sábado, 26 de setembro de 2015

Os Mecenas controlaram a educação


Os Alquimistas estão chegando, os Mecenas controlaram a educação. O admirável mundo novo tornou-se a constatação de uma mediocridade pedagógica. 

Por volta dos fins dos anos 80, embalados pelo pop rock nacional de forte cunho político-social, ideologia significava uma identidade, uma busca por objetivos, enfim, uma referência a ser seguida. Aliás, ideologia, eu quero uma pra viver, já bem dizia Cazuza, era o conditio sine qua non da vida, era uma condição necessária à existência. Belos tempos de rebeldia intelectual ativa. Belas músicas que guiavam uma juventude ávida por conhecimento e pela autonomia de construção de seus próprios caminhos, largando às armaduras do sistema que nos conduziam para um calabouço mental. Realmente grandes tempos. Mas, o tempo não para! Às vezes o tempo assume o papel de um algoz impiedoso dos homens, das mentes, das juventudes ávidas. 

Eu era um deles! Era um jovem promissor. Era um possível lutador e reconstrutor da minha história, e para isso debrucei-me com todas as minhas potencialidades sobre mim mesmo, acreditando, assim, que tudo começaria ali. Acreditava que toda a estrutura seria capaz de ser transformada por simples gestos e ações, e que as ações deveriam sair de mim primeiro. Concordo! 

Todas e quaisquer mudanças sociais têm um epicentro que geralmente é o nosso interior, e depois é impulsionado para o externo como forma de explosão, contaminando o que está ao redor. Mas, por que não houve a mudança? Por que há implosão ao invés da explosão? Talvez Shakespeare tenha a resposta, pois no ato I de Hamlet, obra de grande fôlego literário, ele afirma, “há mais coisas entre o céu e a terra do que pode sonhar tua filosofia”. Eis aí uma possível saída para a explicação do entrave de uma caminhada política iniciada nos anos 60/70 e solidificada nos anos 80 não ter mais sua essência visível. Na verdade, nossos heróis devem ter morrido de overdose. 

Na minha trajetória de jovem promissor, a responsabilidade de constituir o corpo educacional de um país esfacelado. Poderia aí ser o início da revolução programada por mim? A revolução interna causadora do big bang social e político? A resposta, o algoz do tempo mostrou. De início, formidáveis esperanças, projetos, ações, eram norteados por preciosos, e porque não, graciosos teóricos de plantão. No rosto, estampava-se a alegria do início de uma vida profissional, os primeiros passos à caminho da educação institucional igualava-se a uma criança que encanta-se com a arte de descobrir um mundo novo ao seu redor. O admirável mundo novo que agora estava diante de mim forneceu-me forças, idéias, imaginações, quase todas inocentes e embrionárias. 

Mesmo assim, caminhei em busca da solidificação de um sonho, inicialmente pessoal, mas de origem coletiva, fruto de uma época de contestações. Um sonho de mudar o país. Estava claro pra mim, que a educação era o único meio para a concretização desses sonhos, e eu, o jovem promissor, comprometido com as “pseudo-propostas” de revolução educacional, seria o instrumento divulgador da mesma. 

Ao longo da formação acadêmica, a nitidez dos acontecimentos saltou aos olhos como uma verdade bruta, cruel e espantosa. As teorias de revolução educacional não são tão revolucionárias assim, a preocupação na formação dos homens-bombas da educação, aqueles responsáveis pela explosão e contaminação da sociedade, não é de todo satisfatória. As instituições responsáveis pela condução dessa revolução ideológica, não passam de cavernas platônicas, onde o que se enxerga nada mais é que às sombras da pálida e propagada condução para a emancipação revolucionária pedagógico-social. A pedagogia renovadora e transformadora, cede lugar à reprodução de conhecimentos verticalizados condutores de um adestramento social coletivo. “Segundo Nietzsche, a verdadeira educação dá-se quando proporcionamos que alguém desenvolva sua real potencialidade, e não canalizamos o outro para a nossa vontade”. Na verdade, a prática da educação começou a fomentar em mim uma brutal desesperança por não enxergar, num horizonte próximo, a formação de cidadãos conscientes de sua importância social, são meros indigentes falando a mesma língua em rostos diferentes, não possuem o poder de se situar no tempo e no espaço, não possuem sequer vontade. 

Enfim, gradativamente, a vocação do jovem promissor foi enterrada. Em seu lugar surge o ideal missionário de educar, ou melhor, mediar, como se o processo educacional fosse linear e limitado. Grande mediador, educador, missionário, como queiram, é aquele que consegue trabalhar dentro de um sistema engessado e falido, com satisfação no rosto e sensação de dever cumprido. Quem contesta o sistema é subversivo e perigoso, é o que rema ao contrário de todos, é o diferente. De sonhador a descrente, de condutor a passivo, de professor a educador, essa foi à trilha do jovem promissor. O abismo criado entre a teoria filosófica da prática pedagógica divulgadas nas cavernas platônicas das universidades, e o labor da prática educacional das salas de aula brasileiras – oásis de dominação – é a demonstração do total descaso que as autoridades tratam a educação. Os alunos são números estatísticos de propagandas mirabolantes, onde deveriam ser apenas seres humanos. As escolas são pequenos afeganistões, devido a péssima qualidade e estrutura das mesmas. Os professores transformaram-se em mercenários na busca louca de pleitear uma vaga na esfera pública, pois isso significa segurança, ou seja, a sua finalidade foi inteiramente desviada. O assistencialismo educacional assumiu um papel de grande relevância social, a “bolsa família” hoje é nossa maior teoria pedagógica – embora reconheça que a assistência do programa bolsa família seja um paliativo na condição de miséria humana, enxergo que o mesmo não emancipa ninguém, tornando-se, assim, mecanismo de controle e dependência -, nossos políticos, em grande parte, são os grandes predadores de nossa própria história, são os carrascos do nosso regime educacional, guiados pela égide capitalista liberal. Hoje, os alunos são clientes da escola, e como clientes, possuem todos os direitos e quase nenhum dever. Hoje, o jovem promissor, não mais acredita que poderá contagiar a sociedade, pois a mesma encontra-se, desde já, mergulhada numa profunda inércia, possuindo antídoto para minhas contaminações ideológicas. Hoje, a realidade me aparece nítida e cruel, meus discursos não saíram dos discursos, minha fala não possui consequência, o admirável mundo novo, agora, não passa de uma fria constatação de uma mediocridade pedagógica vigente. 

Postado por REGINALDO CABRAL



-Professor de História e Sociologia

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