sexta-feira, 30 de junho de 2023

A Imparcialidade Judicial, o Juiz Natural e a Ditadura do Judiciário


 Autor: Sergio Pereira Leite (*)


Ainda que conste de todos os manuais de Direito, certos princípios, nos tempos atuais, parecem que foram esquecidos ou relegados como menores pela nossa mais alta Corte. E aqui farei uma pequena avaliação da conduta desses magistrados

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é uma garantia constitucional. Por isso, têm as partes o direito de exigir um juiz imparcial; e o Estado que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.

É também um pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas, sendo esta a primeira condição para que possa o magistrado exercer sua função jurisdicional. Referido pressuposto, dada sua importância, tem caráter universal e consta no artigo X da Declaração Universal dos Direitos do Homem, verbis:
"Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele".
Visando impor limites à participação do juiz no processo, a doutrina mais adequada afirma que, na medida em que o magistrado pudesse atuar ex officio (seja determinando provas, seja concedendo uma medida antecipatória, seja condenando uma das partes nas penas previstas para o litigante de má-fé, impondo multas coercitivas e de apoio às medidas executivas e mandamentais), ele estaria abrindo mão de sua imparcialidade, já que fazendo isso privilegiaria uma parte em detrimento da outra.

Por esta razão, aqueles que são contrários ao ativismo judicial, afirmam que o juiz não deve ter uma atuação muito ativa porque estaria a comprometer o princípio da imparcialidade.

Nesse passo, entendo que juiz imparcial é aquele que não tenha interesse no objeto da lide e tampouco queira favorecer uma das partes litigantes. Isso significa que o julgador tem o dever, nos limites de seu conhecimento e capacidade, de proferir uma sentença justa e que sua atuação não extrapole esse seu dever de exercer sua atividade dentro dos contornos da lei. A inércia na condução do processo não é uma opção.

Oportuno esclarecer que imparcialidade não significa neutralidade, posto que existem valores que merecem salvaguarda no processo. Não afronta o dever de imparcialidade a atuação do magistrado empenhado em dar razão àquele que realmente agiu segundo os ditames legais, dentro do nosso ordenamento jurídico.

O que realmente deve importar ao juiz é que proceda a condução do processo de maneira que se transforme em efetivo instrumento de justiça, para que vença quem realmente tem razão. Ele deve sempre ser interessado e empenhado em proceder provas legais ao seu alcance para que o vencedor da demanda seja aquele que estiver amparado pelo direito material em discussão. Assim, não pode ser inerte.

O juiz não age de ofício e tampouco fora de sua jurisdição e competência. Dessa maneira, um juiz de direito não invade a seara da especialidade trabalhista, matérias privativas de competência da Justiça Federal, embora muitas vezes esta competência seja delegada por lei. Assim ocorre, verbi gratia, com o juiz de direito que tem a competência para agir no processo eleitoral.

Mas essas atribuições não são naturais, pois decorrem de lei específica. O princípio do juiz natural, outra condição de imparcialidade judicial, segundo a doutrina, se refere à existência de juízo adequado para o julgamento de determinada demanda, conforme as regras de fixação de competência, e à proibição de juízos extraordinários ou tribunais de exceção constituídos após os fatos.

Assim, por exemplo, fica assegurado ao acusado o direito de se ver processar perante autoridade competente, de acordo com a legislação em vigor, estando vedada, em consequência, a instituição de juízo posterior ao fato em investigação.

O artigo 8º da Convenção Americana dos Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário, estipula que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um "juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei".

Feitas estas colocações que os estudantes de Direito aprendem nos seus anos iniciais, chegamos ao ponto alto deste artigo. A nossa Corte Constitucional em suas últimas composições, têm conspurcado esses princípios basilares do Direito e tudo em razão de um ativismo judicial execrável, porque seus membros são militantes de um partido político.

A função de julgar é um ato que deve ser revestido de absoluta imparcialidade, sendo vedado aos juízes a sua participação político partidária, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 95, § único, inciso III).

Durante muito tempo, ninguém que não militasse na área jurídica, mais precisamente perante os tribunais superiores, sabia declinar o nome de alguns dos ministros que compunham nossa Suprema Corte. A discrição, própria do cargo, era e ainda deve ser de rigor.

Não cabe a nenhum julgador isento atuar de forma política, como lembrado acima. Mas nossos tribunais têm proporcionado um exemplo extremamente danoso à administração da justiça e até mesmo, da nossa soberania. A Constituição Federal atribui ao Supremo Tribunal Federal as competências que lhe são peculiares. Não é, por sua natureza, um tribunal equipado para instrução de processos criminais, em que pese, existir essa atribuição, em razão, principalmente, do chamado foro privilegiado.

