observo os grupos de alunos, não vejo nada semelhante àquela época. Primeiro porque os grupos são esparsos e bastante heterogêneos, não há mais unidade no grupo. Os pequenos quase nunca vão sozinhos à escola e quando vão, eles estão na frente do grupo, enquanto os maiores ficam atrás e raramente alguém fala com alguém. Ou melhor, às vezes, no meio dos maiores tem um casalzinho e outras vezes tem alguém lá no fundo, fumando um cigarrinho ou coisa parecida.

Quase todos portam o seu respectivo telefone celular e seguem a caminhada de olho, apenas e tão somente, no famigerado instrumento. Eles quase não conversam entre si. Ninguém olha para o lado, para as pessoas que passam e muito menos se preocupam em cumprimentar essas pessoas. Aliás, eles realmente não vêm as pessoas à sua volta. E sempre há, o líder do grupo, o único que às vezes fala alguma coisa, enquanto os outros apenas ouvem. Se é que realmente são capazes de ouvir.

É muito estranho e diferente da minha época. Parece muito mais com um cortejo fúnebre do que com uma plêiade de crianças a caminho da escola. Fico imaginando que todos estão guardando energia para quando chegarem dentro da escola, que, pelo que tenho ouvido à boca pequena, virou terra de ninguém e lá sim, no interior da escola, acontece de tudo, principalmente aquilo que não deveria ocorrer.

Pois então, a diferença talvez seja exatamente essa. Antes, a maioria de nós, se dirigia à escola felizes e preocupados em aprender para melhorar a nossa vida como pessoas e a vida das pessoas que de alguma maneira eram importantes para nós. É claro que havia bagunça, mas também havia respeito aos mais velhos, aos professores e às instituições. De qualquer maneira, obviamente a nossa pior bagunça não chegava nem perto das coisas que a gente vê acontecendo nas escolas, nos dias de atuais.

Não sei se tenho saudades do meu tempo ou se tenho medo dos tempos atuais. Entretanto, de uma coisa eu tenho certeza, a instituição escola já foi um lugar melhor e tudo começava na saída de casa, na caminhada e principalmente na orientação que nos era dada pelos nossos pais. Éramos todos amigos, independentemente da idade, da cor, do sexo, da religião, das posses materiais e entre nós, até podia haver algumas desavenças, mas, rapidamente, tudo se acertava e voltávamos as boas e a escola cumpria sua função.

Sempre existiram os mais capazes e os menos capazes, os mais espertos e os menos espertos, os mais inteligentes e os menos inteligentes, mas isso não conduzia a nenhuma significativa no contexto, haja vista que, todos éramos estudantes daquela escola, embora vindos de lugares e condições socioculturais diferentes. Todos nós estudávamos na mesma escola e todos, uns mais e outros menos, entendíamos a importância daquela escola para a gente estudar e aprender.

A diferença é fundamental e sabíamos conviver bem com ela, respeitando uns aos outros, porque isso nos enriquecia social e culturalmente. Tínhamos a verdadeira noção da necessidade das diferenças e isso era naturalmente adquirido por consequência de nossas experiências adquiridas na vida cotidiana. A maioria dessas experiências vinha da orientação de nossos pais, mas muitas das experiências eram desenvolvidas, ainda no caminho da escola e obviamente nas salas de aulas.

Hoje, infelizmente, o aprendizado de outras coisas, que a TV e a INTERNET mostram sem nenhuma vergonha e que muitos pais e professores tristemente apoiam, acabam sendo mais atraentes e consequentemente são entendidos como mais interessantes e importantes que a escola. Os jovens são levados pela mídia a viverem e "compreenderem" o mundo sobre a ótica ilusória da comunicação de massa e no interesse dos grandes grupos que detêm ao controle midiático.

Lamentavelmente, desta maneira, esses jovens acabam sendo manobrados e dirigidos para onde os donos da mídia querem. O pior de tudo é que a grande maioria dos governos, em todas as três esferas do poder, têm apoiado essa situação absurda, haja vista que não fazem nada para coibir ou tentar modificar esta situação infame.

Assim, a escola, que já foi o grande centro sociocultural das comunidades, perdeu e segue perdendo, cada vez mais, o seu brilho, o seu prestígio e sobretudo a sua capacidade de motivar o jovem para crescer individualmente e atuar na construção de um mundo melhor. É terrível admitir, mas a verdade é que em muitas condições e em muitos lugares, as escolas e os professores já viraram simples motivos de chacotas.

Hoje os valores são outros e muita gente vai a escola apenas porque a lei manda e os Conselhos Tutelares fiscalizam e exigem o seu cumprimento, ou porque a mãe ganha bolsa família, ou porque os pais não querem filhos em casa enchendo o saco deles. Enfim, são várias as justificativas, injustificáveis e os motivos fúteis que podem ser considerados para ampliar progressivamente a falência da escola como instituição.

É tudo muito triste e difícil. Não sei onde isso vai parar, mas, a continuar assim, prevejo que certamente o fim será bastante desagradável. E observem que eu nem me ative à qualidade das aulas e nem das atividade didáticas e pedagógicas, que são os fundamentos funcionais das escolas como instituições de ensino, onde certamente a situação brasileira está pior ainda, haja vista os resultados obtidos pelo país nas avaliações internacionais.

O caminho para escola já foi muito melhor, porque naquela época nós, os estudantes, direta ou indiretamente, sabíamos que a escola não era apenas o caminho certo, mas era, com toda certeza, o único caminho para melhorarmos a qualidade das nossas vidas. Atualmente os alunos estão sem rumo e seguem patinando em direção ao nada e sem nenhuma perspectiva de melhora na sua condição de ser humano, que deveria pensar e que agir em prol da melhoria dos valores da humanidade e da sua própria qualidade de vida.

Entretanto, apesar de tanta coisa ruim, podem acreditar, que certamente tudo pode ser melhor, que para toda essa incoerência ainda existe solução e que esta solução encontra-se logo ali na frente. A solução começa no caminho para a escola e na certeza de que é na escola, depois da orientação da família, que se encontra aquela palavra mágica de oito letras, que é a EDUCAÇÃO e que pode transformar tudo para melhor.

*LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA






Biólogo (Zoólogo);
Professor;
Pesquisador;
 Escritor;
Revisor; e 
Ambientalista





Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Parabéns meu amigo, pela excelente crônica!
    Espero que sirva da alerta para a sociedade contemporânea e, principalmente aos políticos que regem o destino do nosso Brasil

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