Autora: Josiane Rodrigues Jales Batista(*)
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem como principal objetivo garantir a proteção integral das crianças e adolescentes no Brasil. Isso inclui assegurar seus direitos fundamentais e proporcionar condições para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, sempre em condições de liberdade e dignidade.
Mas nem sempre foi assim. Antes de 1990, ano da promulgação da Lei nº 8069 em 13 de julho, as crianças e adolescentes não eram vistas como sujeitos de direitos, mas objetos de duas famílias e não havia proteção ampla para elas.
Quando o Estado intervinha na relação da família com a criança e adolescente eram quase as mesmas atitudes para com os adultos e em alguns casos havia apenas diminuições de pena, de encarceramento etc. Não havia uma legislação específica que garantia os direitos da criança e do adolescente.
Entretanto, essa postura de tratamento começou a sofrer modificações, a partir de um caso internacional ocorrido nos Estados Unidos em 1896 (final do século XIX) da menina Marie Anne (9 anos de idade). Ela era maltratada pelos pais. Foi espancada e sofreu violência de vários tipos e ninguém fazia nada sobre o fato, porque não tinha esse sistema de proteção sobre a criança e adolescente. A Sociedade Americana de Proteção aos Animais ficou tão indignada que entrou com uma petição à Corte de Illinois (EUA) alegando que "nem os animais devem viver num ambiente ofensivo, violento, quanto mais uma criança".
Nascia ali o Direito dos Menores. Com este caso, houve o surgimento da primeira Liga de Proteção à Infância, que se tornou um organismo internacional. Em 1899, instalou-se o primeiro Tribunal de Menores do Mundo.
Em nosso país, no mesmo período dos EUA não havia uma legislação específica e as crianças eram consideradas objetos de suas famílias e somente quando havia o cometimento de infração por essas crianças e adolescentes é que o Estado era chamado para poder corrigir o erro, sendo colocadas no encarceramento junto com os adultos.
Em 1927 tivemos o primeiro Código de Menores no Brasil que foi trazido por um Juiz de Direito, chamado José Cândido de Alburquerque Mello Mattos. Esse juiz tentava fazer o papel de um pai e psicólogo ao mesmo tempo. Ele conversava com a criança/adolescente a fim de tentar descobrir se o menor tinha condições de saber, entender, se havia consciência do ato praticado. Com base nesta análise ele calculava a pena.
Perceba que apesar de haver a tutela estatal no que tange a responsabilização no cometimento de alguma infração, apenas, já iniciava a preocupação de se averiguar a consciência da criança/adolescente com o objetivo de compreender melhor esta fase da vida.
E em 1979 nasceu o segundo Código de Menores, mas pouco protetivo, também, e muito disciplinador. A ideia era disciplinar as crianças/adolescentes que não tivessem dentro do padrão da normalidade, mas incluíam todas as situações no mesmo rol, ou seja, crianças abandonadas, em situação de mendicância ou que estivessem em conflito com a lei eram tratados pela mesma legislação.
Não se havia a diferenciação de proteção de punição e nem de crianças e adolescentes.
No Brasil em 1988 já estávamos caminhando para a instauração do Estado Democrático de Direito no país, com a promulgação da Constituição Federal. Isso fez com que houvesse o entendimento de que as crianças e os adolescentes tivessem o tratamento como sujeitos de direitos, o que é possível analisar pelos artigos da Carta Magna: 226, 227 e 228.
No ano seguinte, em 1989, o Brasil ratificou a Convenção Internacional dos Direitos à Criança, incorporando as normas em nosso ordenamento jurídico.
E agora voltamos para 1990, com a promulgação do ECA, lei específica que trouxe a diferenciação por idade de quem é criança (até 11 anos) entre adolescentes (entre 12 e 17 anos) e elencou objetivos da Lei na proteção do menor:
Ø Proteção Integral: é a busca do máximo de mecanismos que visem a condição de vivência desenvolvimento das crianças e adolescentes;Ø Primazia no atendimento: as crianças e adolescentes tem prioridade no atendimento nas políticas públicas; eØ Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento: a criança e o adolescente estão em desenvolvimento e não possuem completa consciência de seus atos.
O critério biopsicossocial foi abordado em nosso ordenamento jurídico, onde o critério físico tem relação com o desenvolvimento físico, biológico; o critério psicológico, analisa o comportamento diferente de maturidade de acordo com a idade; e a questão social é da própria destinação do que vai ser para cada indivíduo.
A partir disso é que se distinguiu as medidas protetivas de medidas socioeducativas. No código de menores, (fase tutelar) não havia uma divisão exata dessa diferença de proteção para a repressão. O viés era muito mais repressivo do que protetivo.
O ECA pensou que para as crianças, uma vez que não possuem consciência completa de seus atos, atribuiu-se as medidas protetivas quando do cometimento de alguma infração. A lógica aplicada aqui é de que alguém falhou com esta criança, seja sua família, o Estado ou a sociedade, e por isso ela chegou até aquela situação. Por isso a medida protetiva é para protegê-la das vulnerabilidades em que ela está inserida.
Contudo, para os adolescentes, devido o critério da consciência/raciocínio ser muito maior do que de uma criança, além das medidas protetivas também temos as medidas socioeducativas, que são uma responsabilização do adolescente frente ao cometimento de algum ato infracional (fase protetivo garantista).
Na atualidade o ECA sofre inúmeras críticas tais como: que apesar da boa intenção ele não é plenamente implementando, pela falta de recursos e investimentos das políticas públicas; e é visto como um dispositivo que protege infratores e que é brando na punição dos adolescentes, havendo falha do Estado na recuperação destes jovens.
É necessário que como sociedade entendamos nossa obrigação, instituída na CF/88 de garantir a proteção das crianças e adolescentes. Infelizmente vivemos um tempo em que as crianças estão sendo alvo de inúmeras violências e precisamos combater energicamente.
Meu artigo tem a intenção de fazer você compreender que é responsável por lutar pela proteção dessas crianças e adolescentes cujo futuro está sendo roubado pela violência, drogas, sexualização e tantas outras coisas nocivas que esta geração perversa quer legalizar/normalizar.
O Estatuto trouxe a proteção que faltava e a responsabilização ao menor, mesmo que para muitos não seja justa. Devemos entender, também, que somente a redução da maioridade penal não resolve o problema do crime organizado no país.
Voltemos a proteção das crianças e adolescentes que estejam em situação de risco e vulnerabilidade, proporcionando a elas uma vida livre, digna e saudável. Você tem a responsabilidade de denunciar qualquer abuso ao Conselho Tutelar, a Polícia Militar, aos órgãos de proteção ao menor. Não se omita!
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil: [s.n.], 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 set.2024;
EDILENE. Foram muitas lutas para que criança fosse considerada cidadã. 1.3 Caso Marie Anne e o Primeiro Tribunal de Menores. [S.I.:s.n.], 2026. Disponível em: https://edilenegentebichoverde.blogspot.com/2016/05/foram-muitas-lutas-para-que-crianca.html. Acesso em 22 set. 2024; e
LEI,8.069 [s.n.], 1990
Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm.
Acesso em 22 set. 2024.
*JOSIANE RODRIGUES JALES BATISTA
-Graduação em Direito pela Escola Superior de Negócios (2010);
-Pós- graduação em Direito e Processo do Trabalho pela UniArnaldo (2016);
Docência com ênfase em Educação Jurídica pela UniArnaldo -Belo Horizonte - MG (2022);
-Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade São Judas Tadeu (07/2024)
-Advogada e professora, com foco na aprendizagem ativa e gamificação. O Curso de Aprendizagem ativa e Gamificação no ensino jurídico foi ministrado pela Professora e Procuradora Hilda Goselin (2022);
-Articulista no O Blog do Werneck;
-Integrante do Grupo de Estudos Permanente da Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas e
-Membro da Comissão do Direito na Escola, ambas da OAB/MG. @josianejrjb".
Nota do Editor:
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