Acabo de fazer 59 anos e levei um susto quando fui convidada para a coluna da Melhor Idade. Minha primeira reação foi olhar para o lado, é comigo? A segunda, claro, foi recusar.
Sou reagente, portanto implico solenemente com o termo Melhor Idade, que parece estar me desafiando ao debate, tentando fazer a minha cabeça ou me vender um flat em condomínio de aposentados em Miami. Quem disse que é a melhor? Para quem? Vendedores de seguros de saúde? Ortopedistas? Vendedores de andador? Por que é melhor aos 60 do que aos 50? Será ainda mais fantástica aos 70? E lá vou eu...
Depois de assegurada a minha liberdade de escrever o que quisesse, resolvi aceitar, ainda sem saber muito bem que aspecto palpitante dessa nova fase abordaria em minha estreia. E foi indecisa que embarquei para São Paulo, rumo a um curso de um dia de marketing político digital, e na saída do aeroporto peguei um táxi.
Não prestei muita atenção no motorista logo no início, mas a seleção musical do homem era impossível de ignorar. Começou com Invisible Touch, do Genesis, e logo acompanhava com os pés, sem perceber o que estava fazendo. Engatou em Stairway to Heaven, do Led Zeppelin, e cantei sem som, aproveitando para dar uma olhada no taxista - deu para perceber que a idade dele era bem melhor do que a minha, pelas rugas do pescoço e os cabelos totalmente brancos. Quando Pink Floyd entrou com Money, já berrávamos os dois como amigos de colégio, ou da década de 70. Cheguei ao hotel em que assisti ao curso ao som de Dust in the Wind e, enquanto pagava a corrida, meu mais novo amigo comentou:É isso o que todos somos, não? Poeira ao vento. Verdade.
Na volta para casa, já tarde da noite, no aeroporto de Brasília, quis o acaso inexistente que eu pegasse outro motorista mais ou menos da mesma idade do primeiro. Desta vez não houve música, estávamos ambos naquele cansaço que bate depois de um dia de trabalho.
Quando entramos em meu bairro ele começou a conversar, com a voz suave. Contou que também morava ali, há 25 anos, era economista, havia trabalhado durante 30 para um organismo internacional, se aposentado e, agora, cuidava de um sogro com Alzheimer em casa, por não confiar nas instituições existentes na cidade. A barra doméstica era tão pesada que havia decidido comprar um táxi, para escândalo familiar, e rodava pela cidade fora dos horários em que o sogro precisava dele. A nova profissão era uma terapia e diversão, que tornava menos doloroso o contato com o doente.
A lembrança desses dois homens me acompanhou durante vários dias. Sempre que eu pensava na crônica, eles vinham me lembrar o quanto somos diferentes em nossas semelhanças e de quantas maneiras podemos chegar à velhice, porque é disso que se trata aqui.
Não há melhor ou pior idade, existem idades, ponto. Em uma sociedade que pasteurizou tanto os processos naturais da vida que hoje morre em segredo, em quartos de hospitais ou UTIs, é velada às pressas, e precisa ser convencida a envelhecer com o aceno de que entrará na Melhor Idade.
Será mesmo? Ou todas as fases são uma mesma vida a ser vivida plenamente, se reinventando, como o economista que dirige um táxi pelas ruas de Brasília, porque não gostou de se aposentar; ou o de São Paulo, que dirige livre pelas ruas e encanta seus passageiros com rock da década de 70; ou eu mesma, que perto dos sessenta ainda tenho espaço em meu disco rígido mental para aprender marketing político digital?
Um dos ensinamentos do Buda que mais me encanta é o que diz: Não viva no passado, não sonhe com o futuro, concentre a mente no momento presente.
E ele vale para qualquer idade em que você esteja, porque a melhor é sempre aquela que se vive agora.
Por BEATRIZ RAMOS
- Publicitária
- Trabalha com mídias sociais
Maravilhosa crônica. Que real percepção da vida e do que fazemos da nossa vida. Obrigada Beatriz RAMOS por esse momento de reflexão e consciência.
ResponderExcluirUfa! Obrigada a você, mesmo anônimo,eu já ia marcar uma sessão extra de terapia para me recuperar da rejeição de não ter conseguido sequer um comentário.
ExcluirO envelhecer e a morte, como consequência, não fazem parte do pensamento ocidental e eu já sabia que não seria muito bem recebida, mas não esperava o gelo. Você salvou meu dia, obrigada.
Aqui estou eu, para desencanto desse terapeuta que, se depender de mim, não ganhará honorários às suas custas. Sua lucidez e discernimento para encarar a vida e suas idades, com a sabedoria que as palavras desse texto revelam, merecem meu aplauso. Faço coro para acompanhar o anônimo: obrigada, Beatriz Ramos. Seja feliz nas próximas idades. Um grande abraço. (Se meu comentário aparecer como anônimo, este é o meu e-mail: doracostalopes@gmail.com)
ResponderExcluirObrigada pelo carinho e por deixar seu nome, Dora, que sejamos todos felizes, em todas as fases de nossas vidas.
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