Atualmente, com o alto índice de desemprego no Brasil, com a necessidade de capacitação continuada e formação acadêmica, para manutenção do emprego ou retorno ao mercado de trabalho, fazem dos cursos de graduação ofertados nas modalidades a distância uma ótima opção, para aqueles demasiadamente ocupados e também para os dispostos a gastar menos.
Neste contexto, é notório o crescimento da modalidade a distância e os números impressionam. De acordo com os dados do último Censo EAD. BR 2015, existem 5.048.912 alunos matriculados na modalidade, ou seja, 1.180.296 estudantes registrados a mais do que em 2014. É possível também fazer uma projeção: em 2023 haverá mais estudantes na modalidade EaD que o presencial.
Mas, o que significa exatamente Educação a Distância? Há um amplo repertório de definições para essa modalidade e, à medida que as tecnologias evoluem, muitas dessas definições são reelaboradas. Alguns autores enfocam as próprias especificidades técnicas, outros, as características sociais da EaD, mas a maioria enfoca a separação física entre professor e aluno.
Dentre os vários conceitos existentes, considero a EaD como:
"Educação a Distância é uma modalidade de ensino em que os participantes, embora distanciados no espaço físico e muitas vezes temporal, estão unidos em uma poderosa rede de aprendizagem, midiatizados por diversas ações comunicativas, como: fóruns, chats, e-mails, WIKI, videoconferência, entre outros e também pelo conteúdo midiático, disponibilizado em vários formatos, como: áudio, CD ROM, videoaula, material impresso, MP3, MP4, etc., cujo acesso pode ser realizado por meio de aparelhos celulares e, principalmente, computadores. Todos esses recursos e ferramentas alimentarão os momentos de interação, troca, reflexões do grupo participante, levando-o a aprendizagem e proporcionando, também, o surgimento de vigorosos laços sociais. Portanto, não estão solitários já que executam atividades síncronas e assíncronas, sob orientação do professor-tutor numa grande interação com o grupo. (PINO, 2012, p.29)"
A Educação a Distância não é uma modalidade nova de ensino, aliás, minha avó foi aluna do curso a distância na década de 60, no entanto, é difícil precisar uma data de início no Brasil. Em 1923, a rádio Sociedade do Rio de Janeiro de Roquette Pinto já anunciava cursos a distância e alguns anos depois, o MEC passou a oferecer cursos a distância por intermédio do rádio. Mas, o que podemos dizer sobre essa modalidade hoje? Como aprendemos no século XXI ?
Considerando-se as transformações da sociedade atual e o universo oceânico de informação que ela abriga, é importante o direcionamento da capacidade em buscar o conhecimento de acordo com suas próprias necessidades de desenvolvimento, o estudante escolhe o que quer aprender: esse é o princípio da proposta heutagógica de educação.
O termo Heutagogia é oriundo do grego: heuta – auto e agogus – guiar. Este foi criado em 2000 por Stewart Hase e Kenyon, professores da Southern Cross University –Austrália. Para estes os autores, a Heutagogia vai além da aprendizagem autodirigida, pois é um novo paradigma para a educação e propõe, em contraposição à Andragogia e à Pedagogia, um processo de ensino em que o professor fornece os recursos, mas cabe ao estudante traçar seu percurso de aprendizagem, autodeterminando, escolhendo o que para ele é relevante.
Heutagogia, como afirmam os autores, não é algo que fazemos às pessoas, uma vez que os indivíduos estão naturalmente pré-dispostos a aprender. O que os princípios da aprendizagem autodeterminada enunciam são a criação de uma experiência otimizada pela facilitação ao acesso à informação e ao conhecimento por meio de diversos dispositivos tecnológicos e da alta velocidade de comunicação, ou seja, a Educação focada nos aspectos cognitivos e nas necessidades das pessoas e da sociedade do século XXI, em contextos formais e informais.
De acordo com Kenyon e Hase (2013), percebe-se grande influência da proposta construtivista nessa teoria, pois as pessoas constroem seu próprio senso de mundo e de realidade, a partir de suas experiências, ou seja, o aprendiz está ativamente envolvido em sua própria aprendizagem. Porém, a Heutagogia está relacionada à noção filosófica do autodeterminismo e compartilha uma crença comum sobre o papel do comportamento da humanidade: compartilhamento de informações e conhecimento, favorecidos pela tecnologia e acesso à rede.
A ideia de Educação Humanística é essencial ao aprendizado autodeterminado, uma vez que esta parte do princípio de que humanos têm a capacidade de fazer escolhas, tomar decisões, e depois agir sobre elas, modificando a realidade social. Na Heutagogia o aprendizado acontece por meio de experiências práticas, do acerto e erro, do compartilhamento de ideias e pelo aprendizado colaborativo, que envolve a exploração, interação, experimentação e reflexão-ação.
A proposta heutagógica defende o ideal de um currículo aberto e negociado com base nos conceitos de aprendizagem. Hase (2013) defende que a compreensão do aluno é móvel, mutável, complexo e emergente, por isso exige que dados essenciais em termos de conteúdo, contexto e processos sejam mais amplos e abertos. Por isso, os materiais dos cursos da modalidade EaD e suas respectivas atividades precisam ser pensados de tal modo que viabilizem a habilidade de aprender, o processo de adquirir conhecimento, e a construção de ambientes colaborativos de aprendizagem, cujo enfoque esteja no processo cognitivo e não apena no conteúdo. Diante deste cenário de mudanças, os desafios Institucionais são muitos: pedagógicos, tecnológicos e até no ajuste de modelo de negócio.
Os cursos superiores da modalidade a distância têm crescido no Brasil por diversas razões, dentre elas: custos mais baixos, flexibilidade de horários, qualidade dos recursos tecnológicos, mas temos ainda muitos desafios pela frente, já que muitos estudantes desta modalidade não são nativos digitais e tendem a evadir diante dos diversos problemas de ordem tecnológica e ajuste ao modelo pedagógico. Os índices de evasão também são altos: variam de 26% a 50%.
Apesar de eventuais preconceitos acerca da modalidade, já que alguns desacreditam que seja possível aprender virtualmente, a EaD já faz parte do contexto educacional do século XXI e ela vem contribuindo com algumas de suas estratégias e ferramentas digitais no ensino presencial, pois o perfil dos estudantes também têm se modificado rapidamente: são os nativos digitais, termo cunhado por Marc Presnky (2001):
"Some refer to them as the N-[for Net]-gen or D-[for digital]-gen. But the most useful designation I have found for them is Digital Natives. Our students today are all “native speakers” of the digital language of computers, video games and the Internet.[1](PRESNKY, 2001, p. 1)"
Acredita-se que, futuro próximo, a geração “não nativa digital” apresentará maior familiaridade com os dispositivos tecnológicos, bem como preferência pelas atividades interativas, favorecendo a integração das modalidades presencial e virtual: hibridismo educacional.
O desafio de educar e educar-se a distância é grande, por isso o Ministério da Educação estabelece Referenciais de Qualidade da EaD[2] para a autorização de cursos de graduação a distância. Seu objetivo é orientar alunos, professores, técnicos e gestores de instituições de ensino superior que podem usufruir dessa forma de educação ainda pouco explorada no Brasil e empenhar-se por maior qualidade em seus processos e produtos. Para cursos de nível fundamental e médio, inclusive técnico, esses indicadores de qualidade são definidos pelos Conselhos Estaduais de Educação, órgãos responsáveis pela normatização, autorização e supervisão desses níveis de ensino (conforme Decreto 2.561, de 27 abril de 1998), revogado em pelo Decreto nº 9.057 publicado em 26 de maio de 2017, retificado em 30 de maio de 2017.
A base principal das práticas de qualidade nos projetos e processos de educação superior é garantir continuamente melhorias na criação, aperfeiçoamento, divulgação de conhecimentos culturais, científicos, tecnológicos e profissionais que contribuam para superar os problemas regionais, nacionais e internacionais e para o desenvolvimento sustentável dos seres humanos, sem exclusões, nas comunidades e ambientes em que vivem.
Os indicadores dos Referenciais de Qualidade abaixo não têm força de lei, mas servem para orientar as Instituições e as Comissões de Especialistas que forem analisar projetos de cursos de graduação a distância. De modo geral, vemos que não se trata apenas de tecnologia, mas tem como fundamento a estruturação do processo educativo, que busque a formação ampla do cidadão que contemple aspectos sócio-culturais e, ao mesmo tempo, o qualifique para o mundo do trabalho, uma das grandes preocupações hoje.
Nessa perspectiva, pode-se pensar que, do ponto de vista econômico, a educação a distância pode ser a solução para muitas pessoas que jamais teriam condições de obter conhecimento e capacitação profissional pelas vias tradicionais e, por decorrência, obter uma melhor qualidade de vida. Se assim for, a educação a distância pode ser considerada extremamente positiva tanto para quem a adota porque precisa de um bom desempenho profissional e uma melhor qualidade de vida, quanto para quem precisa de profissionais qualificados, objetivando alcançar maior lucratividade. Se essa for realmente a sua função, também dos pontos de vista pedagógico e sociológico, a educação a distância pode significar um novo método de educação que poderá favorecer tanto o indivíduo quanto a sociedade, porque poderá contribuir para diminuir as diferenças sociais, já que possibilita às pessoas de classes sócio-econômicas menos privilegiadas o acesso ao conhecimento e à capacitação profissional.
Sobre a qualidade, como aferi-la nos cursos online? Quando falamos em Educação, fica difícil metrificar a qualidade, no entanto uma forma bastante objetiva é a verificação dos indicadores disponíveis nos relatórios do INEP. Esses indicadores mensuram a qualidade dos cursos e das instituições do país, e seus dados podem ser utilizados para o desenvolvimento de políticas públicas ou como fonte de consultas [3]pela sociedade.
O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE –tem o objetivo de avaliar o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação presenciais e da modalidade a distância, em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos, habilidades e competências adquiridas em sua formação, além do nível de atualização dos estudantes com relação à realidade brasileira e mundial. Os resultadosda provas do ENADE são utilizados no cálculo dos indicadores[4]de qualidade da educação superior, associados ao Conceito Preliminar de Curso- CPC- e Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição -IGC[5].
Desde 2007, a base de dados e-MEC, que reúne instituições de ensino e cursos de graduação com suas respectivas notas nos indicadores de qualidade utilizados pelo Ministério de Educação (MEC), aponta que, percentualmente, os cursos de educação a distância estão mais bem conceituados do que os cursos presenciais em todos os indicadores. Esses indicadores foram valiosos para o reconhecimento da modalidade no Brasil.
Numa escala mundial desterritorializada, a sociedade em constante evolução, está claro que a busca pelo conhecimento também mudou; hoje é midiatizada pela tecnologia. Portanto, esse saber pode ser mais facilmente acessado e compartilhado em diversos contextos de aprendizagem: formal ou informal, no entanto, percebemos que tais redes estão sendo formadas em contextos não formais e as Instituições se aproveitam destes, pois não implicam em custos adicionais. A tendência, porém, é que as Instituições sejam levadas a adotar as ferramentas que oportunizem maior interatividade como forma de se destacarem no mercado educacional.
Citando Baumam: “ Na sociedade contemporânea nada é feito para durar” (...)“tudo muda muito rapidamente: tempos líquidos”. Certamente os tempos são outros e fica a pergunta: “Próximo passo para onde? ”. É neste universo educacional tão contraditório e ao mesmo tempo fascinante, que se constitui a Educação a Distância.
Referências:
ABED. Censo EaD.br -São Paulo : Pearson Education do Brasil, 2015. Disponível em: http://abed.org.br/arquivos/Censo_EAD_2015_POR.pdf
HASE, S.; KENYON, C. Self-determined Learning: Heutagogy in action.London: Bloomsbury Publishing, 2013;
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAI ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Superior 2015. Brasília: Inep, 2015. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo-ecolar-sinopse-sinopse Acessado em abril de 2018;
MEC. Referencias De Qualidade Para Educação A Distância (2007). Disponível em:
Acessado em abril de 2018;
Marco Regulatório da Educação a Distância: resolução Nº 1, de 11 de março de 2016. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_superior/avaliacao_institucional/ead/legislacao_normas/resolucao_n_1_11032016.pdf . Acessado em abril de 2018;
Resolução CNE/CES Nº 1, de 03 de abril de 2001. Disponível em: portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/CES0101.pdf Acessado em: abril de 2018;
PINO, Adriana S. Curso de pedagogia on line: os referenciais de qualidade da EAD. Universidade Nove de Julho- São Paulo. Dissertação de Mestrado, defesa em março de 2012;
PINO, Adriana S. Educação a distância: propostas pedagógicas e tendências dos cursos de graduação . Universidade Nove de Julho- São Paulo. Tese doutorado, defesa em junho de 2017; e
PRENSKY, Marc. Digital Natives Digital Immigrants. MCB University Press, Vol. 9 No. 5, 2001. Disponível em: http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf Acessado em maio de 2018.
[1] Tradução nossa: Do que devemos chamar esses "novos" estudantes de hoje? Alguns referem-se a eles como N- [para geraçãoa Net] ou D- [para geraçãodigital]. Mas a designação mais adequada que encontrei para eles é Nativos Digital. Atualmente, nossos alunos são "falantes nativos" da linguagem digital dos computadores, videogames e internet.
[2]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5622.htmAcessado em 04 de junho de 2017.
[3] Consulta disponível em http://emec.mec.gov.br/
[4]Procedimentos de cálculo da nota final do ENADE . Disponível em http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/notas_tecnicas/2017/Nota_Tecnica_CGCQES_n12_2017_Calculo_da_nota_final_do_Enade.pdf
[5]Normatizados pela Portaria nº 40, de 2007, republicada em 2010, disponível em: http://download.inep.gov.br/download/superior/2011/portaria_normativa_n40_12_dezembro_2007.pdf
POR ADRIANA SOEIRO
-Graduação em Letras - Português e Inglês pela Universidade Cidade de São Paulo (1989);
-Graduação em Pedagogia - Faculdades Integradas de Guarulhos (1991);
-Mestrado em Educação pela Universidade Nove de Julho (2012); e
-Doutorado em Educação pela Universidade Nove de Julho (2017).
Atualmente é professor de ensino superior da Faculdade SESI e Gestora e EaD na Universidade Braz Cubas;
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação a Distância, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação a Distância, tecnologias, linguagens, aprendizagem na era digital, educação em rede e inglês .
Nota do
Editor:
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