Autora: Jacqueline Caixeta(*)
O que mais escuto atualmente é : "Não sei pra quem estou dando aula!", " Me angustia muito não ver meu aluno", "será que atrás daquela letra, avatar, foto ou gravura, tem alguém me escutando"? É, os desafios da sala de aula virtual são muitos e hoje quero falar de um deles, talvez o que mais dói, o que mais incomoda um professor.
A aula começa e na tela um monte de letras, avatares, gravuras, fotos, tudo, menos os alunos. Esses, os alunos, não abrem a câmera, simplesmente, não querem mostrar seus rostos, deixando, assim, seus professores abandonados em sua fala.
A preocupação pedagógica com esse "esconderijo" dos alunos é enorme, que aprendizado que terão aqueles que acessam o link da aula, deixam sua letra ou gravura e voltam para cama, ou vão jogar, navegar e flutuar na internet, ou simplesmente fazer qualquer outra coisa, menos assistir à aula.
A aula está sendo dada, mas será que tem alguém ali? Será que esse aluno que se esconde tão bem realmente está presente? Temos pedido que respondam à chamada, muitos justificam que estão "sem áudio", pedimos que registrem no chat de conversa e, muitas vezes, nada. Quando lançamos a ausência, a família descobre que o filho não estava na aula, corre e diz: Mas ele estava presente! Eu vi ele com o celular assistindo à aula! O que fazer? Dar a presença é o que menos nos preocupa. Fácil demais ir e trocar na plataforma, mas até quando continuaremos com essa dúvida?
Até quando os professores vão continuar dando aula para imagens?
Será que o adolescente não quer se mostrar mesmo ou será que ele está usando isso como fuga de algo maior? Pode ser uma depressão pelo momento vivido. É preciso que os pais fiquem atentos aos sinais de algo mais complicado, mas cuidado, nem sempre é depressão.
Essa teimosia em não abrir a câmera pode ser para fingir que está na aula e fazer coisas mais agradáveis. Falo isso porque cabeça de pai e mãe viaja longe, achando que é algo grave, nem sempre é. A depressão na adolescência é algo sério e, se for diagnosticada, precisa ser tratada com urgência. Cuidado, pais, para não usarem a "depressão", que não existe, para justificar a falta de responsabilidade e compromisso dos seus filhos.
Procurem especialistas para ajudar nessa descoberta. Se esse "algo" for pura "malandragem", uma boa conversa resolve isso, mas é preciso ter direcionamento na conversa, é preciso ter domínio sobre o filho e, quando falo em domínio, falo de autoridade de pai e mãe, não de autoritarismo. Falo de afeto e limite nas colocações e discussões, falo que vocês, pais, precisam saber que são o "porto seguro" de seus filhos e os únicos responsáveis por fazê-los entender da importância de se estar na aula de corpo e alma, não apenas de "letra e imagem".
Aos adolescentes que estão me lendo agora, peço que reflitam : " Como será que meu professor se sente não sabendo se estou ou não ali?" Será que é bacana deixar ele "no vácuo"? E se eu me colocasse no lugar dele? E se todos os dias eu tivesse que falar para um monte de letras e imagens sem saber sequer se estão me ouvindo? Poxa vida, que tal se colocar no lugar do outro? Que tal tentar experimentar da angústia de um professor falando para uma tela sem rosto?
E vocês? Não iriam se sentir bem melhor vendo uns aos outros? Será que ninguém tá com saudades de ninguém? Será que não seria tão legal ver o colega, olhar sua reação através do seu semblante, sentir um pouco da presença do amigo, mesmo que virtualmente? A convivência na sala de aula é marcada pelo contato físico e através das trocas de olhares que dizem muito. Não estão com saudades de se olharem? De matar a saudade de quando se falavam apenas pelo olhar?
A adolescência é marcada por momentos em que os amigos tomam um lugar em nosso coração tão importante, e vocês estão perdendo boa parte disso não podendo frequentar a escola, não percam mais do que isso, não percam a oportunidade de se verem, mesmo que seja através de uma tela. Aproveitem esse recurso para se encontrarem e lembrem-se de que, se você é um adolescente que está fazendo parte desse grupo de "alunos sem rostos", estou falando aqui, você já é um privilegiado, faz parte de uma elite que os pais ainda têm condições para proporcionar uma escola, computador, celular, internet para que não percam o que milhares de estudantes estão perdendo. No mundo inteiro, há milhares de adolescentes que tudo o que queriam era uma oportunidade para assistir a uma aula.
Creio que os professores que estão se dedicando, se desafiando em buscar várias alternativas para fazer sua prática pedagógica, merecem mais do que falar para imagens. Eles também são pessoas sensíveis e que se sentem abandonados de certa forma por seus alunos. Que tal pensar nisso?
Aos pais, deixo a reflexão de que, nesse momento, nunca a parceria entre escola e família foi tão necessária. São vocês que estão dentro de casa, são vocês que podem nos ajudar, os professores podem pedir, estimular, mas, agora, a autoridade de pai e mãe tem que se fazer valer. Se o caso de seu filho não se trata de um problema de saúde, como a depressão, por exemplo, trate logo de colocar pra ele a importância de estar de fato PRESENTE na aula, não apenas com algo lhe substituindo.
A garantia da "ensinagem", a escola está dando, mas a garantia da “aprendizagem”, esta, infelizmente, não sabemos se de fato está ocorrendo enquanto o professor estiver dando aula para letras e imagens.
Alguns pais me perguntam se não será o caso da escola obrigar o adolescente a abrir as câmeras, e eu digo que essa função não é nossa. Cabe a cada família avaliar os prejuízos que esse ato tem trazido e o tanto que isso poderá comprometer a vida acadêmica de seus filhos. A escola está sempre disposta a ajudar nos diálogos necessários, mas a autoridade em casa, em cada lar, ainda pertence aos pais.
Com afeto,até a próxima vez!!
*JACQUELINE CAIXETA
-Especialista em Educação
jacquecaf@hotmail.com
Nota do Editor:
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Realmente aluno sem rosto. Lembrança de cada rosto apenas no pensamento. Chat vazio é universo frio.
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