O ciclo vital de todos os seres vivos é composto por quatro grandes fases principais: nascimento, crescimento, reprodução e morte. Uma gravidez, seja ela esperada ou não, representa a principal crise na vida de um ser humano, pois impacta todos os envolvidos em muitas áreas: social, afetiva, emocional, financeira, profissional e assim por diante (EIZIRIK,2001).
Muito já se falou dos impactos da gravidez e da chegada de um filho na vida das mulheres, pois apesar de isso nem sempre ter sido assim, já que na idade média, por exemplo, as mulheres não faziam muito além de parir seus bebês, que eram amamentados e cuidados até os seis anos de idade por amas de leite e serviçais, passando depois a dividirem as tarefas da casa e sendo considerados mini adultos; foi somente no século XVIII com o advento do capitalismo, da burguesia e da sociedade patriarcal, que as mulheres passaram a assumir o papel de mães, cuidando de fato de seus filhos. Mas, mesmo assim, a sociedade atual vende a idéia de que a maternidade é algo instintivo da mulher e a destaca como principal responsável pelos cuidados da criança, enchendo a internet e a mídia de informações de como a mulher deve viver esse momento (LEAL, 1997).
Não se discute que a mulher é a pessoa mais diretamente envolvida na geração e nos cuidados iniciais de uma criança, mas existe um elemento que é fundamental para que as coisas corram bem nesses momentos e que é deixado de lado, o pai. O que passa na cabeça de um homem quando descobre que sua namorada, noiva, companheira, esposa ou ficante está grávida? Independente do tipo de relação que se tenha, como o futuro pai lida com a gestação? Quais são suas angústias? Como se sente quando o bebê nasce? Enfim, o que acontece quando um homem vira pai?.
Se as mulheres não nascem prontas para serem mães, apesar de serem incentivadas a brincarem de casinha desde crianças, que dirá os homens, que ainda são criados para proverem o lar. Historicamente, os homens saem de uma condição que lhes permitia decidir se iam ou não dar seus nomes aos filhos que tinham, de acordo com sua conveniência; passando pela obrigação de apenas sustentar seus filhos financeiramente, chegando ao que começa a existir nos dias de hoje: a paternidade sócio-afetiva, que ocorre quando um homem sustenta uma criança emocional, social e financeiramente, independente de haver ou não laços sanguíneos (ARIES, 1981).
Quando descobre que vai ser pai, o homem sente uma infinidade de coisas ao mesmo tempo: euforia, medo, ansiedade, alegria, angústia... Questiona a si mesmo se vai dar conta, fica curioso sobre como será a criança, imagina como gostaria que ela fosse, pensa em como vai se sair cuidando dela. Nesse sentido, é bem parecido com a mulher. A diferença pode ser o jeito de expressar tudo isso, pois o homem é ensinado a ser mais contido e a não parecer fraco, enquanto a mulher pode expressar o que sente mais claramente. Assim, alguns homens podem evitar falar de certos assuntos, o que muitas vezes é visto pelas mulheres como indiferença (BORNHOLDT & WAGNER, 2005).
Outra coisa que é diferente, é que a vida das mulheres começa a mudar imediatamente, por causa dos sintomas e das mudanças que a gravidez provoca em seus corpos, enquanto que, para os homens, passado o primeiro impacto da notícia, fica mais fácil manter sua rotina normal, o que pode ser visto pelas companheiras como egoísmo. Por isso, é importante que elas envolvam os pais de seus filhos em todos os preparativos e nas etapas do pré-natal, até a chegada da criança. Pode não parecer em alguns casos, mas os homens esperam que a mulher abra esse espaço, pois a maioria dos homens não é muito pró-ativa nesse sentido, não por falta de vontade ou de interesse (BORNHOLDT et al., 2007).
O nascimento da criança é o momento em que a maioria dos homens sinaliza como sendo o que a ficha caiu de fato, que eles realmente entenderam o que está acontecendo em suas vidas e o tamanho do que é ser pai. Nessa fase eles relatam um amadurecimento intenso e rápido, um aumento do senso de responsabilidade, uma mudança nos valores e nas prioridades (BORNHOLDT, et al., 2007).
Chegar em casa com o bebê é a parte mais difícil, pois é a hora em que as mudanças, que já estavam impactando a mulher desde o começo, passam a atingir o homem concretamente: mudar os horários das refeições, do sono, não ter mais liberdade para fazer o que se quer, quando se quer, ter de conviver não só com o filho, mas com outras pessoas em casa (como acontece quando algumas mulheres contam com a ajuda da mãe). A perda da exclusividade da atenção da mulher é algo que gera muita culpa, pois os homens gostam que a mulher cuide do filho, mas se frustram com o afastamento que, nos primeiros meses é inevitável (CARTER & GOLDRICK, 1995).
Tudo piora se a mulher, muitas vezes por instinto ou por ter sido ensinada que é ela a responsável pela criança, dificulta ou limita que o parceiro a ajude nos cuidados o que é fundamental que ocorra, pois é assim, também, que o vínculo entre pai e filho começa, além de aliviar a sobrecarga da mãe, que é enorme nos primeiros meses por causa da amamentação, e para fortalecer a cumplicidade do casal, agora como pais (CARTER & GOLDRICK,1995).
Conforme a criança cresce, o homem se admira de ver comportamentos ou características físicas parecidas com as suas, no filho, e começa a se preocupar em ser um bom exemplo, em proporcionar uma educação de qualidade. É nesse momento que as experiências que o homem teve com seu próprio pai vão contar: geralmente ele vai repetir com seu filho o que seu pai fez de bom e tentará não repetir atitudes que ele não viu como positivas (BRADT, 1995).
A experiência de ser pai não termina nunca: o bebê recém-nascido, a infância, adolescência e até mesmo quando os filhos se tornam adultos, são todas fases desafiadoras, repletas de preocupações, frustrações, culpas, arrependimentos, dúvidas mas também de aprendizado, crescimento, auto-conhecimento e realização para os pais. Essa experiência tem significados únicos e diferentes para cada homem, mas é importante que o que eles sentem seja mais considerado por todas as pessoas, para que eles possam apoiar as mães de seus filhos nas tarefas que são exclusivamente delas (gestação, parto e amamentação) e dividir todos os outros cuidados de uma forma que beneficie mais a nova família como um todo.
REFERÊNCIAS:
ARIES, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1981;
BORNHOLDT, E. A.; WAGNER. A. A gravidez à luz da perspectiva paterna: aspectos relativos a transgeracionalidade. In: WAGNER, A. Como se perpetua a família? A transmissão dos modelos familiares. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 81-92;
BORNHOLDT, E. A.; WAGNER, A.; STAUDT, A. C. P. A vivência da gravidez do primeiro filho à luz da perspectiva paterna. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 75-92, 2007;
BRADT, J.O. Tornando-se pais: famílias com filhos pequenos. B. Carter & M. McGoldrick. As mudanças no ciclo vital familiar. (pp. 206-222). (M.A.V. Veronese, trad.). Porto Alegre: Artes Médicas. 1995;
CARTER, B.; GOLDRICK, M. As mudanças no ciclo familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995;
EIZIRIK, C. O ciclo da vida humana: uma perspectiva psicodinâmica. Porto Alegre: Artmed, 2001; e
LEAL, T.. Transformações sócio-culturais da gravidez e da maternidade: Correspondente transformação psicológica, pp. 201-214. In J. L. Pais Ribeiro (Ed.), Actas do 2º Congresso de Psicologia da Saúde, Braga. Lisboa: ISPA, 1997.
POR RENATA PEREIRA
-Psicóloga formada pela Universidade Prebsteriana Mackenzie;
-Especialista em Terapia Comportamental Cognitiva pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP;e
Atende adolescentes e adultos em psicoterapia individual e em grupo.
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Email: renatapereira548@gmail.com
Twitter:@Repereira548
NOTA DO EDITOR :
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E a diferença de comportamento da mãe em relação ao parto quando normal e quando cesárea?
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