Política e religião não se discutem, quem nunca ouviu isto na adolescência? Sim, para os que nasceram lá nos anos de 1960, falar sobre política era assunto complexo, sem importância, já que não dava dinheiro no bolso. Os falatórios sobre religião e política serviam para os desocupados, ou pessoas que viviam de religião (padres, pastores etc.) e de política (os ocupantes de cargos eletivos). Tempo era dinheiro, para a maioria, esmagadora, do povo brasileiro. Tais assuntos, quase alienígenas, eram reservados para as pessoas com tempo livre para filosofar, ou mesmo "jogar conversa fora".
Quando alguém iniciava conversa sobre política… Esperem! Quem se lembra de Odorico Paraguaçu? Conversar sobre política era politicagem, algo como malandragem para roubar o povo. Porém, como nada estava perdido, existiam os bons políticos, e o bordão popular era Rouba, mas faz! Ora, ser eleito, ou reeleito, e Mamar nas tetas do Estado — e os contribuintes pagavam os luxos dos representantes do povo — tinha um preço: fazer algo pelo povo. E fazer pelo povo tinha preço: roubar um pouquinho do povo.
As promessas de campanha? Um belo churrasco com cerveja pela vitória nas urnas; a reforma de uma praça; o facilitar de pular fila no atendimento médico num hospital público. Momentos inesquecíveis para quem necessitava de ajuda do bom político. No entanto, a gentalha, como diria Kiko, do seriado Chaves (El Chavo del Ocho), que exigia alguma coisa dos políticos. Já a relação político e não gentalha; o político, ou quem queria o ser, barganhava, quase chorava, para os eleitores, de classe sociais mais elevadas (não gentalha), votassem. Nessa relação de submissão, o lobby empresarial. As boas famílias, de classe sociais abastadas, conseguiam privilégios do gestor público, desde asfaltamentos até retirar do bairro os perturbadores do sossego, os mendigos. Quem paga maior valor de IPTU, quem emprega. Enfim, quem ajuda na modernidade do Brasil deve ter os benefícios a altura. Às gentalhas, muita reza para Deus tocar os corações dos políticos.
Desse drama brasileiro, parecido com novela mexicana, as lágrimas corriam. As redes de tevês, antes da rede mundial de computadores, informaram os acontecimentos nacionais. Claro, como concessões do Estado, e como empresas, o lucro e a manutenção da concessão. A liberdade de imprensa era condicionada: primeiro pelo lucro; segundo pelos limites do Estado. Como empresa, o lucro deve ser o maior possível. Como concessionária, os limites impostos pelo Estado. E o Estado não quer concessionárias sabotando governos.
Gentalhas mal tinham tempo para se alimentar, e quando se pensa na cesta básica, no bairro cheio de crateras, nas pistas de rolamento e nas calçadas, na sonhada água potável canalizada, os programas de entretenimento davam alguns minutos de negação da realidade. Sim, um mecanismo tecnológico usado para muito mais do que entreter, fazer com que gentalhas tivessem momentos de sonhos futuros, de melhorias pessoais, ou, pelo menos, literalmente, esquecer. Se pensarmos nos feitos psicológicos dos programas de entretenimentos, certamente, o mais terrível dos dias dá lugar para o esquecimento. Risos, luzes, móveis elitizados, o sofrimento humano nos elitizados. A vida é como é, independente das classes sociais. A ideia central era o ser humano: sofre, rir, almeja, etc. Então, por que gentalha deveria reclamar de sua situação? Somos humanos! O segundo conforto, as religiões. Religião e política sempre andaram juntas, desde os tempos dos faraós. Mesmo com o surgimento do Estado laico, na Revolução Francesa, o laico não era tão laico. Costumes e tradições continuaram, fortemente, mesmo após a Segunda Guerra Mundial. Por exemplo, o casamento heteronormativo, a mulher cisgênera como ajudante do marido, não como também participativa e tomadora de decisões. Foi no início do século XX que as mudanças ocorreram, profundamente, nas relações sociais. As publicidades e as propagandas sofreram inovações jamais vistas. As publicidades geravam questionamentos nas relações entre os gêneros masculino e feminino. Edward Bernay foi o mestre das mudanças nas relações sociais do início do século XX, e continua neste e nos futuros séculos.
