Autora: Ariella Ohana(*)
Nesse artigo busca-se discorrer acerca da possibilidade de aceitação da tese de que o alimentante não é um mero "pagador de pensão", e que em conjunto com o pensionamento vem o carinho e a dignidade do esforço de quem paga, e, por consequência deve haver a reciprocidade da mesma forma dos que recebem.
Nesse tocante, dos alimentos devidos entre pais e filhos, vislumbra-se a possibilidade de uma interpretação extensiva/analógica do parágrafo único do artigo 1708 do Código Civil, leia-se:
"Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos. Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor."
Sob esse espectro, tal "comportamento indigno", não se restringe apenas aos alimentos prestados entre os ex conviventes, ou ex cônjuges, mas deve ser também utilizado como critério de exoneração e/ou redução dos alimentos necessários que são fornecidos entre consanguíneos.
Em um caso específico, de um processo judicial que existiu, observou-se que haveria espaço para a aplicação desta mencionada tese, ante o comportamento "arredio" da alimentanda.
O alimentante nesse caso é o pai, que repentinamente, ante a entrada da sua filha na fase da adolescência, viu a mesma se distanciar do convívio com este e com a nova família que constituiu, chegando inclusive a cessar as visitas e o convívio entre os mesmos, devido ao comportamento arredio da alimentanda.
Após muito investigar, conseguiu o alimentante encontrar provas irrefutáveis de que a menor encontrava-se consumindo entorpecente tipo maconha e que sua guardiã e genitora tinha ciência do consumo, e, nada fazia para impedir, ao contrário, deixava a disposição da menor o cartão de débito da conta corrente em que a pensão alimentícia restava mensalmente depositada.
O comportamento indigno da menor que, se nega imotivadamente a conviver com seu genitor, ora alimentante, e seus outros irmãos, aliado ao uso de drogas e mal desempenho escolar, há de ser indigno e comportar interpretação analógica do mencionado artigo da lei civil, convalidando a ideia de que os alimentos são "sagrados" e não mera pecúnia com a destinação de servir ao pagamento de despesas.
Os alimentos, apesar de a legislação compreender que são os valores necessários para o sustento, possuem esse nome, por ter uma relação de dignidade intrínseca a sua função legal, mas essa dignidade deve ser não só para quem recebe, mas para quem paga também.
Paulo Nader[1], muito bem conceitua que o conceito de dignidade é mais moral do que legal: "o conceito de indignidade situa-se no âmbito moral, cabendo ao juiz, em cada caso, apurar se o fato imputado ao credor da obrigação configura ofensa séria ao devedor".
No mesmo caminho, trilha a doutrina de Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald[2]: "a indignidade do credor consiste em uma ofensa grave dirigida ao devedor da pensão, atingindo a sua dignidade. Trata-se de um comportamento ignóbil, destruidor da solidariedade familiar".
Não se está aqui dizendo que quem recebe deve acarinhar quem paga, mas respeitar, ser grato e fazer bom uso dos valores, pois são com esforço conseguidos e repassados ao que necessita na relação alimentar.
Assim sendo, cada caso deve ser analisado individualmente e deve se observar que não é somente a prática do ato de indignidade, mas a consequência/gravidade e o quanto este ato afetou não só o alimentante, mas os seus valores de convivência social, como no exemplificado caso, o uso de entorpecentes.
Como ao norte mencionado, o legislador pátrio garantiu os alimentos necessários, indispensáveis para a garantia da subsistência, em situações nas quais o alimentando agiu de forma culposa, exegese do art. 1.694, §2.º, do CC/2002: "os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia".
A combinação do artigo 1694 § 2º e do 1704, paragrafo único, ambos do Código Civil, traz uma possibilidade de modulação e aplicação ao caso concreto pelo julgador, no sentido de determinada a cessação do direito do "indigno" de ser pensionado, quanto reduzindo os alimentos ao mínimo indispensável para a sobrevivência.
Com essa análise, é cabal que o comportamento do alimentando consanguíneo também seja observado com essa ótica, e, não seja instituído que o alimentante é um mero "pagador de pensão", mas sim a parte que com muito esforço direciona valores em pecúnia para que a parte necessitada da relação, conduza sua vida de forma digna do ponto de vista financeiro, e, que desses valores bom uso faça, sob pena de serem reduzidos ou até extintos ante a destinação errônea aplicada.
REFERÊNCIAS
1] NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito de família . 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. vol. 5
ARIELLA MAGALHÃES OHANA
-Bacharelado em Direito , Centro de Ensino Superior do Amapá (2009);
-Mestrado em Direito Processual Civil – PUC/SP (07/2019);
-Pós Graduação em:
-Processo Civil, IBPEX – UNINTER(2011);
Nota do Editor:
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