― Para Karol ―
Talvez já tenha caminhado por uns 20 minutos, pois estou passando pela entrada da Querência e vendo as duas jangadas do Beto, encalhadas, protegidas do iminente fogaréu do sol em suas coberturas de palhas de coqueiro.
Ainda há pouco deixei a cama e a Karol, vesti um velho calça de banho que me lembrou Vinicius e Toquinho. E, com a canção deles “Tarde em Itapuã” na cabeça, me lancei pelo dia recém despontado, com sua luz morna, sua praia sonolenta, suas areias ainda úmidas das espumas, e seus carinhos.
Ao avançar mais alguns minutos, não sei bem o porquê, me recordei do aviso deixado pelo Raphael, lá no whatsapp, sobre a data limite da entrega do texto para publicação. Aí, senti uma inveja medonha de sua dedicação, sua entrega total, com corpo e alma ao seu tão esmerado Blog.
É quando, então, procuro passar uma leve esponja nesta momentânea preocupação, e volto a observar a tela da aquarela que esta manhã está dando sequência às pinceladas das suas irmãs, gêmeas, paridas por dias anteriores.
À minha esquerda, a serenidade do mar acolhe onze jangadas. Contei-as, todas, uma a uma. Estas aqui, as mais próximas, ainda se refazem das ameaças da ressaca das ondas tenebrosas, espumantes, barulhentas. Aquelas acolá, longínquas, de tão distantes assemelham-se a minúsculos pontos enxovalhando, como numa costura, a linha fina do horizonte. E tem essas outras, um grupo no meio do mar. Suas velas já amaneiraram-se, e os jangadeiros nela já relaxaram os músculos, e compassaram as batidas de seus corações, e se puseram a pensar em seus recém deixados casebres, simples como suas vidas, e se esperançaram no recolhimento e colheita das redes, quiçá farta, quiçá pesadas de tantos peixes bons.
E eu?... Tal qual as outras caminhadas de todo santo dia, eu sigo em frente, esquecido dos pescadores, de suas lidas, dos seus encantos e desencantos.
Concebo ter vencido uns três mil metros, me sugere o recorte opaco das barracas de Capelinha das Ostras, bem como do seu coqueiral. Essa aquarela, ainda que carente, pela distância, de cores fixas e nítidas, me deixam lembrar as pinceladas fortes de outrora, de um ontem palpitante, recorrente sempre.
Ah!... Eu me muito recordo bem. E como me recordo!... A Bia deitava os filés de bonito na frigideira, como um pároco que dá as hóstias consagradas aos fiéis, era voz corrente entre os também fiéis frequentadores da não menos consagrada Barraca da Bia. Quando, naquela manhã, eu dei o meu bom dia, recebi da expert em frituras de peixe, juntamente com o seu sorriso singular, um certo aceno de queixo em direção a uma mesa quase rente ao rústico balcão. Em meio a uma parafernália de papéis espalhados e misturados com dois grossos livros e uma possível agenda, uma mulher parecia buscar algo próximo à concentração.
Minha amiga barraqueira recolheu os filés de bonito, arrumou-os sobre uma folha de bananeira, e me serviu de um copo de café forte.
"Ela vai precisar de uma mão", me disse, cruzando seus olhos com os daquela mulher loira, suada e tensa.
―"Não fala patavina de português, senão cigarro, café, e água...ardente, esta terceira e última palavra, dita assim mesmo, separadamente, é pra me pedir cachaça. E o seu sotaque então?... Pesado, de tão confuso"”. ― Concluiu a prestimosa barraqueira Bia.
Naquela manhã, igual a esta em que acabo de chegar ao final da caminhada de ida, ajudei aquela mulher, uma sueca chamada Karol, a verter para o inglês suas compilações de diversos textos de oceanologia. Desde então, o plâncton, o haloplâncton, o zooplâncton, e o fitoplâncton, passaram a conviver com nossas expectativas, nossas aflições, nossas alegrias, e nossos amores.
Mas, nesta manhã de hoje, eu concebo que nada mudou na aquarela emoldurada e pendurada na parede da vida. O mesmo mar, a mesma praia dos meus seis quilômetros de caminhadas, os mesmos coqueirais e as mesmas barracas de Capelinha das Ostras. Também os mesmos filés de bonitos deitados na frigideira, o mesmo café forte, a mesma doçura da Bia.
Nesta manhã de hoje, eu concebo que a aquarela continua tão imutável quanto o amor. Nosso amor.
Uma aquarela tão imutável a ponto da sua principal figura, a doce sueca loira, Karol, não ter aprendido a falar patavina nenhuma, em português, exceto: cigarro, café, e... água-ardente. Esta terceira e última, dita assim, mesmo: separadamente!
POR LUÍS LAGO
-Acriano (por criação); cearense (por paixão); paulista (por adoção);
-Psicólogo / Jornalista/ Fotógrafo (Não necessariamente nessa ordem); e
-Autor dos livros "O Beco" (poesias) Editora e Livraria Teixeira e "São tênues as névoas da vida" Âmbito Editores (ficção desenvolvida no estilo literário denominado "Realismo mágico")
Nota do Editor:
Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.
"É bom
ResponderExcluirPassar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã"
Toquinhos e Vinicius"...
Saudades inesquecíveis
E ainda lembrar do dia da publicação de texto, não tem preço...kkkk
Grato, meu Amigo Álvaro, pelo gentil comentário e, muito mais ainda, pela evocação de uma estrofe da belíssima criação dos fantásticos Vinicius e Tiquinho. A minha Querida REGÊNCIA, aqui no litoral do Espírito Santo, não é a Itapuã consagrada pelos sensacionais Compositores. Minha Regência ainda padece do desastre ecológico ocasionado pela criminosa Samarco. Apesar disso, " é bom passar uma tarde em" ... Regência, "ao sol que arde em"... Regência. Agora, meu Querido Amigo, o mais importante: VIVER e MORRER DE AMOR em nossa Regência. --- Uma vez mais, muito obrigado! Um GRANDE ABRAÇO.
ExcluirMuito bom!!
ResponderExcluir