Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.
Adélia Prado
Somos fortemente condicionados pela cultura e estamos mergulhados em um mundo social em que as relações de gênero ainda são problemáticas. Felizmente, desde as primeiras lutas feministas, ocorreram mudanças e, hoje, temos maior consciência do quanto a opressão da mulher é nociva para todos, mulheres e homens. Mas é preciso destacar que se trata de um processo longo e paulatino e que, mesmo assimilando a necessidade de transformação, muitas vezes nos surpreendemos repetindo padrões na maneira de falar, de nos vestir, de nos comportar, de nos relacionar e na forma diferenciada de criar meninos e meninas. Daí a necessidade de continuar problematizando a questão de gênero, até que as mentalidades e os comportamentos se redimensionem de fato.
Como mulher que vive e produz conhecimento em uma sociedade ainda desigual quanto às questões de gênero, enfrentei resistências para me definir como feminista, ainda que no percurso tenha sido inevitável me posicionar como tal. Em Sejamos todos feministas, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie argumenta a favor do uso da palavra "feminista" para se definir em vez da sugerida expressão "luta por direitos humanos", pois não a usar seria uma maneira de fingir que as mulheres não foram excluídas ao longo dos séculos. Então, falar do tema da leitura de obras de mulheres se constitui neste texto como um ato feminista
que julgo importante para contribuir com as mudanças ainda necessárias em termos de igualdade entre os gêneros.
Nessa perspectiva, a literatura escrita por mulheres é resultado de um processo de recuperação de uma voz silenciada na história, envolvendo a conquista tanto do espaço da escritura, quanto da construção da identidade.
Desde o século XIX, as mulheres lutaram por direitos básicos, como educação, voto e representação e, somente há 30 anos, têm ocupado novas posições em diferentes esferas sociais. A partir dessas conquistas, hoje, a literatura de autoria feminina tem, sem dúvida, um espaço considerável entre as publicações. No entanto, chama a atenção que nos programas escolares e universitários ainda predominam a leitura e a discussão de obras de homens.
Investigando a autoria feminina desde 2000, naturalmente, sou impelida a levar textos de mulheres para o estudo em sala de aula. Meus alunos de graduação em Letras, em geral, desconhecem as autoras e relatam que leram poucas mulheres em sua formação. Então, torna-se evidente o quanto ainda precisamos promover ações de estímulo à leitura de obras femininas.
Com esse intuito, alguns grupos têm se reunido para ler mulheres, como o Leia Mulheres, um movimento informal nos moldes de clube de leitura criado por leitoras e profissionais do livro em 2015 na cidade de São Paulo. É aberto a todos que se interessam e tem grupos em 86 municípios do Brasil. Sendo coordenado e mediado sempre por mulheres, o clube se reúne mensalmente para ler obras de autoras de qualquer lugar e tempo. Em moldes parecidos, coordeno um Curso de Extensão na UFRGS, que tem o propósito de ler poesia de autoria feminina.
Portanto, apesar de toda a revolução feminista e suas repercussões em nossos dias, a pergunta que dá título a este artigo justifica-se pela marginalização dos textos femininos na educação formal. Existe uma demanda de criação de hábitos de leitura em nosso país, contemplando obras diversificadas, canônicas e não canônicas, representativas dos diferentes grupos que compõem nossa sociedade. Para atingir leitores que, por natureza, são plurais no que se refere a gênero, raça e classe social, faz-se urgente a oferta de leituras que levem em conta tal pluralidade.
POR CINARA FERREIRA
- Doutora em Letras, área de Literatura Comparada, UFRGS e
-Docente do Instituto de Letras, da UFRGS.
-Docente do Instituto de Letras, da UFRGS.
Nota do Editor:
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Agatha Christie, Lygia Fagundes Telles, Cecília Meireles, Cora Coralina, J.K. Rowling, Clarice Lispector, Virgínia Woolf,algumas das minhas mulheres literárias....
ResponderExcluirSou, bigamo 😁😁😁🤔🤔🇧🇷🇧🇷🇧🇷🤗🤗🤗