segunda-feira, 6 de abril de 2020

A Mulher na Política: Análise Histórica e Jurídica


Autora: Lilian Fernandes(*)




1 - Introdução: 

"Quando uma mulher tem voz ativa, ela incentiva outras a falarem também. Quando uma mulher lidera, ela incentiva outras a liderarem também. Quando uma mulher ocupa um cargo público, ela incentiva outras a ocuparem também", essa mensagem, veiculada na campanha de incentivo à participação da mulher na vida política, lançada pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE, em março de 2020, instiga a pensar o papel da mulher na política, seu histórico de luta e até que ponto o regramento jurídico avançou desde a redemocratização no país. São as questões abordadas no presente artigo. 

Palavras-Chave: Mulher nas eleições. Participação feminina. Aspectos históricos. Regramento eleitoral.

2 – Campanha do Tribunal Superior Eleitoral – TSE:

O Tribunal Superior Eleitoral, em março de 2020, lançou uma campanha com o objetivo de incentivar à participação da mulher na vida política. A campanha tem a seguinte mensagem de conscientização: 
Quando uma mulher tem voz ativa, ela incentiva outras a falarem também. Quando uma mulher lidera, ela incentiva outras a liderarem também. Quando uma mulher ocupa um cargo público, ela incentiva outras a ocuparem também. (BRASIL, TSE, 2020) 
Essa iniciativa é de grande relevância, pois proporciona e amplia o debate acerca da participação feminina e nos leva a refletir sobre os obstáculos e os desafios quanto à ocupação de cargos políticos por mulheres no Brasil. Essa representação política é uma importante ferramenta para o combate à desigualdade de gênero e para o fortalecimento da democracia. 

A desigualdade de oportunidades profissionais e políticas entre homens e mulheres possui raízes profundas, vão desde a luta pela emancipação feminina à falta de isonomia salarial. O direito posto no atual cenário é fruto de anos de luta coordenada por mulheres que desafiaram seu tempo em prol do ideal de paridade, igualdade, espaço, oportunidades, respeito e, principalmente, cidadania. Afinal, não somos todos iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil? Sim, é uma garantia individual expressa no art. 5º de nossa Magna Carta.

3 – Aspectos históricos:



Democracia e participação feminina, mesmo que em constante construção, é uma realidade em nosso ordenamento jurídico. A Socióloga Bila Sorj (2002) destaca que, hoje, parece impossível pensar democracia dissociada da referência feminina.

Hoje, parece impossível pensar democracia, cidadania, desigualdades socais, mudanças na organização da família, formas de trabalho, entre tantas outras dimensões da vida social, sem ter como referência a constituição de um novo sujeito social, as mulheres, [...] (SORJ, in BRUSCHINI, 2002, p. 99)

A Constituição de 1824, Brasil Império, “limitava-se a conceder o sufrágio, inicialmente, no primeiro grau, com as restrições de renda e, em segundo grau, a todos os que podiam votar naquelas assembleias” (BRASIL, TSE, 2000).

Durante a fase de deliberação da Constituição de 1891, Brasil República, o voto feminino chegou a ser discutido por meio de proposta de emenda, entretanto, seu texto final foi omisso: “art 70 - São eleitores os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei" (BRASIL, TSE, 2000).

No ano de 1932 o Código Eleitoral Provisório, instituído por meio do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, em seu art. 2º, apresentou o conceito de eleitor: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código” (BRASIL, 1932).

A Constituição promulgada em 16 de julho de 1934 veio dispor que eleitores seriam "os brasileiros de um ou de outro sexo, maiores de 18 anos, que se alistassem na forma da lei" (BRASIL, TSE, 2000), entretanto, em seu art. 109, delimitava a obrigatoriedade do voto feminino às mulheres no exercício de função pública.

