Autora Caroline Kindler Hofstteter (*)
O contrato de união estável (convivência), também conhecido como pacto de convivência, convenção concubinária, contrato de união estável, entre outros[1], conforme o bem colocado por Conrado Paulino, pode ser definido como "um instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação".[2]
Diante de tal definição, podemos perceber que tal instrumento contratual dá aos companheiros um importante poder: o de DECISÃO quanto aos reflexos da relação, destacando-se a possibilidade de escolha quanto ao regime de bens que vigorará durante tal união, já que, conforme abaixo se discorrerá com maior especificidade, o principal efeito da união estável sem contrato escrito - contendo estipulação diferente - é a incidência do regime da comunhão parcial de bens, cuja aplicação resulta na regra de comunicação de todos os bens que forem adquiridos na constância da união estável, nos exatos termos dos artigos. 1658 e 1660 do Código Civil[3], salvo exceções previstas no art. 1.659 do CC.
Por isso, é de suma importância a realização de tal instrumento. Ocorre que, infelizmente, o contrato de convivência ainda é pouquíssimo utilizado pela sociedade, principalmente pelos seguintes motivos:
a) Otimismo acentuado, já os indivíduos acham que aquela união nunca vai chegar ao fim. Mas, infelizmente, chegará, seja em vida (dissolução) ou pela morte;
b) Não obrigatoriedade da sua realização para configuração da união estável e consequente proteção legal do instituto;
c) Falta de conhecimento dos indivíduos quanto às consequências jurídicas, em especial de ordem patrimonial, decorrentes da união estável; e
d) Falta de divulgação e instigação da advocacia preventiva familiar.
Assim, a fim de aprofundar a abordagem acerca dos principais aspectos do contrato de união estável, importante pontuarmos, primeiramente, alguns conceitos, tais como o de união estável e o de contrato.
A união estável é uma situação de fato, configurada quando os sujeitos da relação mantêm uma convivência pública, contínua e duradoura fundada no objetivo de constituir família, conforme preconiza o art. 1723 do Código Civil (CC), sendo a mesma reconhecida como entidade familiar de acordo com o art. 226, §3º da Constituição Federal (CF). [4]
O contrato, por sua vez, pode ser definido como um negócio jurídico no qual os sujeitos combinam os seus interesses, constituindo, modificando ou solvendo algum vínculo jurídico, sendo classificados como atos-negócios jurídicos bilaterais criadores de uma situação jurídica individual.[5]
A partir de tais definições, importante destacar que para a caracterização de uma união estável não há a necessidade de contrato escrito entre os conviventes, sendo o instrumento contratual prescindível, bastando a presença dos requisitos de validade daquela para configuração da união estável.
De outro modo, embora não obrigatório para caracterização de união estável, o contrato de convivência (união estável) é o meio hábil para aqueles conviventes (companheiros) que desejam estabelecer regime de bens diferente do legal, tendo em vista que, de acordo com o art. 1725 do CC, não havendo convenção entre as partes dispondo em contrário, vigorará o regime da comunhão parcial de bens. Ou seja, enquanto não houver a existência de contrato escrito entre os conviventes convencionando outro regime de bens, o que vigorará à espécie é o regime legal (comunhão parcial).
Com relação ao efeito, há discussão na doutrina quanto a possibilidade de retroatividade do mesmo, sendo a corrente contemporânea majoritária adepta ao entendimento de aplicação da retroatividade dos efeitos, desde que não afronte a realidade dos envolvidos (não fraude alguma parte ou Poder Público). Em contrapartida, a jurisprudência vai contra tal entendimento (STJ)[6], entendendo que enquanto não houver formalização de instrumento regulando de forma diferente, vigorará o regime da comunhão parcial.
Dessa forma, quanto à finalidade, segundo o Professor Rodrigo da Cunha Pereira, o contrato de convivência tem como principal objetivo: 1. definir que aquela relação é uma união estável - o que não afasta a necessidade de preenchimento dos requisitos caracterizadores previstos no já mencionado art.1723 do CC; 2. estabelecer regras próprias sobre o regime de bens que vigorará durante a convivência. [1]
Ao contrário do pacto antenupcial, que é destinado exclusivamente para o casamento e há necessidade de ser realizado via escritura pública, o instrumento contratual de convivência dispensa grandes formalidades, podendo ser feito por escritura pública ou particular, exigindo-se apenas a forma escrita, bem como o preenchimento dos pressupostos de eficácia e validade previstos no art. 104 do CC, quais sejam: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Imperioso referir que para caracterização de união estável os companheiros não podem ter impedimentos para casar, conforme rol de impedimentos previsto no art. 1521 do CC, devendo a união ser exclusiva, já que na eventualidade dos companheiros restarem impedidos para casar, restaria configurado o concubinato, nos termos do art. 1727 do CC, observando-se a exceção dos separados de fato e separados judicialmente que constituem união estável.
