quinta-feira, 27 de julho de 2023

Possibilidade de filhos comuns atuarem como testemunha em processos judiciais de divórcio


 Autora: Sabrina Mello(*)

Em decisão recente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que os filhos comuns do casal não estão impedidos de atuar como testemunhas no processo de divórcio dos pais.

No entendimento do colegiado, a hipótese de impedimento é aplicável à testemunha que possui vínculo com um dos litigantes, e não quando o seu parentesco é idêntico a ambas as partes, isto é, em se tratando de filho comum dos referidos disputantes.

Se trata de uma ação de divórcio litigioso, a qual o recurso interposto ao STJ alegou violação ao artigo 447, parágrafo 2º, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), pois a sentença e o acórdão teriam se embasado em prova nula, qual seja, o depoimento do filho do casal.

No caso, a testemunha possui vínculo de parentesco idêntico com ambas as partes.

As hipóteses do Código de Processo Civil de impedimento e suspeição da testemunha partem do pressuposto de que a testemunha tenderia a dar declarações favoráveis a uma das partes ou ao resultado que lhe seria benéfico. Sendo assim, o STJ não verificou uma parcialidade presumida quando a testemunha possui vínculo de parentesco idêntico com ambos os litigantes, sobretudo quando não demonstrada a sua pretensão de favorecer uma das partes em detrimento do outra.

Ademais, nos parágrafos 4º e 5º do artigo 447, do CPC, deparamo-nos com previsão no sentido de que, sendo necessário, o magistrado pode admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas, hipótese em que os depoimentos serão consentidos independentemente de compromisso e lhes será atribuído o valor que mereçam.

Nota-se que atualmente o divórcio litigioso, como no caso, faz a ruptura da família, e já se inicia com uma disputa judicial entre as partes, de modo que os filhos utilizados como testemunhas tenderão à um dos litigantes, e não serão imparciais, haja vista o alto grau sentimental envolvido e decorrente, tais como amor, culpa, abandono, rejeição, e etc.

Observa-se que em muitos relacionamentos amorosos, mesmo durante o período da união, os filhos sofrem direta interferência em seu desenvolvimento, seja ela motivada pelos próprios pais, avós ou adultos do convívio dos mesmos, de modo que tal interferência possa resultar no sentido de macular ou difamar a imagem de um dos genitores, com a intenção de afastá-la (criança) desse, ou até prejudicar o vínculo afetivo entre eles.

A questão envolvendo a possibilidade de testemunho dos filhos, é muito mais que jurídica, é moral. Seria prudente, mesmo após a análise das possíveis consequências, permitir seu envolvimento?

O estrago está muito além do ponto de vista financeiro, a qual envolve exclusivamente os cônjuges, se vê todo um enfoque emocional, e suas consequências futuras.

O único ponto relevante onde os filhos, enquanto menores, devem prestar depoimento como testemunha no processo de divórcio dos pais, revela-se notadamente somente quanto às questões existenciais envolvidas na lide e que estejam diretamente envolvidas, como a guarda e o regime de visitação, devendo ser excluídas, portanto, questões meramente patrimoniais como a disputa por bens.

Nesse sentido, diz o Enunciado nº 138 da III Jornada de Direito Civil do CJF: "A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto".

Em suma, é necessário se conscientizar antes de decidir se os filhos devem testemunhar em questões familiares, levando em consideração a sua posição vulnerável no âmbito da família, bem como o efeito que tal testemunho pode ter nos relacionamentos presentes e futuros, sendo informadas das consequências de testemunhar ou não.

Os frutos de tais possibilidades na justiça só saberemos no futuro, quando colhermos o que foi plantado. Esperamos que pais e mães se conscientizem da responsabilidade de tal interferência, e suas consequências para todos.

Em que se pese o Código de Processo Civil e a nova decisão, é de se verificar se realmente as partes querem dar a seus filhos tamanho fardo, estando todos conscientes de suas consequências futuras.

Referências bibliográficas

DE OLIVEIRA, Heitor Moreira. O filho menor de idade pode prestar depoimento no processo de divórcio dos pais? 27/06/2023. Disponível aqui. Acesso em: 24 jul. 2023;

SITE DO STJ. Disponível aqui. Acesso em: 24 jul. 2023;

CPC, art. 447, testemunhas; e

Enunciado nº 138 da III Jornada de Direito Civil do CJF.


*SABRINA BLAUSTEIN REGINO DE MELLO


- Graduação em Direito pela Universidade Brás Cubas (2006);
- Pós-graduação em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Faculdade Legale (2017);
- Pós-graduação em Direito e família e Sucessões pela Faculdade Legale (2018);
- Pós-graduação em LGPD pela Faculdade Legale (2020);
- Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Mogi das Cruzes/SP (2022-2024);e
- Advogada, sócia e fundadora da BLAUSTEIN MELLO & RAMALHO ADVOCACIA



Nota do Editor:

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