A forma como percebemos as coisas é o resultado de fatores objetivos e subjetivos, ou seja, nossos órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, boca...) captam os estímulos advindos do ambiente e, a partir daí, nosso cérebro, utilizando a atenção, a memória, aspectos de nossa personalidade, incluindo nosso humor no momento, vai dar significado ao que vemos, ouvimos e sentimos. É por isso que muitas vezes divergimos das pessoas sobre a forma de descrever um acontecimento, a cor de algo (azul marinho ou preto?) e tantas outras coisas, justamente porque nossas experiências passadas e como estamos nos sentindo no momento, afetam, e muito, o modo como vemos as coisas (MARTIN, 1991).
É só reparar como um dia vestimos uma roupa e nos sentimos ótimos e, tempos depois, ao usarmos a mesma roupa, nos sentimos péssimos. Será que algo realmente mudou em nós e nos tornou mais feios, ou será que da primeira vez que vestimos a roupa estávamos mais felizes e satisfeitos com a vida do que na segunda?. Assim como podemos descontar nossas insatisfações nas outras pessoas, na comida, nas drogas e em tantas outras coisas, também podemos fazer isso com nosso corpo, e essa pode ser uma das origens da distorção da imagem corporal (CUNHA et al, 2002).
Existem muitas definições do conceito de imagem corporal, Krueger (1990), por exemplo, diz que ele pode ser definido como a visão do nosso corpo que produzimos em nossa mente, ou seja, a representação mental do corpo. A imagem corporal começa a ser construída imediatamente após o nascimento, por meio das sensações de frio, calor, dor; através da manipulação dos cuidadores no corpo da criança, passando pela percepção dela das partes de seu corpo que são necessárias para executar cada ação. O espelho é muito importante para dar à criança a percepção de que seu corpo é um todo e não várias partes fragmentadas (TAVARES, 2003).
Portanto, o início da construção da imagem corporal está muito ligado ao desenvolvimento de processos neurológicos e motores, que conforme ocorre, faz com que a criança perceba que seu corpo ocupa um lugar no espaço e que é através dele que ela vai se relacionar consigo mesma e com o mundo. Aos cinco anos de idade, quando o pensamento e a linguagem já estão mais elaborados, a criança já é capaz de comparar sua altura com a de seus pares, começa a associar e distinguir aparências, como cor de pele, bonito e feio, por exemplo e passa a se ver como alta ou baixa, feia ou bonita, de acordo com a forma como as pessoas se referem a ela. É a partir dessa época que interações com outras pessoas e a aprendizagem de valores culturais e familiares vão afetar positiva ou negativamente a forma como nos vemos para o resto de nossas vidas (TAVARES, 2003).
Quando vivemos essas experiências iniciais em uma família na qual as pessoas se preocupam muito com aparência e peso, e, posteriormente, na escola, vivemos ou vemos outras pessoas viverem experiências nas quais são discriminadas por suas características físicas, e ainda somos bombardeados por mensagens da mídia, exigindo que tenhamos corpos perfeitos e condicionando isso ao sucesso, somos fortes candidatos a construirmos imagens de nossos corpos destorcidas ou negativas. Se, somado a tudo isso, somos perfeccionistas e temos pensamentos rígidos do tipo tudo ou nada, podemos associar que nosso valor como pessoas está associado a sermos magros, passamos a ficar obcecados com a forma corporal, a vida passa a girar em torno disso e adquirimos um medo intenso de engordar, isso é sinal de que estamos doentes (THOMPSON, 1992).
Nossa imagem corporal está seriamente distorcida: não importa a quantidade de dieta, exercícios, cirurgias plásticas que façamos, não importa se não comemos praticamente nada, nunca será suficiente, pois quando nos olharmos no espelho o que vamos ver não será nosso reflexo exato, e sim um corpo que não se encaixa nos padrões, que está sempre maior do que deveria ser. Isso porque a imagem corporal tem uma dimensão objetiva, que se refere a como nosso corpo realmente está, outra dimensão subjetiva, que é o que gera a distorção, pois se sobrepõe à objetiva, que fala de como sentimos que nosso corpo está, e a última comportamental, ou seja, o que fazemos para nos sentirmos melhores com nossos corpos e, portanto, com nós mesmos (KALIN, et al., 2004).
