Autora: Maria Rafaela de Castro(*)
Trata-se de um contingente de trabalhadores que estão em situação de marginalização social. São trabalhadores que desempenham funções pouco valorizadas ou até lembradas na sociedade que, por um aspecto, muitas vezes, histórico/cultural, é considerada com de quase ou nenhuma dificuldade para sua execução, não merecendo, portanto, grandes preocupações jurídicas.
São os garis coletores, os responsáveis pela limpeza em shopping centers, nos Tribunais em todo o país, no TST, o caixa do supermercado, o rapaz que embala as compras feitas, aquele outro senhor do estacionamento, a copeira que serve o cafezinho durante as audiências etc.
São aqueles que, em regra, possuem um ofício assalariado no mínimo constitucional ou pouco acima disso, somando-se os benefícios de eventuais negociações coletivas. Nesse azo, tem-se, ainda, o problema da invisibilidade do mercado informal. Nos dois casos existe sim a vivência da realidade brasileira com a precarização das relações de trabalho.
São aqueles que trabalham e desconhecemos totalmente, não só por uma vida cronometrada e repleta de compromissos, mas, principalmente, porque “não é interessante”. Essa condição não surge em razão de realização de atividades ilícitas mas simplesmente funções que são pouco valorizadas no meio social.
O interesse do tema surgiu da leitura da obra resultado da tese de doutorado de Fernando Braga da Costa, na USP, em que retrata as condições psicológicas de alguns trabalhos que não possuem visibilidade pública. São, geralmente, trabalhadores que não possuem rostos muito embora desempenhem funções essenciais como a limpeza pública urbana.
Mais a frente, considerou-se o projeto desenvolvido pela escola judicial do TRT da 1a Região que foi apresentado ano de 2019 no TRT 7. Trata- se de um projeto em que magistrados são levados a trabalhar em um dia de suas vidas nessas funções subalternas e compartilhar a experiencia.
Nessas duas inspirações, com aprofundamento de leituras, foi considerável a curiosidade de buscar o conceito e quem são os trabalhadores invisíveis. Ora, são atividades desenvolvidas por quem tem menos escolaridade e com baixa remuneração, demonstrando mais claramente a ideia de desigualdades, injustiças e preconceitos. Existe para eles uma mesma rotina pendular.
Aqui se observa dentro da situação da invisibilidade pública a referência mais baixa na escala do trabalho, ocorrendo, ainda, entre os próprios obreiros a situação de aviltamento dos iguais e a síndrome do pequeno poder de quem está só um passo acima na hierarquia da relação de trabalho. Há a identidade social negativa.
Além disso, atribui-se ao conceito de subalterno os que desempenham trabalhos não qualificados e intrinsecamente subordinados, sem qualquer autonomia, com possibilidade de descarte no mercado de trabalho, conferindo um sentimento de inferioridade, mediante um sentimento de desvalor pelo próprio trabalho realizado. Na hierarquia laboral/institucional, há elementos indicadores de relações conflituosas geradas pelo sentimento de rebaixamento.
Num país, como o Brasil, historicamente marcado por uma separação entre classes sociais como fruto de desigualdades econômicas em que se observam os perfis delineados no mercado de trabalho: aqueles que trabalham para sobreviver, submetendo-se a todas as condições impostas pelo empregador, seja quanto à remuneração e jornada; e, no outro lado, os que podem escolher aonde, como ou com quem querem trabalhar. Some-se a isso o alto índice de analfabetismo no país, além do analfabetismo funcional.
A invisibilidade pública é baseada por motivações psicossociais, antagonismo de classes, racismo estrutural, bem como numa concepção repetitiva de ambiente de trabalho desprovido de dignidade.
Além disso, diante das desigualdades sociais, vê-se o crescimento das relações de verticalidade no ambiente de trabalho, com uma margem maior das diferenças econômicas existentes. Tudo isso num círculo vicioso que gera a sobrecarga do sistema econômico.
Com essa perspectiva, até o atraso ao labor é um privilégio de classe, do qual os invisíveis não dispõem na dicotomia mencionada acima. Esse exemplo já denota a ideia de uma exclusão social e de estigmas nas atividades trabalhistas. Não que o atraso seja supervalorizado ou enaltecido. Mas é um aspecto a ser refletido, principalmente, no âmbito da sociologia das profissões que também abordam as relações de poder.
