terça-feira, 2 de maio de 2023

A uberização é uma relação de emprego?


 Autora: Maria Rafaela de Castro(*)

Trata-se de uma discussão que o mundo inteiro está desenvolvendo. Portugal, por exemplo, no ano passado, regulamentou a matéria no art. 12 – A do seu Código de Trabalho. O Brasil ainda está tateando no escuro.

Na uberização, encontram-se profissionais que prestam serviços sem qualquer contraprestação da legislação protetiva do trabalho, ficando à margem da proteção social e até de cobertura previdenciária. Nessa perspectiva, com os trabalhos prestados através das plataformas digitais e os contornos da 4ª Revolução Industrial, verifico a necessidade de um aprofundamento dessa problemática em nível social e econômico.

Quando mencionamos uberização, estamos tratando aqui não só da Uber, mas de todos aqueles que trabalham nas plataformas digitais, incluindo, os que entregam nossas refeições pelo Ifood, por exemplo.

O presente tema é atual, tendo em vista que os direitos humanos tendem a evoluir em sua interpretação e aplicação mediante as novas formas de trabalho que nascerão na sociedade capitalista contemporânea. É uma nova mentalidade do operariado na esfera mundial.

É imperioso o questionamento se essas novas formas de trabalho são frutos de modernização ou precarização das relações, como uma devastação integral das forças sociais do trabalho a até uma erosão dos direitos fundamentais que foram arduamente construídos no decorrer dos séculos. E, principalmente, se são relações de emprego disfarçadas.

No Brasil, por exemplo, há discussões se até mesmo essas novas relações possuem alterações apenas no formato, mas que seriam, essencialmente, vínculos de emprego tradicional, com diversas decisões judiciais conflitantes na seara trabalhista.

De fato, a uberização traz à tona a explosão de um novo proletariado de serviços. No mesmo passo, o ambiente de trabalho se mostra em declínio, com situações degradantes em que se revelam situações precárias e um retorno às piores condições da humanidade, tais como salários baixos, jornadas além de 12 horas diárias, sem direito às férias, aumento de número de acidentados do trabalho etc.

As intensas transformações experimentadas no mundo desde o último século, notadamente, as relacionadas aos modelos de produção e aos modelos de acumulação de capital, bem como as ideias do Vale do Silício com as teorias da economia compartilhada geraram reflexos profundos sobre os direitos sociais dos trabalhadores, sob o argumento de que são excessivos, desnecessários e ofensivos à economia.

Merece, ainda, a reflexão mais detida de como compatibilizar trabalhos exercidos na 4a Revolução Industrial e os direitos sociais conquistados no decorrer da História. Isso porque já fazem parte de nossa realidade e são mecanismos de trabalho que movimentam mão de obra em, praticamente, todos os continentes.

Com isso, a abordagem séria e detalhada do tema é medida até de utilidade pública para fins de auxiliar os próprios países em suas políticas previdenciárias e de cobertura, no futuro, de assistência social.

O fenômeno da uberização suscita a discussão sobre apologia de que o subemprego pode ser a causa da sobrevivência da economia e do crescimento dos mercados, mantendo o consumo ativo e a economia circulando. Mas a custo de quê? Vale a pena? A uberização por se tornar um mal estar na civilização?

Essas novas formas de trabalho são crescentes em todo o mundo. O modelo de trabalho é vendido como atraente e ideal, pois propaga a possibilidade de se tornar um empreendedor, com flexibilidade de horário e retorno financeiro imediato. Daí surgem os trabalhadores por conta própria, afastando-se da tradicional proteção trabalhista.

Das novas relações, há a discussão de que existe fragilidade e riscos decorrentes dos novos modelos de contrato de trabalho, oriundos de dispositivos tecnológicos, denominados de sharing economy – economia colaborativa ou cultura de compartilhamento.

Este tema se torna mais forte quando se trata dos trabalhadores das plataformas digitais, principalmente, com os serviços prestados à UBER, por exemplo, ou até mesmo aplicativos de entrega de alimentação em domicílios (delivery), tanto em situações de normalidades como de exceção do Estado, tais como declaração de calamidade pública, estado de sítio, estado de defesa etc, as pandemias da COVID – 19 etc na medida em que ficam sem receber contraprestação, pois a natureza desse trabalho é de uma vertente caracterizada pelo trabalho on-demand.

No Brasil, ainda não há consenso sobre o tipo de proteção trabalhista e social. Há divergências claras no que se refere a uma relação de emprego ou a uma mera prestação de serviço. Na Europa, por sua vez, já existe uma evolução, apesar de não ser pacífica, pois se deve observar alguns aspectos peculiares de cada país, preferências políticas e orçamentos distintos.

O Tribunal Superior do Trabalho já apresenta precedentes acerca da relação de emprego com os uberizados. O ideal, no entanto, é que a matéria seja legislada, observando-se que, enquanto isso, os uberizados ainda não sabem o que efetivamente são.

* MARIA RAFAELA DE CASTRO












-Graduação pela Universidade Federal do Ceará(2006;

-Juíza do Trabalho Substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 7a Região;

- Doutoranda em Direito pela Universidade do Porto.;

- Mestre em Ciências Jurídico – Privatísticas pela Universidade do Porto, em Portugal, com a dissertação “A greve dos juízes”, em vias de publicação em livro. Pós-Graduada em Processo do Trabalho e Direito do Trabalho pela Estácio de Sá. 

-Formadora da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;

-Professora de Cursos de Pós Graduação na Universidade de Fortaleza - Unifor;

-Professora de cursos preparatórios para concursos públicos;

-Professora do curso Gran Cursos online;

-Professora convidada da Escola Judicial do TRT 7a Região; Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; e

-Palestrante.

- Instagram @juizamariarafaela

Nota do Editor:

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