Tais mudanças sociais trazidas por Bernay somaram-se com os eventos da Segunda Guerra Mundial. O mundo necessitava ser muito mais liberal para se ter dignidade humana. Com a dignidade, as relativizações do direito de propriedade, da heteronormatividade, das influências das religiões no Poder Legislativo. Por força normativa dos direitos humanos, internacional… Não é bem assim. Mudou por força da internet. Pela liberdade de expressão transmitida pela rede mundial de computadores, as mudanças sociais, políticas etc. Antes da internet — criada em 1969 —, os anseios por dignidade ocasionaram aniquilamento das colonizações. Com a internet, o reforço de liberdade com dignidade. Mas a Guerra Fria, entre EUA e ex-União Soviética, ameaçavam os países soberanos com as potenciais nucleares da democracia, representada pelos EUA, e do comunismo, representado pela URSS. Soberania existia no mundo das ideias para os outros países.
Operação Condor, por exemplo, garantiu a liberdade de muitos países contra a Foice e o Martelo comunista. As publicidades e as propagandas nos EUA e de outros países democráticos enfatizavam o perigo da opressão da URSS. Nessa, nada de ter três televisores, de se vestir como quiser, da liberdade de comprar. O sofisma era presente. A tal da liberdade era reprimida aos grupos chamados de minoria — mulher, cisgênero, etnia negra, LGBT+, pessoas com necessidades especiais, intolerância religiosa, etc. —, para se manter o status quo, ou melhor, costumes e tradições democráticas, ou quaisquer outras nomenclaturas.
2023. Tanto faz: democracias ou ditaduras. Costumes e tradições devem ser restabelecidas pelo primado da soberania; nada de multiculturalismo, da minoria, principalmente de outros países, intrometer-se na política e na religião. Somente a maioria pode opinar e decidir. Já que estamos falando sobre política e religião, não posso omitir este vídeo Encontro "Ética, Valores e Política" - Michael Sandel e Steven Pinker (1) e Interns Debate: Libertarianism vs. Conservatism (2). Por último, Capitalism vs. Socialism: A Soho Forum Debate (3).
Sem debates, não há democracia — a ideia grega (a.C.) de dignidade para todos os seres humanos. A espetacularidade do ódio, do infundir pavor, nas mentes menores — alusão ao livro O que é Iluminismo?, de Immanuel Kant —, é perigosa para a dignidade. Cito, por exemplo, o corrido, nos anos de 1950, nos EUA. O senador republicano Joseph R. McCarthy (4), com sua verborragia anticomunista, mergulhou os norte-americanos num medo sem precedentes. Pior, incutiu gravíssimas dúvidas na população norte-americana sobre as Forças Armadas. Foi um dos maiores fake news da História norte-americana cujas consequências poderiam elevar, ainda mais, o Relógio do juízo final. Pode parecer dramático, no entanto, temos que pensar no momento histórico. Presentemente, o momento histórico é preocupante, pois conquistas no pós Segunda Guerra Mundial, pelos sangues derramados na Alemanha Nazista, estão ameaçadas por extremistas ideológicos. E ideologia abrange política, religião, etc. Os extremos, direta ou esquerda, os déspotas esclarecidos, o Centrão, não representam os ideais da espécie humana. Desde outrora, a espécie humana busca, incansavelmente, conquista algum denominador comum entre os diferentes pensamentos ideológicos.
Como poderemos, enquanto espécie considerada racional, encontrar o caminho do meio, como concebeu Buda, para viver? Ou como conquistar À Paz Perpétua, como projeto filosófico concebido por Immanuel Kant, para viver em paz? Possível? Acredito que sim. E muitos acreditam, pois se estamos vivos — eu confeccionei e você leem —, é pelo simples motivo intrínseco: viver. Viver não é somente existir; é existir com as diferenças, pois pelas diferenças aprendemos. Pela liberdade podemos dizer Não ou Sim quanto ao modo de existir, compartilhar experiências, debater contra ou a favor da particularidade de alguma ideologia. Nenhuma ideologia é completa, imutável, pois o ser humano é mutável, a ciência é mutável. É o ser humano. Embora mutável, o ser humano, há valores, por assim dizer, eternos: paz; amor; dedicação; solidariedade; ajuda; socorro; defender quem precisa; compaixão.
É necessário conversar, debater, política e religião, sem animosidades.
Bibliografia e Referências:
1.YouTube "Ética, Valores e Política" - Michael Sandel e Steven Pinker
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=EaTC07BdfIQ;
2.Libertarianism vs. Conservatism. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=akYYm47pCP4&t=2231s;
3.Capitalism vs. Socialism: A Soho Forum Debate. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=YJQSuUZdcV4 e
4.EUA. United States Senate. "Have You No Sense of Decency?"
Disponível em:
https://www.senate.gov/about/powers-procedures/investigations/mccarthy-hearings/have-you-no-sense-of-decency.htm
*SÉRGIO HENRIQUE DA SILVA PEREIRA
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