Assim, começamos uma busca pelo impossível, pois não somos guiados por estímulos objetivos: nosso corpo não está ruim de fato, aliás, ele nem é o problema real. A questão é que vivemos em uma sociedade tão cheia de padrões e regras que aprendemos facilmente a nos sentirmos inadequados e assim, passamos a ver o que sentimos e a nos comportar como se tivéssemos que nos consertarmos para merecermos a felicidade, então, alguns de nós se isolam, outros não saem da academia, outros induzem o vômito, outros ainda, fazem dietas ou cirurgias intermináveis, alguns deixam de comer, entram em depressão, adoecem seriamente com anorexia e bulimia, e tantos não acabam perdendo suas vidas, seja porque morrem ou porque essa busca pelo impossível destrói tudo (WEBSTER, et al. 2003).
O que mantém essa busca pelo impossível, é a sensação de alívio, de prazer, de controle, de poder que as pessoas que se engajam nesses comportamentos sentem quando conseguem controlar o que comem, ficar sem comer ou se submeter a várias horas de exercício, pois fazer isso traz a sensação de que, finalmente, tudo está certo em seus corpos e em suas vidas (THOMPSON, 1992)
Mas, essa sensações não são reais, assim como não é verdade que o corpo que temos representa nossa identidade. Não é verdade que nosso valor depende de sermos magros. Não é verdade que nossa aparência diz o que teremos ou não na vida. Nosso corpo é uma parte do todo que nos forma. Não é ele que nos limita, somos nós mesmos. Não acredite nas fotos retocadas das revistas, nos posts sempre felizes do Instagram e do facebook. Não se iluda, pois por trás de tudo aquilo, existem pessoas reais, como eu e você. Não existe perfeição, exatidão, como as coisas deveriam ser, pois elas apenas são como são, e nosso desafio é aceitar e lidar com isso da melhor forma possível. Não busque o impossível, e lembre-se sempre que as aparências enganam.
REFERÊNCIAS:
Cunha, D. W., Drozdek, S., Feller, E. L. B., Gonçalves, F. L., Simões, E. A. Q. & Raboni, M. R. Sentimento de inadequação na percepção do próprio corpo. Psychê, 7 (2), 1-56, 2002;
Kalin, M., Morrison, A., & Morrison, T. G. Body-image evaluation and body-image investment among adolescents: A test of sociocultural and social comparison theories. Adolescence, 39, 571-592, 2004;
Krueger, D.W. Developmental and Psychodynamic Perspectives on Body Image change, 1990;
Martin, J.H. Coding and Processing of Sensory Information. In: KANDEL, E.R; Schwartz, J.H; JESSEL, T.M. Principles of Neural Science. 30 ed. Rio de Janeiro. Appleton & Lange, p.329-340., 1991;
Tavares, M.C.G.C.F. Imagem corporal: conceito e desenvolvimento. Barueri, SP. Manole, 2003;
Thompson, J.K. Body image: extent of disturbance, associated features, theoretical models, assessment methodologies, intervention strategies, and a proposal for a new DSM diagnostic category--body image disorder. Prog. Behav. Modif. , v. 28, p. 3-54, 1992; e
Webster, J. & Tiggemann, M. The relationship between women’s body satisfaction and self-image across the life span: The role of cognitive control. Journal of Genetic Psychology, 164, 241-252, 2003.
POR RENATA PEREIRA
-Psicóloga formada pela Universidade Prebsteriana Mackenzie;
-Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;e
Atende adolescentes e adultos em psicoterapia individual e em grupo.
CONTATOS:
Email: renatapereira548@gmail.com
Twitter:@Repereira548
NOTA DO EDITOR :
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.
Muito bom. Excelente aprendizado, clareia em nós a percepção de nossas entendimento.
ResponderExcluirCaríssima, olhamos no espelho e não vemos o nosso interior, penso que os fatores objetivos e subjetivos que alinham nossa visão de nosso corpo é exatamente a parte onde diz que quem dita as regras de moda e comportamento falseiam e falsificam os espelhados.
ResponderExcluirInfelizmente fomos doutrinados a buscarmos o impossível, e em muitos casos o possível nos parece desfocado de nossos olhos e ouvidos. Nossa mente tem sensações controlados por mídias e por modismos; acredite, o espelho não mente, mas nossa mente, sim...