Não quero ler jornais. Em meu último dia de férias acordei tarde, alimentei os cachorros e voltei ao casulo seguro do quarto para agarrar cada minuto do meu ócio.
Amanhã começa a correria que me consome tanto tempo e energia, um ritmo que todos parecem achar normal. Mesmo que não sobre um minuto para pensar, se olhar no espelho, meditar, corrigir caminhos, ou talvez, exatamente por isso.
Mergulharei no mundo das projeções, das pessoas que olham sem ver, por não conseguir enxergar a si mesmas; do medo que transforma muitos em predadores sem alma ou escrúpulos; dos vampiros emocionais.
Olhando para esse ambiente que deixei por 30 dias, me pergunto se sempre foi assim selvagem e assustador abrir a porta e ganhar a estrada. Será que me tornei covarde aos 58 anos? Mudei tanto, sem perceber?
Sinto vontade de dormir, sonhar com épocas mais gentis e suaves, em que acreditar que tudo daria certo era de lei.
Em minhas memórias era descomplicado viver. Apesar de haver crescido em plena ditadura militar, minha cabeça era livre; o inimigo, definido; a situação, clara. Os jornais não eram cooptados de maneira tão vergonhosa; páginas com colunas em branco, ou receitas de bolo, deixavam evidente a intervenção da censura. A “guerra” não era insidiosa, como a que vivemos há treze anos.
Meu mundo parece mais selvagem e assustador, o esgarçamento moral que tomou conta da administração central há mais de dez anos, parece haver contaminado a todos. Estamos mais agressivos, menos inteligentes, mais inescrupulosos, menos solidários.
Em tempos de crise e desemprego, os fins justificam os meios e dá medo abrir a porta, mesmo que seja uma fresta, para ver se o tempo melhorou, se o sol voltou a brilhar.
Amanhã arriscarei uma espiada. Quem sabe alguma coisa mudou? Talvez o dia amanheça transformado, mais pessoas realmente acordem e percebam que é impossível manter o curso atual.
Pode ser que esta noite, enquanto durmo distraída, homens e mulheres sonhem com um país melhor, em que todos lutem ombro a ombro por condições mais justas de vida para todos, sem privilégios nem corrupção. Um Brasil em que não haja um estupro a cada 11 minutos e 4,5 mil crianças – até agora – tenham seu futuro ceifado pela microcefalia e a incompetência do governo.
Amanhã irei à luta, por esse país igualitário, que é direito nosso, mesmo que anos de lavagem cerebral ideológica barata tenham nos feito esquecer disso.
Amanhã. Hoje estou de férias. Vou esticar o último dia até o limite. Ver o filme que programei e esqueci, acabar de ler o último capítulo do livro que estou enrolando, passear no jardim e curtir a visita de Tony e Isadora, que devem estar chegando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário