Autora: Larissa Rodrigues(*)
Com o falecimento de um familiar, frequentemente as famílias se deparam com questões delicadas a respeito da divisão de bens do De Cujus, sendo comum a disputa entre os herdeiros sobre os bens da partilha.
Esse entrave toma maiores proporções quando algum dos herdeiros já usufrui de um imóvel pertencente ao falecido. É o caso de filhos que moram com os pais ao longo da vida, por exemplo, situação bastante comum por diversos motivos, seja pela necessidade de cuidados dos genitores, seja pela falta de condições financeiras ou interesse do herdeiro em adquirir imóvel próprio e deixar o lar da família.
Sobre essa situação, surge a dúvida se, após o falecimento dos pais, o imóvel que já serve como residência do herdeiro pode ser usucapido por ele.
Para se chegar a uma conclusão a respeito desse questionamento,inicialmente é preciso considerar o conceito de usucapião, a qual pode ser descrita como a aquisição da propriedade decorrente da posse sem oposição, contínua, por determinado período de tempo. Os requisitos variam de acordo com a modalidade de usucapião que se requer, as quais estão previstas nos artigos 1.238 a 1.244 do Código Civil.
Dentre as várias modalidades de usucapião, estão a usucapião de imóvel rural (artigo 1.239 do CC), usucapião de imóvel urbano comum (artigo 1.240 do CC) ou familiar (artigo 1.240-A do CC), usucapião ordinária (artigo 1.242 do CC) e usucapião extraordinária (artigo 1.238 do CC). Há, ainda, a usucapião especial coletiva, que está prevista no artigo 10 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001).
Importante observar que, pelo ordenamento jurídico, não há previsão acerca da questão colocada em estudo, qual seja, usucapião de bem de herança. Portanto, surgiu a necessidade de criação de jurisprudência a respeito do tema, depositando-se a questão à apreciação do Poder Judiciário.
Nessa conjuntura, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp n°1.631.859, já decidiu que é possível ao herdeiro pleitear usucapião de bem de herança, desde que cumpridos os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, prevista pelo artigo 1.238 do Código Civil, in verbis:
"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."
Da análise do dispositivo em questão, verifica-se a necessidade de cumprimento dos seguintes requisitos:
● Posse exclusiva e ininterrupta do imóvel;●Prazo de 15 anos (que se reduz para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia, ou nele realizados obras ou serviços de caráter produtivo, como benfeitorias, por exemplo);●Posse mansa e pacífica, ou seja, sem a oposição dos demais herdeiros;● Animus domini (posse com intenção de dono)
Não obstante, segundo os critérios fixados pelo STJ, para que o herdeiro possa pleitear a usucapião de um imóvel de herança, é importante que ele tenha capacidade jurídica. Ou seja, o herdeiro precisa ser detentor do poder de agir no âmbito cível, o que não significa que, devidamente representado ou assistido, o herdeiro incapaz não possa pleitear a usucapião, afinal, isso evidenciaria flagrante violação de direito.
Ainda, o bem objeto da usucapião precisa estar no mercado imobiliário,ou seja, existir no plano físico e documental.
Além disso, é importante que os vizinhos vejam o possuidor como o dono do imóvel quando ele, por exemplo, cuida da propriedade, realiza reparos necessários ou possui ali fixada a sua residência.
Acerca do tempo da posse, não há óbice que ela ocorra, em parte,durante a vida dos proprietários/ e, em parte, após o óbito destes.
Isso quer dizer que, se apenas um filho reside com os pais, em vida, em imóvel de propriedade destes, e ali continua residindo após o óbito dos genitores, sem oposição dos demais herdeiros, exercendo a posse exclusiva e com a intenção de dono, pelo prazo de 10 (dez) anos, ele pode pleitear a usucapião do imóvel, mesmo sendo be de herança. Esse prazo sobe para 15 (quinze) anos se o herdeiro em questão não tiver fixado a sua moradia no imóvel, desde que cumpridos os demais requisitos para pleitear
essa modalidade de usucapião.
Verifica-se, portanto, que a usucapião entre herdeiros é possível, mesmo que se considere um caso bem específico no mundo jurídico.
Desta maneira, o trabalho de um advogado especialista será essencial para o maior sucesso na realização do requerimento de usucapião para o herdeiro, após a análise do caso concreto e de todas as particularidades e nuances que cercam a questão.
*LARISSA GONÇALVES RODRIGUES
-Advogada inscrita na OAB/RS n° 107.592;
-Graduada pela Universidade de Caxias do Sul(2017);
-Especialista em Direito Imobiliário e Condominial pela Universidade Cruzeiro do Sul(2021);e
-Graduada pela Universidade de Caxias do Sul(2017);
-Especialista em Direito Imobiliário e Condominial pela Universidade Cruzeiro do Sul(2021);e
-Vice-Coordenadora da Comissão de Direito Imobiliário - OAB/RS Subseção Caxias do Sul.
Nota do Editor:
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Muito interessante
ResponderExcluirÓtimo texto da advogada Larissa Gonçalves. Obrigado!
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