Autora: Mônica Falcão Pessoa (*)
Ao longo dos últimos anos, percebemos uma mudança negativa na saúde mental de crianças e adolescentes da denominada Geração Z (crianças nascidas depois de 1995), caracterizada por excesso de casos de ansiedade e de depressão. No princípio, achava-se que esse tipo de transtorno havia sido gerado pelo isolamento que tivemos que passar durante a pandemia de COVID-19, em que tivemos que ficar isolados em casa por mais ou menos dois anos.
De acordo com pesquisas recentes, e aqui vou me basear no recém-traduzido livro de Jonathan Haidt, A geração ansiosa, verificou-se que transtornos psicológicos como ansiedade e depressão surgiram a partir de outro fatores, como o uso de celulares. O uso do celular em si não foi o problema, pois ele é um excelente meio de comunicação que facilita a vida de todas as pessoas. O problema começou a se intensificar quando da evolução desses aparelhos, mais especificamente quando ganharam câmeras, e principalmente a reversa, que possibilitou que tirássemos as selfies, fotografias de nós mesmos, com facilidade, precisão e qualidade. Associado a isso, veio a intensificação do uso de redes sociais.
Haidt, para provocar uma reflexão sobre o assunto, sugere que imaginemos nossos filhos pedindo a nós para darmos a permissão para fazerem sozinhos uma viagem a Marte. Você descobre que se inscreveram, sem sua autorização, em uma missão que desconhecíamos. Ponderando sobre os riscos dessa viagem, gravidade mais baixa, radiação, presença de partículas nocivas, risco de aumento de câncer, entre outras coisas, não daríamos a autorização a nossos filhos em hipótese alguma! Não mandaríamos nossos filhos a um mundo desconhecido sabendo que haveria riscos sérios ao desenvolvimento deles. Então por que permitimos que nossos filhos entrassem no mundo da internet, mundo tão desconhecido para nós quanto Marte?
Na década de 1980, e nas décadas anteriores, a infância era baseada no brincar. As crianças brincavam nas ruas sem serem supervisionadas, e com isso aprendiam coisas muito importantes, como conviver em grupo, negociar, solucionar conflitos, a ter independência, e o principal, suas vidas transcorriam em um mundo real.
As mudanças na sociedade fizeram com que ambos os pais precisassem trabalhar fora de casa, e com o aumento da insegurança nas ruas, essa independência foi acabando, pois, para proteger os filhos, muitos pais acabaram não permitindo mais que eles brincassem na rua. O resultado disso foi o de crianças isoladas, vidradas em frente à televisão.
Com a evolução dos smartphones, as crianças saíram da frente da TV, mas entraram sem proteção nenhuma no mundo virtual. De acordo com Haidt, "as crianças nascidas no fim dos anos 1990 foram a primeira geração na história a passar pela puberdade no mundo virtual" (2024, p. 58). As pesquisas do autor mostram que entre os anos 2010 e 2015 houve um aumento muito grande no índice de ansiedade e depressão entre crianças e adolescentes nos países conectados à internet. Esses foram os anos em que houve a transformação dos celulares em smartphones, ou seja, aparelhos que permitiram com que as pessoas estivessem conectadas o tempo todo à internet.
Os jovens passaram a ficar conectados 24 horas por dia, entrando em redes sociais, jogando e acessando conteúdos variados, inclusive impróprios para suas idades. As redes sociais fizeram com que se criassem modelos perfeitos, impossíveis de serem seguidos na realidade. Isso trouxe insegurança de suas próprias imagens, o que provoca ansiedade e depressão. Quando os jovens brincavam na rua, sentiam-se pertencentes a um grupo real, o que é muito positivo para criar uma imagem positiva de si mesmos; agora, o grupo é virtual, enorme, exigente, pronto para cancelar qualquer um. Esse estado de alerta ininterrupto sobre o que se posta, gera medo e muita ansiedade. É muito mais fácil agora que os adolescentes não se sintam adequados, o que acaba fazendo com que criem uma imagem negativa de si mesmos. Isso, como a pesquisa mostra, gera muita ansiedade e depressão.
Os problemas nas escolas também aumentaram. Os alunos agora têm necessidade de estar sempre conectados, inclusive durante as aulas. As mensagens "pipocam" o tempo todo na tela, o que faz com que dispersem a atenção e percam o foco a todo momento. O resultado disso é falta de concentração, dificuldade em leitura e interpretação de textos um pouco mais longos e falta de interesse nos conteúdos ensinados, pois exigem um esforço mental a que não estão mais acostumados.
Escolas do mundo inteiro estão empenhadas em reverter esse quadro funesto antes que os prejuízos sejam irreversíveis. As ações que mais têm surtido efeito são a proibição dos celulares no ambiente escolar (inclusive nos intervalos), e orientação aos pais e alunos. Não adianta a escola agir se os pais não se mantiverem firmes quando seus filhos estiverem em casa.
Haidt sugere as seguintes reformas para que se possa fornecer uma base para uma infância mais saudável:
1. Nada de smartphone antes do nono ano (apenas celulares básicos com aplicativos limitados e sem internet);2. Nada de redes sociais antes dos 16 anos (esse é um período importante para o desenvolvimento cerebral dos jovens e é um período em que são vulneráveis a influenciadores);3. Nada de celular na escola (os celulares devem permanecer trancados durante o período das aulas para que os alunos possam ter a atenção disponível para se concentrar nos colegas e professores); e4. Muito mais brincar não supervisionado e independência na infância. É assim que as crianças desenvolvem naturalmente habilidades sociais, superam a ansiedade e se tornam jovens adultos autônomos.
Todas essas medidas só funcionarão se os pais e as escolas trabalharem juntos, pois, afinal, quem vai deixar que seu filho faça uma viagem sem volta a Marte?
REFERÊNCIA
HAIDT, Jonathan. A geração ansiosa. Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. São Paulo: Companhia das Letras, 2024.
*MÔNICA FALCÃO PESSOA
-Formada em Letras (Português-Inglês) pela Universidade Mackenzie (1986);
-Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (1996);
-Professora de Português Instrumental Jurídico na Faculdade Zumbo dos Palmares;
-Professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação no Externato José Bonifácio;
-Professora voluntária de Filosofia no Cursinho Carolina Maria de Jesus, projeto do Instituto Federal de São Paulo; e
-Revisora de textos; Incentivadora da leitura como método de transformação de vidas.
Nota do Editor:
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👏👏👏👏texto perfeito que deveria ser circulado em todas as escolas. Parabéns pela excelente compilação
ResponderExcluirObrigada!
ExcluirÓtimo texto! De grande importância nos tempos de hoje principalmente para pais e educadores!
ResponderExcluirObrigada!
ExcluirTexto maravilhoso .Parabéns Mônica!!
ResponderExcluirTexto maravilhoso!.Parabéns Mónica!!
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