Em tempos de recessão econômica e da consequente queda da arrecadação tributária federal, o governo volta a falar em taxar “o andar de cima”, como se cobrar mais imposto dos mais ricos fosse resolver todos os males do país. Ledo engano.
Nas últimas semanas, o Planalto vem acenando com a possibilidade de tributar as grandes fortunas brasileiras ou de aumentar as alíquotas do ITCMD, imposto estadual que incide sobre heranças e doações.
Nos últimos 12 anos, por três vezes se retomou a discussão sobre a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição mas ainda não implantado.
Em 2003 e em 2008, a proposta do governo consistia, basicamente, em suprimir a expressão “nos termos de lei complementar” que está no inciso VII, do artigo 153, da Constituição, que trata do IGF.
Na prática, o objetivo era possibilitar a criação do tributo por lei ordinária, que exige apenas aprovação por maioria simples (25% mais 1) dos membros do Congresso Nacional, ou seja, 21 senadores e 129 deputados.
Como essa pretensão não foi adiante, continua sendo necessário uma lei complementar para a criação do IGF. Consequência: há necessidade de aprovação pelo voto favorável da maioria absoluta (50% mais 1) dos membros do Congresso Nacional, ou seja, 41 senadores e 257 deputados.
Por esse motivo, em 2012 um grupo de nove deputados do PT apresentou o Projeto de Lei Complementar PLP 130/2012 instituindo no país o IGF.
Como a Constituição não define o que vem a ser “grandes fortunas”, o PLP 130 as classifica como “o patrimônio líquido que exceda o valor de 8.000 vezes o limite mensal de isenção do IR para a pessoa física, apurado 31 de dezembro de cada ano”.
Segundo o texto proposto, o IGF incidiria sobre faixas de patrimônio líquido, todas definidas como múltiplos do limite mensal de isenção do IR para pessoas físicas. Assim, patrimônios até 8.000 vezes o limite mensal de isenção do IRPF estariam isentos. Acima disso e até 25.000 vezes, a alíquota seria de 0,5%; acima de 25.000 e até 75.000 vezes, de 0,75%; e acima de 75.000 vezes, de 1%.
Tomando por base o limite de isenção do IRPF em vigor desde 1º de abril de 2015 (R$ 1.903,98), as faixas de tributação seriam as seguintes: até R$ 15.231.840, isenção; acima desse valor e até R$ 47.599.500, alíquota de 0,5%; acima desse valor e até R$ 142.798.500, 0,75%; e acima desse valor, 1%.
O projeto em discussão tem alguns pontos que chamam a atenção.
Um deles é o fato de o artigo 2º definir como contribuintes não só pessoas físicas brasileiras, mas também pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior em relação ao patrimônio líquido possuído no Brasil.
O que assusta, nesse caso, é a amplitude do conceito de patrimônio líquido (bens e direitos de qualquer natureza), visto que sua interpretação isolada pode dar ensejo à tributação, pelo IGF, de capital produtivo (como exemplo, participações societárias detidas por estrangeiros em empresas constituídas no Brasil).
Outro aspecto negativo é quanto ao patrimônio imobiliário. Aqui, há possibilidade de o governo fixar o montante da “fortuna” do contribuinte, tendo em vista que o valor dos imóveis será definido a partir da avaliação feita pelos municípios, ou seja, o valor a ser taxado pelo IGF seria o valor venal para fins de incidência do IPTU.
O IGF não é um tributo muito comum no mundo, uma vez que são poucos os países que o cobram. O principal argumento é que ele não representa muito em termos de arrecadação. Na justificativa do PLP 130, estima-se que o tributo alcançaria 10 mil famílias e sua receita anual seria de R$ 12,6 bilhões (valores de 2009).
Mas o principal argumento para a sua não criação até hoje é outro: fuga de capitais. Ou seja, um tributo como esse faria com que investidores externos deixassem o país em busca de “portos mais seguros”, onde seu dinheiro não fosse alvo da sanha arrecadatória que tanto tem caracterizado os atuais ocupantes do Palácio do Planalto.
E mais: como um tributo desse tipo somente seria cobrado no exercício seguinte ao de sua criação, haveria tempo para que os contribuintes atingidos fizessem um adequado planejamento patrimonial e sucessório. Isso resultaria em receita tributária aquém do desejado.
O governo deveria empenhar seus esforços não para criar mais um tributo, mas poderia muito bem dedicar seu tempo para simplificar e reduzir a carga tributária brasileira, bem como eliminar parte das obrigações acessórias, tornando, assim, a indústria nacional mais competitiva. Assim, em vez da fuga de capitais para outras nações, poderíamos ter uma saudável “fuga de capitais para o Brasil”.
Publicado na Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2015, 6h57
Por CESAR MORENO
-Sócio da Divisão de Consultoria do Braga & Moreno Consultores e Advogados
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