Vemos, amiúde, processos criminais de sua alçada atingirem o lapso prescricional, por que os autos dormitam nos escaninhos de seus cartórios e, apenas são ressuscitados, quando de sua conveniência política. A emoldurar essa assertiva, vemos um dos ministros dessa Corte colocar em pauta um processo aparelhado contra o atual presidente da Câmara baixa do Poder Legislativo, feito esse que permanecia na dormência há mais de cinco anos.

Teria sido um aviso dado àquele parlamentar para votar algum projeto do Poder Executivo? Seriam os congressistas reféns desse Judiciário político em que se transformou nossa Corte Constitucional, extrapolando todos os limites do tolerável? Sinceramente, eu creio que sim e ele foi muito bem entendido, visto o desiderato que a decisão proclamou, depois da satisfação da exigência.

Muitos de nossos parlamentares estão às voltas com processos judiciais que tramitam em várias instâncias de nossa Justiça, feitos esses que derivam de suas atividades em cargos executivos ou como agentes públicos/políticos, onde fluem também para nossa corte eleitoral.

Pois bem, vimos, em passado recentíssimo e completamente estarrecidos, um deputado federal eleito pelo Estado do Paraná, em que foi o mais votado, ter o seu mandato cassado, vendo seguir para o lixo a sua representação de quase 450.000 eleitores paranaenses.

Não tenho nenhum resquício de dúvida que se trata de uma perseguição política, cujos laivos estão singularmente expressos, em virtude da atuação desse cidadão como procurador federal, integrante da força tarefa da operação Lava Jato, que descortinou para o mundo inteiro o mórbido saque feito às empresas públicas.

Ele teve visível e proficiente atuação no combate aos corruptos e venais que saquearam o erário público, encarcerando os piores membros dessa organização criminosa. Triste Brasil, onde o policial é o réu e o ladrão passa a ser a vítima.

Isso ficou ainda mais flagrante quando o STF, por meio de firulas jurídicas, habilitou um indivíduo, condenado em três instâncias de nossa Justiça, a se candidatar ao cargo de Presidente da República. O mesmo que, em seus governos anteriores culminou por aparelhar com militantes nossa corte constitucional. Existe evidente aparelhamento em nossas cortes superiores, não somente no STF, mas também no STJ, TSE e TCU.

E porque isto ocorre? Porque temos, em nível federal, um sistema de indicação presidencial para a composição desses tribunais, incluindo aqui todos eles. E isso acontece também nos estados da federação, onde governadores que deixam os seus cargos, nomeiam as suas consortes para exercerem, de forma vitalícia, o cargo de conselheiras dos Tribunais de Contas estaduais.

Dessa forma, a meu ver, a imparcialidade some. Mormente se considerarmos que os componentes do STF, hoje, com três exceções, foram indicados por membros de um partido de esquerda que aterroriza nossa democracia há mais de 30 anos.

Além disso, a formação dos atuais integrantes dessa corte, não é a da magistratura, porque eles são egressos da advocacia e de integrantes do Ministério Público. Apenas dois dos atuais ministros provêm da magistratura, ambos concursados, um como juiz de direito e outra como juíza do trabalho. E é da própria essência da advocacia e do Ministério Público a falta de isenção ou imparcialidade.

Prova cabal do que acima se alega é que a Procuradoria Geral da República, figura essencial para o oferecimento de denuncia crime, deixou de ser necessária. Como desnecessária deixou de ser a individualização da conduta ilegal atribuída a cidadãos, julgados em blocos e que não tem o foro privilegiado para terem suas ações julgadas pelo STF.

O braço eleitoral desse grupo, o TSE, da mesma maneira, julga ao arrepio da lei e os mesmos que proferem a decisão, não se vexam nem mesmo enrubescem, em integrar o órgão revisor. A Constituição virou, para eles, simples razão para sua indicação, pois os postulados por ela determinados, de há muito restaram ignorados.

Não custa alertar que ainda temos as decisões monocráticas de vários desses ministros, o que transforma a corte de órgão colegiado em tribunal prolator, no mais das vezes.

Vivemos a verdadeira tirania da toga, o que nos remete à lembrança Da célebre frase de Rui Barbosa, quando disse que a pior ditadura é a ditadura do Judiciário, porque contra ela não há a quem recorrer.

E isso de fato acontece, lastimavelmente.

Referências

STJ.jus.br/portalp/páginas/comunicação/Princípio do juiz natural-Uma garantia de imparcialidade.aspx – publicado em 21/06/2020

*SERGIO LUIZ PEREIRA LEITE

















Advogado militante nas áreas cível e criminal na Comarca de Tietê, Estado de São Paulo, onde já foi, por duas vezes, presidente da 134ª Subseção da OAB e que, na atual gestão, participa como vice-presidente.


Nota do Editor:

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