A Constituição de 1937, Estado Novo, dispôs em seu art. 117, que "São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei". Esse artigo sofreu alteração em 1945, passando a constar com a seguinte redação:"São eleitores os brasileiros de um e de outro sexo, maiores de dezoito anos, que se alistarem na forma da lei e estiverem no gozo dos direitos políticos" (BRASIL, TSE, 2020).

A Constituição de 1946, estabeleceu em seu art. 131, que "São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei". Redação que foi mantida na Constituição de 1967, do Regime Militar.

A Constituição Cidadã de 1988, por sua vez, disciplina em seu art. 14, que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei", sendo o obrigatório o alistamento eleitoral e voto aos maiores de dezoito anos e facultado para os analfabetos, os maiores de setenta anos, e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.


Em janeiro de 2015 foi sancionada lei de cunho honorífico, Lei nº 13.086, de 8 de janeiro de 2015, que instituiu, no Calendário Oficial do Governo Federal, o Dia 24 de fevereiro como alusivo às comemorações da conquista do Voto Feminino no Brasil. 


Assegurado a capacidade eleitoral ativa e passiva na mulher, surgiu a necessidade de implementar ferramentas legislativas aptas a materializar esse direito de participação política. Nesse sentido, conforme elucidado a seguir, instrumentos de cotas e percentuais foram estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro.

4 – Legislação Eleitoral:

A Lei n.º 9.100, de 29 de setembro de 1995, que estabeleceu normas para as eleições municipais de 1996, inaugurou a instituição de reserva de cotas para as candidaturas de mulheres.

Com a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, as cotas foram estendidas para todas as eleições proporcionais. A redação do § 3º, do art. 10, previa que "do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de 30% por cento e o máximo de 70% por cento para candidaturas de cada sexo". Ao referido parágrafo foi conferida nova redação dada pela Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, a expressão “deverá reservar” foi substituída pelo termo "preencherá". Segundo o TSE com a mudança de redação “a distribuição dos percentuais entre os sexos passou a ser obrigatória e não mais facultativa” (BRASIL, TSE, 2014).

Em 15 de março de 2018, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n.º 5617, o Supremo Tribunal Federal – STF, decidiu que "a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres, previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997" (BRASIL, STF, 2018).

A aplicabilidade da decisão do STF para às eleições gerais de 2018, foi confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da Resolução nº 23.575, de 28 de junho de 2018, a qual determinou que os partidos políticos destinassem ao financiamento de campanhas de suas candidatas no mínimo 30% do total de recursos do Fundo Partidário utilizado nas campanhas eleitorais. A época, a Ministra Rosa Weber, destacou que "a mudança do cenário de sub-representação feminina na política não se restringe apenas em observar os percentuais mínimos de candidatura por gênero previstos em lei, mas sobretudo pela imposição de mecanismos que garantam efetividade a essa norma" (BRASIL, TSE, 2018).

Portanto, nas eleições gerais de 2018 foi implementado, pela primeira vez, a obrigatoriedade de aplicação de patamar mínimo para fins dos recursos do Fundo Partidário, em conjunto com a obrigatoriedade do registro mínimo de 30% candidaturas femininas. 

Apesar de ainda estar em curso o ciclo para constatação da real efetividade dessas sucessivas alterações legislativas e jurisprudenciais em prol da ampliação do protagonismo da mulher na política, seus efeitos positivos já podem ser mensurados. Segundo o TSE, o número de mulheres eleitas em 2018 cresceu 52,6% (cinquenta e dois virgula seis por cento) em relação às eleições de 2014.

O conjunto dessas regras, aplicadas às eleições gerais de 2018, entrou em pauta de discussão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal no ano de 2019. Na Câmara, os Projetos de Lei n.ºs 2996/2019 e 4130/2019 pretendiam alterar a obrigatoriedade da reserva de 30% de candidaturas femininas, entretanto, enfrentou resistência e restaram retirados de tramitação a pedido de suas respectivas autoras (BRASIL, CÂMARA, 2019).

