sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Diferenças entre Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio


 Autora: Maiara Tintiliano (*)

A fantasia está bonita, a maquiagem, também. Agora o cabelo… "Hello" Esse cabelo está parecendo um Bombril!", mencionou apresentadora em programa de televisão, no ano de 2016, ao referir-se à cantora Ludmilla.1

No mês de maio de 2018, em meio à transmissão de ritual realizado para recepcionar calouros indígenas e quilombolas, um internauta se manifestou na página da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), declarando: "Povo besta se fazendo de coitado. Levanta a cabeça e estuda. Mostra que embaixo dessa pele negra tem cérebro e não um estômago faminto"2

Os trechos acima mencionados são apenas algumas manifestações maldosas que diariamente são distorcidas e transformadas de ofensa e discurso preconceituoso para liberdade de expressão e por tanto, aos olhos do ofensor, inalcançável de uma severa punição.

Essa manifestação depreciativa e que desqualifica o sujeito, geralmente confundida como mera "opinião pessoal", esbarra em outros direitos fundamentais juridicamente tutelados para se proteger a pessoa humana, que nessa situação encontra-se diante de indenização por dano moral ou à imagem (art. 5º, inc. V) e a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, inc. X). 

Ainda, o discurso de ódio apresenta-se como um fator que limita a liberdade de expressão, posto que os excessos na sua evocação não podem ser e devem ser tolerados pelo sistema jurídico; cabendo, portanto, a utilização dos diversos mecanismos que o ordenamento possui para prevenir, combater e/ou reprimir a emissão de tais pensamentos que violam as suas diretrizes fundamentais.

Sabe-se que temos leis que em sua escrita, são poéticas, mas que na sua eficácia deixam a desejar, o que induz ao questionamento: quem se incomoda com uma condenação de cinco mil reais como reparação pelos danos morais? Se o intuito é punir e impedir a reincidência do ato, condenações baixas em seu valor, não só são uma piada como abrem espaço para que depreciação disfarçada de liberdade de expressão impulsionam ainda mais os discursos de ódio e a falta de encarceramento dessas pessoas os deixam ainda mais confortáveis na hora de disseminar o ódio.

Pois bem,é interessante destacar dois conceitos que são cruciais para diferenciar a mera opinião, constitucionalmente protegida, das manifestações odiosas, que devem ser combatidas, são eles:

(A) a noção de estigma – aqui compreendido no sentido que lhe é empregado por Erving Goffman[9], como uma disparidade depreciativa entre a identidade social real (reais atributos de alguém) e a identidade social virtual (como a sociedade costuma categorizar alguém) de um indivíduo ou grupo social, a partir de alguma característica que lhe é própria; contribuindo, portanto, para uma falsa percepção da realidade, que é responsável por desvalorizá-los perante o meio social no qual estão inseridos.

(B) o conceito de vulnerabilidade – que, do ponto de vista jurídico, representa a maior suscetibilidade de um indivíduo a sofrer lesões aos seus direitos, tanto na esfera patrimonial, quanto na extrapatrimonial (existencial).

Essa manifestação depreciativa e que desqualifica o sujeito, geralmente confundida como mera "opinião pessoal", esbarra em outros direitos fundamentais juridicamente tutelados para se proteger a pessoa humana.

À vista disso, pode-se, então, enquadrar o discurso de ódio como aquela enunciação que extrapola a liberdade de expressão ao contribuir para maximizar, perpetuar ou reforçar processos de estigmatização contra grupos vulneráveis, contribuindo, consequentemente, para o estímulo a discriminações negativas contra tais indivíduos, que, por sua vez, acentuam o seu processo de vulnerabilizarão sociojurídico.

Portanto, tais práticas não podem ser toleradas pelo ordenamento, devendo ser combatidas através dos mais variados mecanismos de salvaguarda de direitos que a ordem jurídica possui. A intervenção jurídica, portanto, pode ser e deve ser um método eficaz de inibição ao discurso de ódio, encontrando ferramentas de prevenção, repreensão ou reparação, tanto na esfera cível, como na criminal e que se ressalte, no momento não é eficaz suficiente para combater ou inibir o espalhamento de ódios nas relações.

Referências e notas:

APÓS condenação, Justiça acolhe recurso de Val Marquiori em processo movido por cantora Ludmilla. G1, 28 de março, às 14h14min, de 2021.
Disponível em:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/28/apos-condenacao-justica-acolhe-recurso-de-val-marquiori-em-processo-movido-por-cantora-ludmilla.ghtml . Acesso em 25 jun. 2021;

JUSTIÇA condena autor de comentário racista em transmissão do Facebook. Revista Consultor Jurídico, 23 de abril, às 20h48min, de 2021. 

Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-23/justica-condena-autor-comentario-racista-transmissao-facebook . Acesso em 25 jun. 2021;

KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e existencial: por um sistema diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 99, p. 101-123, 2015, p. 101-104.

Para um aprofundamento, consultar: LUCCAS, Victor Nóbrega; GOMES, Fabrício Vasconcelos; SALVADOR, João Pedro Favaretto. A Construção do Conceito Jurídico de Discurso de Ódio no Brasil: a matriz de variáveis. In: GOMES, Fabrício Vasconcelos; SALVADOR, João Pedro Favaretto; NÓBREGA LUCCAS, Victor (Coord.). Discurso de ódio: desafios jurídicos. 1. ed. São Paulo: Almedina: 2020.

 *MAIARA TINTILIANO TEIXEIRA



 











- Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista - UNIP - 2020;

- De esquerda, feminista e apaixonada pelas discussões políticas.

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