Quanto ao conteúdo do contrato, os contratantes tem autonomia de estabelecer, podendo convencionar, por exemplo, compromissos e obrigações das partes em relação a situações que envolvam filhos, patrimônio, final do relacionamento, desde que respeitados os limites legais, sendo nula qualquer convenção que contrarie a lei, conforme aplicação analógica aos limites estabelecidos para quando da formalização do pacto antenupcial, previsto no art. 1.655 do CC.
Dessa forma, apesar da liberdade dos companheiros, ora contratantes, permear tal instrumento contratual, não podem os companheiros firmar convenções ou cláusulas em que a lei vede expressamente, como por exemplo, o direito à herança previsto no art. 426 do CC, ou que versem sobre direitos de natureza indisponível, tal como eventual pretensão de prestação alimentícia.
Uma providência que não é obrigatória, mas que é muito interessante pela segurança e proteção dos contratantes, seria a averbação do instrumento no registro de imóveis no local onde constem os bens comuns dos conviventes. Isso porque, tal ato daria a publicidade que a união estável, que por si só não dispõe, evitando-se assim, eventuais fraudes de alienações sem a anuência do parceiro[7], nos termos do art. 1647 do CC.
Ainda, se for do interesse dos companheiros, os mesmos podem tornar pública a constituição da união estável, nos termos pactuados, por meio do registro no Livro “E”, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, sendo mais fácil a prova de tal união quando necessária, e em consequência, a produção dos efeitos patrimoniais e pessoais decorrentes do vínculo.
Dentre as vantagens da elaboração de tal instrumento contratual entre os sujeitos da união estável, podemos destacar que o contrato de convivência é um importante meio probatório da intenção dos companheiros com tal união, vez que os mesmos podem dispor, entre outras questões, quanto aos efeitos patrimoniais da União Estável através do poder de decisão sobre o regime de bens que permeará tal união, optando por aquele que mais atenda os interesses dos envolvidos, cuja escolha está intimamente ligada ao planejamento patrimonial familiar e sucessório da família em comento.
Por fim, sendo inevitável que em algum momento haverá o rompimento da união havida entre os companheiros, seja em vida – para o caso de dissolução da união estável; ou até que “a morte lhes separe” – para o caso de extinção pelo falecimento de um dos indivíduos da relação; importante que as partes se previnam e planejem o futuro patrimonial dessa família, o qual se inicia com a escolha do regime de bens mais adequado aos interesses de cada entidade familiar.
Em outras palavras, se os companheiros desejam ter o poder de decisão sobre qual o regime de bens irá permear tal relação, os mesmos devem formalizar contrato escrito dispondo tal previsão, tendo assim, consequentemente, maior segurança e controle sobre quais os bens irão se comunicar com o seu companheiro, tanto para o caso de eventual dissolução da união estável em vida, ou extinção decorrente da morte um dos companheiros. Ainda, é recomendável as partes que consultem um advogado especialista em Direito de Família e Sucessões, para que este, a partir de uma análise do caso concreto, ajude os companheiros na escolha do regime de bens mais adequado à espécie, bem como quais disposições seriam interessantes constar no instrumento contratual a fim de proteger os interesses da sua família.
[1] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e sucessões: ilustrado / Rodrigo da Cunha Pereira. – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018;
[2] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo / Conrado Paulino da Rosa – 4. ed. rev. e atual. – Salvador. JusPODIVM, 2018;
[3] Art. 1.660. Entram na comunhão:
I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão;
[5] RIZZARDO, Arnaldo. Contratos / Arnaldo Rizzardo – 17. Ed. Ver. E atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2018;
[6] STJ. 3ª Turma. REsp 1.383.624-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 02/06/2015;e
[7] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo / Conrado Paulino da Rosa – 4. ed. rev. e atual. – Salvador. JusPODIVM, 2018.
*CAROLINE KINDLER HOFSTTETER
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