Aqui no Brasil, muito se discute a respeito da "indústria do dano moral" e muito pouco a respeito da "indústria do ganho fácil".
Outro dia, ao pesquisar jurisprudência para confirmar a minha tese sobre o dano moral, num caso de direito do consumidor, me deparei com um artigo, belíssimo de um desembargador de Santa Catarina que discorria sobre o tema.
Peço licença a ele para reproduzir um trecho aqui:
Em excelente artigo intitulado "A propósito do Dano Moral", EDSON NELSON UBALDO - Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, nos brinda com algumas ponderações significativas sobre a atividade empresarial no Brasil, registrando:
"Os maiores responsáveis pelos sofrimentos infligidos às pessoas, em especial os grandes conglomerados financeiros e comerciais, passaram a disseminar a ideia de que a busca pela reparação de danos morais se transformara em "indústria" de ganhos fáceis. Essa suposta verdade contaminou parte da magistratura. Não só reforçou o argumento dos juízes mais conservadores, que por razões ideológicas, inclusive de fundo religioso, nunca viram com bons olhos o novo instituto jurídico, como também serviu de freio aos mais liberais, cujas sentenças passaram a ser reformadas para diminuir os valores fixados. A avalancha de ações reparatórias é o argumento mais usado para "comprovar"que o dano moral se transformou em "indústria". Nada mais falso. O elevado número de pleitos mostra exatamente o contrário, ou seja: a) o consumidor brasileiro, antes desamparado e agora protegido pelo CDC, tomou consciência de seus direitos, ao invés de "queixar-se ao bispo" como antes lhe sugeriam bancos e lojas, agora queixa-se ao juiz; b) os responsáveis por produtos e serviços ainda não se convenceram de que os tempos mudaram e continuam a violar descaradamente os direitos da cidadania. Portanto, o que de fato existe é a "indústria"do desrespeito, a busca do lucro fácil, a sensação de que vale a pena continuar enganando o povo, porque o percentual dos reclamantes é ínfimo, os processos são lentos e o resultado final, ainda que favorável ao consumidor, sai muito mais barato do que investir na melhoria dos produtos e dos serviços."[ grifo nosso]
Infelizmente, muitas vezes, é isso que acontece em nosso País. Acontece o ato ilícito, o consumidor sofre o dano moral, porém os valores arbitrados são irrisórios.
No receio de arbitrar um valor que cause enriquecimento ilícito, os valores são cada vez mais baixos. Mas pergunta-se: qual valor causaria enriquecimento ilícito? R$ 100.000,00 (cem mil reais) seriam suficientes para deixar alguém rico? Qual o conceito de riqueza?
O que se verifica, infelizmente, é que os valores irrisórios servem como um estímulo para a prática de atos ilícitos, para que se perpetue o desrespeito, a indiferença ao consumidor.
Se fosse possível realizar e divulgar um levantamento, considerando-se o número de pessoas que está insatisfeita com determinados serviços oferecidos por determinadas empresas... O número de pessoas que já sofreram danos morais...
Se fosse possível calcular quantos desses consumidores realmente chegaram a formalizar um pedido de ressarcimento, ou que pleitearam no Judiciário seus direitos, qual seria realmente o quadro?
O quadro certamente mostraria que o número de consumidores que sofre danos morais e não faz qualquer manifestação ou reclamação seria infinitamente maior daquele que realmente chega até a Justiça.
Há quase uma certeza de que grandes empresas prestadoras de um serviço defeituoso e ineficiente já fizeram este levantamento e descobriram que compensa continuar oferecendo um serviço inadequado. Tais empresas têm conhecimento da morosidade de alguns setores da Justiça do nosso país, sabem que poucos consumidores chegarão a contratar um advogado reivindicando seus direitos...
Quando finalmente, ao término do Processo, quando forem condenadas ao pagamento de indenização por danos morais, o valor será tão baixo que não fará a mínima diferença diante dos seus grandiosos lucros...
Será que realmente existe a "indústria do dano moral"? Não seria mesmo a "indústria de ganhos fáceis das grandes empresas"?
Uma mudança significativa se faz necessária para que sejam majorados os valores arbitrados nas demandas que envolvem danos morais.
É preciso compreender que caso não haja uma invasão no patrimônio da Empresa, que seja significativo, as mudanças e os investimentos na qualidade dos serviços oferecidos, não acontecerão.
Sabe-se que em alguns outros países, as indenizações são altíssimas e os problemas com o consumidor, quase não existem.
É claro que as regras devem ser adequadas à realidade do nosso país, respeitadas a legislação em vigor, porém "a indústria do ganho fácil" não deve prevalecer...
POR SOLANGE SANTOS JESUS DE OLIVEIRA
POR SOLANGE SANTOS JESUS DE OLIVEIRA
-Graduada pela Universidade Cidade de São Paulo UNICID- SP(06/2013);
-Advogada Associada do Escritório FQ&A Freitas, Quintella &Associados; e
-Principais áreas de atuação: Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Empresarial, Direito de Família e Direito Tributário.
WhatsApp: 11 9 7030-0972
Nota do Editor:
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Fantástica colocação do magistrado, re-postado pela Dra, verdade dita, somos tratados como números junto a grandes empresas
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