Além disso, aqui existe um contingente de trabalhadores que são braçais e que representam apenas um número e um crachá sem o autêntico conhecimento ou reconhecimento de que por trás dos uniformes existem pessoas com uma história de vida. Nessa submissão de classe e trabalhista, não há questionamentos culturais ou internos, salvo nas ações judiciais e em pontuais movimentos grevistas, a ideia de subordinação jurídica passa a ser mais evidente.
O preconceito e a falta de empatia impedem a visibilidade de muitos desses trabalhadores como seres humanos. Impedem de receber um mero cumprimento como um bom dia ou boa tarde e, por sua vez, são considerados a base da pirâmide de uma hierarquia funcional. Nesse ponto, é preciso um resgate da dignidade humana do trabalhador no seu aspecto de visibilidade.
Esses trabalhadores desempenham funções que exigem mais força física, alguns se expondo a uma humilhação social e, ainda, sem perspectivas de melhorias de condições, acomodam-se ou se acostumam as condições já impostas no sistema de não ser visto ou cumprimentado.
A bem da verdade, são trabalhadores que possuem uma atividade árdua, física, braçal, além de uma certa invisibilidade social. Simplesmente, são ignorados enquanto trabalham como se não estivessem ali. É aquele gari que ninguém observa, por exemplo, enquanto ele esvazia os depósitos nas ruas e avenidas. O trabalho braçal é difícil!
É como se esses trabalhadores invisíveis estivem presos numa realidade dicotômica de papeis: quem serve e é servido. Nessa relação segregacionista, observa-se uma legião de obreiros que não possuem rostos e nem nomes, acostumando-se com esse panorama, nem se rebelar quanto à sua condição de servir continuamente. Há aqui importante aspecto que se forma nos ambientes de trabalho com a perda da conexão com a realidade.
Ah, mas como tantos problemas sociais e econômicos pós pandemia, por que a preocupação com a situação de invisibilidade? Simplesmente porque num mundo acostumado à automatização e às estatísticas, torna-se fundamental o resgate do elemento humano, principalmente, na esfera do trabalho, fonte de seu sustento e sobrevivência.
Essa ideia de trabalho subalterno com a própria expressão também é digna de algumas notas. Primeiramente, quando se utiliza a expressão "subalterno" tem-se uma percepção de alguém inferiorizado, realizando atividades menos dignas ou despidas de intelectualidade.
O legislador constituinte não fez uso aqui da expressão "subalterno" mas sim trabalho manual, como forma de manter na mesma linha de valorização todos os trabalhos desenvolvidos na sociedade.
Quando consideramos um trabalho como inferior, subalterno, além da pecha preconceituosa, ainda, observa sim uma conotação de humilhação social. Até porque essa percepção subalterna seria fomentador de desigualdades sociais e econômicas. Existe claramente a ideia de propriedade do empregador em relação à mão de obra humana que pode ser traduzido em frase comum no ambiente laboral: "você trabalha para mim".
É uma espécie de cegueira social que não pode ser acompanhada de uma cegueira jurídica que se reflete em má remuneração, péssimas condições de trabalho e despojo da condição de trabalho digno. Traz-se à tona os extratos sociais diferenciados.
O peso dos "uniformizados" tem seu preço na sociedade, sendo imprescindível um olhar para o outro, o desenvolvimento de empatia que pode surgir sim do próprio Poder Judiciário e da coletividade. Os "uniformes" tornam as pessoas invisíveis porque não as valorizamos. Nessa assertiva, surgem os seguintes questionamentos, dentre outros.
Percebe-se, principalmente, que a invisibilidade pública vai além do que se reflete nas relações interpessoais, mas também no ambiente de trabalho e nas relações que surgem nesse ambiente. Disso surge a necessidade de conhecer a realidade e como tratá-las judicialmente para fins de evitar maiores prejuízos ao patrimônio moral dos trabalhadores.
Você já ignorou esse trabalhador? Pense bem...
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