quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Violência doméstica e mediação


 Autora: Águida Barbosa (*)

                                                                                                 

A pura violência é muda - Hannah Arendt

A violência doméstica tem sido um tema recorrente, certamente devido ao aumento de denúncias, por parte das vítimas mais encorajadas, em função de ampla conscientização de seus direitos, promovida pela imprensa.

Os atos de violência doméstica podem ser físicos, cuja prova é mais fácil de produzir, visto que objetiva, e violência verbal, ou psicológica, cuja prova é de difícil produção.

As próprias delegacias da mulher, ao receberem uma denúncia de violência doméstica selecionam os fatos, colhendo apenas aqueles de natureza física, que podem ser objeto de exame de corpo de delito, pois, os fatos que tipificam a violência psicológica são afastados, como se fossem de menor valor ofensivo.

Por questões de ordem cultural, a amostragem que se colhe acerca das vítimas de violência doméstica compõe-se de mulheres, embora também seja frequente a vitimização de homens, agredidos por mulheres. Porém, devido ao machismo estrutural que nos impregna, estes não denunciam suas agressoras, por não suportarem a repulsa social.

As varas especializadas em violência doméstica atuam objetivando a punição do agressor e a proteção da vítima. Raramente promovem a oportunidade de diálogo e os estudos psicossociais não se prestam ao encaminhamento dos protagonistas a um atendimento terapêutico, o que poderia fazer muita diferença para aquela família disfuncional, visando devolver a harmonia ao núcleo.

Enfim, é preciso repensar os mecanismos capazes de acolher a vítima e, principalmente, o agressor, pois a punição, muitas vezes, só cronifica a relação conflituosa, com efeitos indeléveis sobre a família, principalmente quando envolve crianças indefesas, que também podem ser vítimas psicológicas, pois a tudo assistem.

Consoante célebre frase de Hannah Arendt, "a pura violência é muda". Para transformar um comportamento agressivo, segundo a filósofa, é preciso dar voz ao agressor para que a expressão de sua personalidade deixe de ser eclipsada pela violência, que acaba por torná-lo mudo.

As varas e delegacias que se ocupam dos crimes de violência doméstica precisam contar com um corpo de profissionais especializados e preparados para o acolhimento da vítima e do agressor, promovendo a escuta individual e conjunta daqueles sujeitos de direito para que identifiquem o comportamento primordial que gera a violência doméstica.

Se, em lugar de punir, o agressor for tratado com o propósito de tirá-lo do estado de mudez, abrem-se alternativas incontáveis de encaminhamento daquela família, podendo, até mesmo, devolver àquele núcleo a qualidade de família funcional, qual seja, cada qual poderá conhecer, exatamente, o seu papel. E isso garante o livre desenvolvimento da personalidade, a partir da alteridade.

Os estudos da violência doméstica, com apoio interdisciplinar, apontam a frequente repetição de paradigma, qual seja, o agressor tem aquele modelo aprendido na convivência familiar de sua família de origem e o repete, inconscientemente, na sua família construída a partir do casamento ou união estável.

Estes estudos revelam, também, a repetição de paradigma da vítima. A título de exemplo, a mulher que assistiu à violência 
de seu pai à sua mãe, durante a infância, acaba por escolher, inconscientemente, relacionar-se com um homem agressivo.

Existe uma expressão popular que descreve esta repetição de paradigma: dedo podre. É frequente encontrar homens e mulheres que, depois de dissolver casamento e união estável por não suportarem mais a violência doméstica, fazem novas escolhas de modo a confirmar o mesmo comportamento do novo parceiro, ou da nova parceira.

Como interromper esta repetição de paradigma, evitando que este comportamento se perpetue por gerações?

A mediação familiar interdisciplinar é o instrumento capaz de dar voz ao agressor, pois se trata de um conhecimento que desenvolve e valoriza a escuta. Segundo a psicanalista Françoise Dolto, a escuta do silêncio é a mais profunda que se pode alcançar.

Mediar é um tempo-espaço capaz de fazer emergir causas latentes e subjacentes, em estado inconsciente, que podem vir à tona para que possam ser transformadas. Pode-se afirmar que a mediação familiar interdisciplinar tem potência de natureza educacional. O olhar do agressor pode ser ampliado quando transforma seu estado de mudez, o que lhe permitirá buscar psicoterapia ou tratamento psiquiátrico, ao descobrir algum distúrbio.

A violência doméstica precisa ser tratada e a mediação é um caminho para dar voz ao agressor.

*ÁGUIDA ARRUDA BARBOSA





-Advogada especializada em Direito de Família;
-Mediadora familiar interdisciplinar;
- Doutora e Mestre pela FADUSP(1972)

Nota do Editor:

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Um comentário:

  1. Sempre digo às minhas filhas; "a distância entre sua segurança e felicidade estão as suas escolhas".

    Violência doméstica têm vários starts, digo; estopim, entre eles machismo, cinismo e vivência por parte dos homens, dependência, vivência entre as mulheres.

    Algumas mulheres evoluíram! Algumas ...

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