O ônibus ainda guardava o calor do motor, dos corpos e dos anseios pela chegada, depois de sete horas de rodagem. Ali no seu improvisado terminal, havia um sem fim de emoções, de abraços prolongados, de lágrimas e choros copiosos, . Exatamente ali, naquele alvoroço, no meio dele e além dele, eu lhe procurava. E era Inútil ficar nas pontas dos pés, espichar o pescoço, girar a cabeça de um lado para o outro. Inútil!... Eu não lhe divisava. Sentia a ansiedade, sem medidas, invadindo o peito, o coração como um tambor frenético em seu ,descompasso alucinado.
Ainda assim, eu lhe procurava com essa saudade lancinante. Ela que se tornou minha fiel companheira ao longo desses vinte e tantos anos (vinte e cinco, para ser exato). Ela que tem me sugado as forças. Me exaurido. Me destroçado, expondo-me ao ridículo do choro fácil, repentino, sem controle, diante de tudo e de todos.
Talvez por esse motivo, jamais tive o arrojo de lhe contatar, de lhe dizer um alô. Muito menos de lhe escrever, lhe mandar um recado por quem quer que fosse passar por Bonina ― a nossa cidadezinha dos nossos encantados momentos.
Talvez por esse motivo, tenha me abismado tanto essa repentina decisão de me enfiar num ônibus para viajar pro nosso lugarejo; para viajar para você. Isso se deu no momento em que recebi esse seu bilhete, que carrego aqui no bolso, já decomposto de tanto eu ler e reler, por infinitas vezes Foi ele o responsável por me fazer arrancar das entranhas um fiapo de atrevimento de me enfiar no ônibus, ainda que arrastando um corpo e uma alma com um tremor de causar espanto e pena.
E agora eu estou aqui neste terminal e me ponho a lhe procurar não mais com a dor da saudade, senão com a ânsia do reencontro. A saudade deve ter ficado lá atrás, no começo da viagem, em um pedaço qualquer desse caminho de novos sonhos.
E agora, do bojo desse alvoroço, vejo você surgir, Vejo você se aproximar, um sorriso rasgado num rosto talhado, E, atônito, sinto você me estreitar em um abraço apertado,me beijar com sofreguidão.
E agora, ao caminharmos, de mãos coladas, pelos nossos mesmos caminhos de outrora, eu vou sentindo a revelação da crueza do descortinar da mudança do que vivemos e sonhamos juntos.
Essas ruelas de tantas subidas e descidas do nosso desenfreado perambular, perderam o sabor da quentura de seu chão de terra sob os nossos pés nus, descalçados.
A nossa praça, que era tão acanhada de tanta simplicidade, e tão acolhedora dos nossos cansaços de fim de tarde, alargou-se para enquadrar uma Matriz de paredes suntuosas, de nichos dourados e luminosos, de santos resplandecentes e ameaçadores.
E aquele descampado ao sopé do morro? Tornou-se depósito de entulhos e de lixo. Era naquele espaço de luzes e aromas de flores do campo, aonde empinávamos pipa, e corríamos atrás das borboletas, e colhíamos as pitangas e as mangas maduras no sítio do seu Josafá, e corríamos desembestados, minhas calças curtas, camisa aberta no peito; teu corpo magricelo, coberto por um simples e largo vestido de chita, surrado pelo tempo de uso, e sempre encardido pelos nossos folguedos.
Agora, caminhamos de mãos coladas; os corpos, ainda trêmulos pelo reencontro no terminal do ônibus, se tocando acidentalmente Não ousamos nos olhar para não percebermos os nossos olhos vermelhos e inchados pelas lágrimas.
Como dois fantasmas, carregamos em nosso mutismo uma tristeza sem medida, percebendo que tudo se resumiu em um ontem sem freios, que a tudo fizera transmudar e envelhecer. Nós dois, principalmente. E conosco, os nossos encantos, nossos sonhos, nossas ternuras, nossos amores e nossas vidas.
POR LUÍS LAGO
-Acriano (por criação); cearense (por paixão); paulista (por adoção);
-Psicólogo / Jornalista/ Fotógrafo (Não necessariamente nessa ordem); e
-Autor dos livros "O Beco" (poesias) Editora e Livraria Teixeira e "São tênues as névoas da vida" Âmbito Editores (ficção desenvolvida no estilo literário denominado "Realismo mágico")
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