quarta-feira, 12 de abril de 2017

A Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor



Há momentos em que o consumidor precisa comunicar ao seu fornecedor o cancelamento do contrato ou a insatisfação com a prestação de serviços ou ainda o defeito no produto. E não raras são as vezes em que o consumidor espera longo tempo para ser atendido, e que mesmo assim não tem seu problema resolvido. Atendimento péssimo via telefone e filas enormes nos estabelecimentos são algumas causas de o consumidor perder o tempo disponível do seu dia, que poderia ser destinado ao lazer, ao convívio da família ou até em outra atividade, para solucionar questões decorrentes da culpa exclusiva do fornecedor nas relações de consumo. 

Todos concordarão de que o tempo está curto para as atividades diárias. Os compromissos cotidianos acarretam a certeza de que 24 horas de um dia são insuficientes. E ainda o fornecedor fazer o consumidor perder tempo desarrazoadamente em busca de solução para seu incômodo é um abuso praticado que deve ser veemente combatido.

Diante do crescimento do descaso no atendimento do consumidor, a Teoria do Desvio Produtivo ganha cada dia mais destaque. Segundo o advogado criador da tese, Marcos Dessaune, “o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável” (DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado.. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011).

Assim, a pretensão indenizatória se legitima pelo desgaste e significativo tempo despendido pelo consumidor na tentativa de solução extrajudicial de seu problema. Na maioria das vezes chega a ser necessário ajuizar uma ação em face do fornecedor, diante de sua inércia, a fim de que tudo seja resolvido.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já reconheceu, em seus julgados, o direito do consumidor a indenização de ordem moral, devido à aplicação da Teoria do Desvio Produtivo (Apelação Cível 1.0035.14.008445-6/001, Relator(a): Des.(a) Evangelina Castilho Duarte , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/01/2017, publicação da súmula em 03/02/2017 - Apelação Cível 1.0702.13.026321-4/001, Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/01/2016, publicação da súmula em 05/02/2016). 

Mas para que haja direito à indenização pela Teoria do Desvio Produtivo, o consumidor deve passar por uma situação de perda injusta e intolerável do tempo, em que é visível a desídia e o desrespeito do fornecedor ao seu cliente.

Como Rene Edney Loureiro e Héctor Valverde Santana apontam:“Percebe-se que a conduta do fornecedor que subtrai, malfere e atrapalha injustamente o tempo livre do consumidor atinge frontalmente o direito à liberdade, a integridade psíquica, direito à paz, à tranquilidade, à prestação adequada dos serviços contratados, enfim, a uma série de direitos intimamente relacionados à dignidade humana. É notório e indubitável, conforme as regras da experiência comum, que toda preocupação, ansiedade e irritabilidade exerce sobre o organismo um efeito funesto” (Loureiro, Rene Edney Soares • Santana, Héctor Valverde. Revista de Direito do Consumidor. Dano moral e responsabilidade objetiva dos fornecedor pela perda do tempo produtivo do consumidor. São Paulo.RT.2016).

Em verdade, o que não se pode mais admitir é que situações de usurpação do tempo livre do consumidor sejam repetidas, todos os dias, em nossa sociedade. Isso tudo porque, esta agressão silenciosa e invisível dos fornecedores ao tempo livre asfixia, aos poucos, a liberdade que o consumidor possui de destinar o tempo para o que deseja viver. E é exatamente esta liberdade que a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor anseia proteger.





O transporte aéreo viabilizou a locomoção entre as mais variadas regiões, contribuindo para a redução das grandezas distância-tempo. Fruto do avanço tecnológico, o transporte aéreo é peça fundamental da globalização, integrando o quadro das relações de massa, seja pela sua difusão, seja pela sua relevância econômica. O transporte aéreo é, portanto, um serviço essencial aos brasileiros, diante de sua elevada utilização, principalmente em regiões remotas do Brasil.

Contudo, percebe-se o descaso e a má qualidade na prestação do serviço pelas concessionárias públicas de transporte aéreo, que fazem os cidadão serem  vítimas de práticas abusivas , ineficientes  e inadequadas ao fim contratado.

Ao  julgar o REsp 1.469.087, a 2ª Turma do STJ decidiu, a partir do voto do Ministro Humberto Martins, sobre a essencialidade do transporte aéreo e o direito do consumidor por voo cancelado.

O colegiado decidiu que  as concessionárias de transporte aéreo são fornecedoras no mercado de consumo, por se enquadrarem no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor(CDC), e desta forma são responsáveis, operacional e legalmente, pela adequada manutenção do serviço público que foi concedido, não devendo se furtar à obrigação contratual que assumiu quando celebrou o contrato de concessão com o Poder Público, nem à obrigação contratual que assume rotineiramente com os consumidores.

E a novidade vem ao estabelecer que o transporte aéreo é um serviço essencial, devendo ser fornecido de forma adequada, segura e contínua, conforme art. 22 do CDC.

Desta forma, as empresas concessionárias aéreas devem prestar de forma contínua os voos marcados, sob pena de praticar conduta abusiva, passível de reparação por danos advindos do descumprimento total ou parcial(parágrafo único do art. 22). 

O  cancelamento de voo sem razões técnicas ou de segurança, como também a ausência de informação ao consumidor é prática abusiva, mesmo que o cancelamento esteja autorizado pela ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil. Isto porque a concessionária de transporte aéreo também está vinculada às normas do CDC, respondendo então pela descontinuidade na prestação de serviço público essencial.

Ora, se a ANAC concedeu malha aérea à concessionária, deve esta cumprir com as suas obrigações de transporte aéreo, sob pena de frustrar os interesses e os direitos não apenas dos consumidores concretamente lesados, mas de toda a coletividade.

Não se pode deixar que a prestação de serviços públicos seja realizada somente para fins econômicos, mas deve esta ser prestada independentemente da demanda do voo, já que o transporte aéreo é classificado como essencial na atualidade.

À luz do exposto, percebe-se que o transporte deve ser prestado de forma contínua, ante a essencialidade do serviço, podendo os voos apenas serem cancelados por razões técnicas ou de segurança e ainda mediante informação escrita e justificada ao consumidor, sob pena de as empresas áreas serem compelidas a cumprirem o serviço e de repararem os danos causados, na forma prevista no Código de Defesa do Consumidor.

POR TÁVIA LORENZO MOTA











-Graduada pela Faculdade Três Pontas -Grupo Unis 
-Advogada de ReisMattos Advocacia

Nota do Editor:


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