Autora: Ana Santana(*)
No mês de maio o ministro da educação Abraham Weintraub anunciou um corte de 30% das verbas de algumas universidades, acusando as instituições de pouco desempenho acadêmico e alegando que é necessário investir na educação básica. O anúncio dos cortes que inicialmente atingia somente algumas universidades foi ampliado e o ministério da educação pegou de surpresa todas as universidades federais. Como se não bastasse, os cortes de verbas se expandiram para os Institutos Federais de Educação Básica.
A política educacional brasileira está na contramão das reais necessidades das nossas crianças e jovens. Cerca da metade dos brasileiros com 15 anos ou mais não concluiu o ensino fundamental e há aqueles que concluíram e não conseguem ler e interpretar uma frase simples. Nossas escolas estão sucateadas, sem estrutura, professores adoecidos e sem perspectivas de acolhimento do Estado. Então por que retirar recursos de onde deveria ser a base para o desenvolvimento nacional?
Acompanhamos o discurso que no Brasil gastamos demais com o ensino superior, vejamos até onde não se trata de uma falácia: em 2017, o Brasil gastou cerca de US$ 11 mil por aluno do ensino superior, contra US$ 16 mil que são investidos, em média, nos países mais ricos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Na educação básica o gasto foi de US$3,8 mil por aluno, enquanto a média das nações mais ricas é de US$ 10 mil. Assim sendo, os números mostram que estamos longe de gastar demais com a educação.
Voltando aos números, R$ 7,94 bilhões foi o corte anunciado em todos os setores da educação, sendo que na educação básica o corte seria de R$2,4 bilhões. Seria possível aumentar os investimentos se os sucessivos governos não revertessem quase metade de todo o orçamento da união para pagamento de uma suposta dívida pública, que nada mais é que a simples transferência de recursos do Estado para os grandes banqueiros.
A privatização do ensino cresce quando as políticas governamentais são de corte e não de investimentos. Segundo o último Censo da Educação Superior no Brasil, estudo feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a rede privada responde por 75,3% dos alunos do ensino superior, contra 24,7% das entidades estatais. Essa grande expansão de matrículas na rede privada só foi possível com uma política de transferência de renda do público para o privado, associado à um desmonte consciente dos serviços educacionais estatais.
Não é um elemento menos importante o esforço de jovens trabalhadores que só veem a possibilidade de concluir o ensino superior via faculdades privadas. Desta forma, para a universidade pública não há políticas adequadas de permanência para os mais pobres, tais como bolsas, restaurantes universitários, transporte e moradia para os estudantes.
Sinto uma dor grande quando algum conhecido ou familiar diz que vai transferir seu filho para uma escola particular, pois na pública não há o mínimo necessário para garantir a alfabetização das crianças. Muitas das famílias que tomam essa decisão farão um enorme sacrifício para pagar matrículas, livros, transporte, etc. Sendo que em muitos casos mães e pais terão que trabalhar dois turnos e nem poderão conviver com seus filhos. Tudo para conseguir manter os gastos com a escola privada.
É tão triste como quando tenho que recorrer à rede privada de saúde pois não consigo atendimento na rede pública. E assim, vejo indo pelo ralo o dinheiro suado que todos nós brasileiros pagamos em impostos. Pasmem, mas neste ano de 2019, até o momento, só trabalhamos para pagar impostos!!! Se considerar nossa renda bruta anual, somente a partir deste mês, teríamos sanado nossa cota gasta com impostos, conforme aponta um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) divulgado neste mês de junho. Isso posto, a razão dos cortes em educação, saúde, saneamento e outras necessidades básicas da população, não está em falta de dinheiro, mas sim em um projeto muito organizado de transferir o público para o privado.
O caminho para uma educação pública que sirva ao povo passa por investimentos em produção científica, ampliação das verbas destinadas para a educação pública, estatização das universidades e atenção à rede de educação básica. Nossa missão deve ser formar seres humanos que reflitam, pensem, questionem, tenham ânsia por saber; diferente do caminho traçado hoje que é a formação pura e simplesmente para atendimento pífio das necessidades mercadológicas.
Sempre há uma luz no fim do túnel. Sempre haverá resistência e as potentes manifestações protagonizadas pela juventude nos dias 15 e 30 de maio demostraram que podemos reverter todas essas mazelas, mesmo que seja pouco a pouco. Uma prova disto é que o governo foi forçado a devolver para o orçamento da educação R$1,6 bilhões. Ainda não é tudo, ainda nos falta muito, mas há esperança renovada da mudança quando a juventude se põe em movimento.
ANA PAULA SANTANA (*)
-Graduada em Pedagogia e Psicopedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais;
-Ministra formação de professores visando implantar estratégias para o ensino de jovens e adultos;e
-Integra a Associação Mineira de Psicopedagogia e compõe o quadro de pesquisadores do Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos.
Nota do Editor:
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Corte não é a mesma coisa que contingenciamento. Governos anteriores fizeram isso e não vi polêmica alguma a esse respeito. A preocupação do ensino não deve ser a de formar bacharéis, mas de usar o dinheiro público no ensino básico ou fundamental. Às universidades se transformam em usinas de desperdício desses minguados recursos e normalmente é utilizada por quem pode pagar.
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