quinta-feira, 16 de abril de 2020

Morar Junto Durante a Quarentena:Configura União Estável?


Autora: Caroline Hofstteter(*)


Diante da pandemia COVID19 (CORONAVÍRUS), a Organização Mundial da Saúde emitiu uma série de recomendações e medidas preventivas de propagação do vírus, as quais estão sendo, dentro do possível, adotadas pela população.

O isolamento ou distanciamento social são medidas que visam diminuir o número de casos, contendo o avanço rápido da pandemia, já que a transmissão do vírus se dá através do contato pessoal próximo com pessoas infectadas e/ou por meio de tosse/espirro de pessoas infectadas e/ou ao tocar objetos ou superfícies contaminadas e em seguida tocar na boca, nariz e olhos.(1)

No Brasil, o movimento "Fique em Casa" tomou grandes proporções, fazendo, de fato, com que as pessoas fiquem em casa e só saiam quando essencial. Tal adoção, implica diretamente na alteração da rotina de todos, surgindo vários reflexos jurídicos, em especial, na esfera do direito familiar.

Em pouco tempo, a convivência entre as pessoas muito se alterou, destacando-se aqui, duas situações opostas: 
1)estreitamento do convívio familiar presencial - restringindo-se, na grande maioria, àqueles que moram na mesma residência (coabitação);
2) ampliação da convivência de casais que mantém uma relação amorosa ("crush’s", "namorados", etc.), mas que, antes da pandemia, não coabitavam, e decidem morar juntos durante a quarentena.

A convivência familiar já é tema amplamente discutido quando falamos sobre os reflexos jurídicos que a pandemia tem causado nas famílias, sendo certo que a regra é que a convivência deve ser mantida, dentro dos limites que garantam a saúde e segurança de todos os envolvidos.

No segundo cenário, como o momento que vivemos é completamente atípico, não obstante, já surgiu a seguinte dúvida: o compartilhamento de residência (coabitação) de um casal de namorados, em tempos de coronavírus, pode configurar uma união estável?(2)

A resposta até parece clichê de advogado(a), mas, via de regra: NÃO, porém, DEPENDE. 

Cada caso é um caso e, somente após a quarentena, a partir da análise do caso em concreto, poderemos responder com precisão se tal relação será abarcada pelo direito de família como união estável ou não.

Isso porque, a união estável é um instituto que possui características e requisitos próprios, tais como: publicidade (modus vivendi), continuidade e durabilidade (estabilidade) da relação, com ou sem habitação conjunta, com dualidade de sexos, entre pessoas sem impedimentos absolutos para o casamento, exceto, separado de fato e judicialmente, e, com o objetivo de constituição de família, sendo este último, critério subjetivo, indispensável para o reconhecimento da união estável. 

Ou seja, para a caracterização da união estável, não basta o relacionamento ser duradouro e público, mesmo que o casal venha a coabitar, pois é necessário estar presente o elemento subjetivo: a vontade ou o compromisso pessoal e mútuo de constituir uma família.

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça, entendeu que nem sempre morar junto vai caracterizar uma união estável. Ainda mais, em pouco tempo de convivência.
O juiz Walter Santin Junior, titular da 1ª Vara Cível da comarca de Itapoá, coadunou com tal entendimento e na mesma linha, não reconheceu uma união estável, sob a fundamentação de que "apenas morar sob o mesmo teto, não garante reconhecimento de união estável". (3)

Neste sentido, entendemos que a situação de coabitação de casais durante a pandemia, por si só, não ensejaria na caracterização da união estável, haja vista que, embora um forte indício, a coabitação não é um requisito essencial para configuração, sendo certo que outros fatores, mais importantes e imprescindíveis devem ser levados em consideração para tal configuração .(3)

No caso em análise, diante dos elementos fornecidos, pode-se verificar de antemão, que o requisito subjetivo de "objetivo de constituição de família", o qual é essencial para referida caracterização, está ausente, tendo em vista que a intenção da maioria dos casais, ao menos nesse momento, não é viver como se casados fossem, mas sim, que em razão da situação de força maior (Coronavírus), decidem residir juntos, como medida necessária para manutenção do vínculo afetivo existente entre o casal. Ou seja, o motivo que os levaram a coabitação, é, única e exclusivamente, evitar a propagação do vírus que se daria com o descolamento de uma casa a outra após o contato físico com o parceiro.

E, conforme acima referido, a coabitação, por si só, não evidencia a configuração de uma união estável, devendo todos os requisitos e características próprias do instituto estarem presentes para tanto, os quais, quando incidentes, ensejam em uma série direitos e deveres oriundos de tal instituto, como por exemplo, a aplicação de um regime de bens para fins de partilha quando tal união chegar ao fim, o que acontecerá de qualquer maneira, seja em vida (dissolução) ou pela morte (sucessão).

Caso não seja a intenção do casal a constituição de uma união estável, o contrato de namoro seria uma ótima medida preventiva a ser adotada como prática importantíssima para correta aplicação da lei de forma favorável aos seus interesses, garantindo e protegendo, assim, o seu futuro e da sua família, também na esfera jurídica, já que boa parte dos litígios judiciais que se formam nas relações familiares, principalmente, aqueles que envolvem questões patrimoniais, poderiam ter sido evitados, ou ao menos, ter seus impactos reduzidos, se um(a) advogado(a) especializado(a) fosse consultado ANTES da tomada de decisões importantes.(4)

Em verdade, não existe parecer jurídico genérico que sirva para todas as situações nesse sentido, por isso, indicamos que consulte um advogado especializado na área, sendo certo que, a prevenção é a melhor proteção, devendo a sociedade adotar medidas preventivas não apenas no sentido de diminuir a propagação do vírus, mas também com relação àquelas que implicam em reflexos jurídicos face à atipicidade da situação em que vivemos em nível mundial, COVID-19.

REFERÊNCIAS

(1)

(2) Código Civil Brasileiro

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1 A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521 ; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2 As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

Constituição Federal

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

(3)


(3)


(4)

ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família contemporâneo / Conrado Paulino da Rosa n- 4. Ed. Ver. E atual. – Salvador: JusPODIVM, 2018. 608 p



*
CAROLINE KINDLER HOFSTTETER









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