Autora: Maria Lucia Mazzei de Alencar(*)
Telefono para mamãe, quero combinar de vê-la. Sei que tenho mais paciência, meus irmãos não tem ido muito, ela tem sido algo geniosa nos últimos tempos, afastando as pessoas. Mas tenho muita pena da minha velhinha, acho que precisa ser visitada para manter-se um pouco mais animada. E pergunto se sua pressão arterial baixou. Às minhas indagações responde: "mas é que na minha idade preciso de ajuda para subir escadas, para conseguir acessar armários mais altos"... e ameaça entrar em mil outros temas que nada me esclarecem.
"Sim mamãe, mas volte ao assunto da pressão, por favor!"
Ela: "como você é apressada".
"Mamãe, não enrola, estou preocupada com você!"
Ela: "bem a pressão baixou, mas é que a empregada"...
"Sei, digo, não fique nervosa com ela, senão a pressão subirá de novo".
Ela: "é verdade, apesar de eu ser uma pessoa extremamente equilibrada e centrada, a médica cardiologista insiste que minha pressão alta também é culpa das emoções...quer que eu volte a tomar a medicação psiquiátrica."
Brinco: "é fato, culpa da lua que insiste em mudar suas fases, movimenta as marés, e possivelmente também a personalidade das divas deste mundo... mas nada que um ansiolítico leve não resolva."
Ela: "lá vem você com seus remédios, estou ótima, já disse que não preciso deste tipo de medicamento!”
"Mas tenho uma boa notícia para você", diz ela.
"Dê-me então, mamãe. Estou ávida por uma injeção de ânimo hoje!"
Após outros quinze minutos de considerações variadas, solta a pérola: "Bem, resolvi doar minhas poucas joias e algo que recebi de mamãe para as minhas filhas e noras...mas não quero doar nada já, só quero que escolham logo, faremos uma carta, não quero que briguem. Minha nora Cláudia já avisou que não quer nada, melhor para vocês, não”?... Mãe, para mim não fará diferença, eu quero duas peças somente"...
Ela: "bom, mas eu deixarei algo para Camila, mulher de seu irmão Junior : sem ela ao seu lado, cuidando bem dele, não sei o que seria de mim, tenho uma dívida de gratidão com ela".
"Bem pensado, reflito alto, ela tem muita paciência com Junior, que tem gênio forte mesmo".
"O que você prefere minha filha?"
"Gostaria de ficar com a pedra de água marinha azul que papai lhe deu, como lembrança dele. E o diamante amarelo, com lapidação antiga, que foi de vovó, como recordação dela; este pouco vale, mas ela gostava muito dele."
"Bom, mas pode ser que sua irmã Luísa também o queira, para fazer um pingente, pois ele é grande "
"Pois você lhe diga que não o queira, ela pode ficar com o que você tem de mais valioso, seus brincos de brilhantes que são grandes ...E seus bonitos anéis de diamantes"...
"Mas você não competiria com ela por tais coisas?"
"Não, mãe".
"Então vou chamar primeiro Camila, que espero escolha algo bem valioso, que por mim seria o colar de ouro torcido de sua avó, junto com a pulseira e berloques combinando. Depois sua irmã escolherá..."
"Mãe , não acredito no que escuto: sou sua filha mais velha, a que mais te ajuda e você está dizendo que ficarei por último nessas escolhas? Mesmo eu querendo abrir mão da maior parte das tuas joias mais valiosas?"
"Ela: você não ficaria feliz se eu te separasse a pedra azul? Olha que está montada com dez lindos pequenos brilhantinhos, vale bastante... talvez por isso pode ser que Luíisa também a queira"...
"Mãe, olha só, se Luísa quiser ela retira os brilhantes, ok? Só quero a pedra e não é pelo valor econômico, mas afetivo, papai a escolheu com muito cuidado para você!"...
"Vamos ver, vamos ver"”...
"Mamãe, vamos desligar? Essa conversa está amargando meu sábado e vou voltar ao livro que estava lendo. Ah! diga-me só isso: quando você pensa efetuar essa doação?"
"Ora, quando morrer".
"Mas mãe, você quase não quer sair de casa, nem à esquina, ao hortifruti, à farmácia... você só se anima a sair para seus frequentes exames de saúde... Olhe, suas filhas tem um pouco mais de vida social, mas isso tende a minguar com a idade."
"Só lhes darei quando morrer, repete."
"Mamãe você já tem oitenta e cinco, do jeito que se cuida vai para os cem, eu tenho sessenta e cinco e sujeita a um enfarte de tanto tumulto que você causa na família... Se calhar, como dizem os portugueses, não vou usá-las nunca! Por que e para que tanta vaidade? Aliás, você perderá a graça de dar, só ratificará uma possível herança a que já temos direito, percebe isso?"
"Bom, nunca se sabe ...Talvez um dia...Mas só vou dar minhas joias quando morrer! Vou chamar você para escolher quando chegar a sua vez...Agora você me fará o favor, como advogada, de elaborar uma carta testamento das joias", "dou uma cópia para cada uma e vou querer vocês felizes!"
Filha eterna
MARIA LUCIA MAZZEI ALENCAR
Candidata a escritora, amante da boa literatura e de cinema;
Vencedora dos segundo e terceiro lugar do prêmio Acesc de Literatura( Associação dos 20 maiores e tradicionais clubes da cidade de São Paulo ( com exceção dos de futebol);
Aluna das Arcadas, ( Direito da Usp), formou-se em 1972,
Vencedora dos segundo e terceiro lugar do prêmio Acesc de Literatura( Associação dos 20 maiores e tradicionais clubes da cidade de São Paulo ( com exceção dos de futebol);
Aluna das Arcadas, ( Direito da Usp), formou-se em 1972,
Procuradora do Estado de São Paulo aposentada, atualmente Advogada.
ota do Editor:
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Lindo! Em casa minha mãe trm uma daquelas máquinas modernas de fazer suco de frutas guardada há dez anos. 10 anos?😁
ResponderExcluirAdorei!!!! Parabéns pela sensibilidade!!!
ResponderExcluirMuito legal! Estou atento para não cair nessa armadilha etária!
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