No Senado, o PL 1256/2019 pretendia revogar a previsão do percentual de preenchimento mínimo de vagas para candidaturas de cada sexo, mas foi arquivado em virtude da apreciação terminativa da Comissão de Constituição e Justiça – CCJ, pela rejeição da matéria. O Relator na CCJ defendeu que o texto representava "um retrocesso em importantes conquistas sociais" (BRASIL, SENADO, 2019).


5 – Conclusão:

A luta feminina por igualdade na representação política, iniciada no Brasil antes mesmo da Proclamação da República, não deve adormecer, pois ainda é preciso enfrentar, com coragem, muitos desafios. Segundo estatística do TSE, 52% (cinquenta e dois por cento) do eleitorado brasileiro é formado por mulheres e, mesmo contando com percentual mínimo para o registro de candidatura e financiamento de campanha, o resultado das urnas não reflete a proporcionalidade das cotas.

Não há como falar em democracia dissociado do tema da participação feminina. Vale lembrar que o sentido da aclamada "Carta Cidadã" foi de instrumentalizar a sociedade para o efetivo exercício da Democracia, e Democracia se faz com participação de todos!

Referências:

BRASIL. Câmara dos Deputados. Agência Câmara. Disponível em: «https://www.camara.leg.br/noticias/577300-DEPUTADAS-E-ENTIDADES-CIVIS-CRITICAM-PROJETO-QUE-EXTINGUE-COTA-DE-CANDIDATURAS-FEMININAS». Acesso em: 30 de março de 2020;

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988;

BRASIL, Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 22 de março de 2020;

BRASIL, Lei 9.100/199, de 29 de setembro de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9100.htm>. Acesso em: 22 de março de 2020;

BRASIL, Lei 9.504/1997, de 30 de setembro de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504compilado.htm>. Acesso em: 22 de março de 2020;

BRASIL. Senado Federal. Senado Notícias. Disponível em: «https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/03/20/projeto-que-elimina-cotas-partidarias-para-mulheres-tem-voto-contrario-e-criticas-de-senadoras». Acesso em: 31 de março de 2020;

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Portal de Notícias. STF garante mínimo de 30% do fundo partidário destinados a campanhas para candidaturas de mulheres. Disponível em: «http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=372485». Acesso em: 31 de março de 2020.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Campanha: Mulher na Política. Disponível em: «http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Marco/tse-lanca-campanha-de-incentivo-a-participacao-da-mulher-na-vida-politica». Acesso em: 30 de março de 2020;

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Fundo Eleitoral. 2018. Disponível em: «http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Maio/fundo-eleitoral-e-tempo-de-radio-e-tv-devem-reservar-o-minimo-de-30-para-candidaturas-femininas-afirma-tse». Acesso em: 30 de março de 2020;

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Cotas de gênero nas candidaturas. 2014. Disponível em: «http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Junho/partidos-e-coligacoes-devem-estar-alertas-para-cotas-de-genero-nas-candidaturas». Acesso em: 31 de março de 2020;

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Voto da mulher. 2000. Disponível em: «http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/voto-da-mulher». Acesso em: 01 de abril de 2020;

SORJ, Bila, O Feminismo e os dilemas da sociedade Brasileira. in BRUSCHINI, Cristina. Gênero, democracia e sociedade brasileira / Cristina Bruschini e Sandra G. Unbehaum / São Paulo: FCC: Ed. 34, 2002.

*LILIAN RENNY FERNANDES













-Graduada em Ciências Jurídicas pelo Instituto de Educação Superior de Brasília(20090;
-Pós-Graduanda em:
  -Direito Tributário pela Universidade Anhanguera - UNIDERP(2011);
  -Processo Legislativo, pelo CEFOR – Centro de Formação da Câmara dos Deputados(2017);
-Advogada inscrita nos quadros da OAB/DF e
- Assessora Parlamentar Legislativa com atuação na Câmara dos Deputados desde março de 1999.

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário