Ah, houve um tempo em que eu acreditava que o meu palco sala
de aula fosse espaço apenas para encenação de momentos nobres de superação,
alegria, afeto, conhecimento, sonhos partilhados como num ato de comunhão.
Ah, houve um tempo em que eu sabia que a cada pisada neste palco, tudo se transformava e se harmonizava com a vida cor de rosa que sonhei enquanto esperava me formar em professora.
Ah, houve um tempo em que eu reinava absoluta, dona de meus saberes e doutora de meus conhecimentos, e nada, exatamente nada, calava meu falar.
Ah, existiu um tempo em que meu ego de professora não me permitia duvidar do amor de meus alunos por mim. Os alunos idolatravam seus professores e tinham por eles uma admiração profunda, quase romântica, beirando a uma paixão avassaladora.
Ah, houve um tempo em que pais sabiam seus lugares de leigos e não se metiam em assuntos pedagógicos, faziam apenas o que lhes cabia fazer em casa: educar bem seus filhos.
Ah, houve um tempo...
E o tempo, tão dono de si, atrevido, desobediente, foi tirando as coisas do lugar e eu, tão dona de mim, me perdi nesse tempo, sem saber pra onde caminhar. Resolvi então, bater um papo com meu amigo tempo e, junto com ele, numa relação dialética, fui revendo cada momento da minha vida profissional.
O tempo, com sua sabedoria, me ensinou que meu palco de atuação, poderia mudar, se transformar e, o que era pra ser exato, poderia ser incógnita, e tudo bem. Se a sala de aula não é mais só minha, nela cabe, por exemplo, o conhecimento que chega na palma da mão do meu aluno, que mal há nisso? Que eu deveria fazer as pazes com as outras maneiras que aquelas lindas criaturas estavam tendo de adquirir o saber, que saber não ocupa espaço e tá tudo bem se nem sempre ele sair dos meus lindos discursos com as minhas maravilhosas aulas dissertativas.
O doutor tempo me levou a refletir sobre os sonhos cor de rosa que eu nutria desde os meus sonhos em lecionar. Que ninguém precisa me amar só porque eu tenho um diploma, que afeto não se pede, nem tampouco exige, conquista-se. Me ensinou umas dicas boas de lidar com minhas carências afetivas e não transferir para os outros expectativas que são minhas. Que amor é vivência e construção, mas levados pelo respeito, esse sim, meu aluno precisa ter por mim.
Meu mestre, o tempo, sussurrou bem baixinho em meu ouvido, que os pais leigos em pedagogia, que quando chegam na escola pra questionar o que não lhes diz respeito, que é para eu aproveitar a presença deles e lhes falar sobre o filho, suas conquistas, suas lutas, sua vida de estudante, porque muitos deles nem conhecem bem os filhos, buscam a escola como um pedido é de socorro mesmo.
E nesse bate papo com o tempo, tomamos um café, espreguiçamos na rede e, em meio a devaneios, o tempo me fez lembrar do quanto eu quis ser professora, do quanto eu guardava em meu peito todo o atrevimento do mundo, quando eu sonhava e acreditava que poderia transformar a sociedade ocupando apenas um lugar e com duas ferramentas somente. O lugar de professora, com um giz e um quadro como ferramentas, eram tudo o que eu queria. Eram tudo o que eu precisava pra mudar o mundo.
O sábio tempo, me fez ver que tudo se transformou muito, que os sonhos com o alunos ideal, a família ideal, a escola ideal, o sistema ideal, tudo isso mudou e vai mudar muito mais e que isso é que vale a pena na vida.
Cochichando com o tempo, e, sem que ninguém aqui me escute, concordei com ele. Para a profissão que escolhi, as coisas não mudarem é que seria a verdadeira tragédia. Se na educação nada se transformasse, me obrigando a me transformar, a rever minha prática, minhas ideias e convicções sobre as coisas, certamente eu estaria condenada a morrer em vida.
A sala de aula, espaço privilegiado de construir cidadania, saber, valores e afetos, não pode ser algo estático e as mudanças precisam acontecer porque estamos, a todo momento, falando com vidas , para vidas e em construção de vidas. Vidas que passam por nossas mãos e levam um pouco de nós em suas histórias. Vidas que podem e devem ser transformadas por nossa ousadia em querer um mundo melhor. Vidas que são nossa voz fora do espaço escolar. Vidas que continuarão a existir em outros tempos pelo simples fato de termos marcado seus corações.
Meu bate papo com o senhor tempo, com aquele cafezinho bem quentinho, acordou em mim a professora que se formou certa de que ia mudar o mundo. Ele despertou em mim a fúria de quem um dia se atreveu a brigar por seus alunos, de defendê-los com unhas e garras quando percebesse que o mundo queria lhes dar pouco demais. A jovem professora que se lançou nas ruas, entre tantas causas para defender a educação e o direito dela para todos, que brigou por melhores salários e tomou muito banho de mangueira, com água fria, foi pisada, empurrada, apanhou de cassetete em passeatas em defesa da educação. Renasceu em mim aquela menina; filha de mãe com "quarto ano de grupo" e pai que abandonou a escola pra ajudar a mãe a cuidar dos irmãos menores, que sonhava em ser professora, essa menina ressurgiu na minha conversa com tempo e me fez lembrar do quanto ela ainda precisa lutar pela educação que, como disse seu amigo tempo, muita coisa ainda vai mudar.
Da menina que sonhava em ser professora à professora que sou, ainda tem muito sonho pela estrada, nada se perdeu no tempo. Às vezes, com o tempo, alguns sonhos adormecem com o desânimo de ver tanta desvalorização do professor por parte de alguns pais e alunos, governantes e um sistema que ainda insiste em ser arcaico, do século passado, mas, basta tomar um café com o tempo, que ele vai te fazer ter saudades do tempo em que você era mais coragem e sonho do que lamento e decepção.
Parabéns companheiras e companheiros de sonhos por um mundo melhor.
Com afeto
(*)JACQUELINE CAIXETA
Parabéns você sempre dando uma lição,maravilhoso texto.
ResponderExcluirObrigada pelo carinho.
ExcluirParabéns a vc Jacqueline e a todos professores pelo seu dia, nunca desanimem de lutar pela educação 👏👏👏👏👏👏
ResponderExcluirMuito obrigada.
ExcluirTexto maravilhoso entrar!!! Parabéns, professora!🥰👏🏻👏🏻
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