quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Família Multiespécie


 Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa (*)

O conceito de "família" nem sempre é uma tarefa fácil de se definir porque vários aspectos são levados em consideração. Enquanto as normas jurídicas possuem definições expressas na lei, doutrinadores e juristas divergem quanto a abrangência do conceito. A própria coletividade não é unânime quanto ao termo "família", já que existem sociedades mais fechadas e outras mais abertas, lembrando ainda que aspectos religiosos, dogmáticos, psicológicos, dentre outros, também influenciam na restrição ou abrangência do termo.

No entanto, partindo da premissa de que a sociedade está em constante evolução, o conceito de família que outrora era visto apenas quando existia parentesco e consanguinidade, atualmente ganhou contornos que devem ser analisados de forma ampla, já que as transformações sociais não se compatibilizam com conceitos retrógrados.

Hoje, verifica-se que as espécies de família são amplamente difundidas e são reconhecidas numa sociedade evoluída, a exemplo das famílias monoparentais, unipessoais, reconstituídas, homoafetivas, associativas, solidárias, dentre outras.

Diante disso, estendendo o conceito, hoje temos a família multiespécie que é aquela ligada pela afetividade entre humano-animal. O reconhecimento desta espécie de família leva em consideração não apenas a aferição de que os animais são dotados de sentimentos variados, como também o convívio entre humanos e animais se torna cada dia mais íntimo.

Se no passado os animais eram vistos como trabalhadores para os humanos e depois como meros animais de estimação, hoje, em muitos casos, são vistos como verdadeiros membros da família quando existir entre eles genuíno vínculo afetivo e de solidariedade, culminando em apoio emocional, empatia, diminuição da solidão, dentre vários outros aspectos positivos.

Assim, embora exista resistência e preconceito quanto a família multiespécie, o judiciário já vem enfrentando este tema e aplicando-o principalmente na tutela do direito de família.

Quanto aos casos que chegam ao judiciário, podemos citar as demandas de dissolução da união estável e divórcio onde se discute a guarda dos pets, a regulamentação de visitas e os alimentos dos animais.

Embora não exista norma expressa quanto ao tema, a doutrina e a jurisprudência têm aplicado o conceito de família multiespécie em casos concretos quando observado o requisito primordial da afetividade entre os animais e seus tutores, sendo então considerados integrantes das famílias, merecendo assim respaldo judicial quando dissolvido o vínculo do casal.

A discórdia dos donos quanto a custódia do animal de estimação tem levado o judiciário a proferir decisões quanto ao direito de convivência, pagamento de alimentos e guarda e não apenas como objeto de partilha, porque a nova realidade que se apresenta está cada dia mais consolidada nos casos identificados como "filhos de quatro patas".

O IBDFAM discutiu o tema e firmou o entendimento de que "na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada do animal de estimação do casal". Países como Suíça e Alemanha já possuem legislações específicas do tema. No Brasil existem Projetos de Lei acerca desta temática.

O Tribunal de Justiça de São Paulo modificou uma decisão de 1º grau onde o juiz singular assentou que animais não seriam integrantes de relação familiar e negou o direito de visitas. Reformando a decisão, o TJ/SP aplicou por analogia o instituto da guarda no caso concreto.

O STJ manteve a decisão do Tribunal e a regulamentação de visitas porque averiguada a relação afetuosa entre homem-animal. Eis o que assentou o Ministro Luís Felipe Salomão:

Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -" proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade").

Outros Tribunais também coadunam com o entendimento empossado pelo Tribunal Paulista, a exemplo de decisões proferidas pelo Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

Por fim, o conceito de família multiespécie formado pelo vínculo entre humano-animal lastrada no afeto, no amor e na clareza de que os animais são dotados de sentimentos e não meros semoventes é um tema que vem ganhando cada dia mais adeptos entre as pessoas que optam por “filhos de quatro patas”. Com isso, o Poder Judiciário vem sendo chamado para resolver demandas que envolvem visitas, guardas e alimentos, cujas decisões são baseadas em aplicações analógicas porquanto inexistentes legislações específicas que regulamentam o tema.

*MARCELO BACCHI CORRÊA DA COSTA

-Advogado graduado pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, em Campo Grande/MS (1999)
-Especialista em Direito Público (2012)
-Especialista em Ciências Penais (2013)
-Advogado há 22 anos na cidade de Campo Grande/MS e região



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