Autora: Aline Teles(*)
A pandemia mundial causada pelo Novo Coronavírus, forçou uma adoção de sistemas automatizados, que já se falava que iria acontecer esta automação no futuro.
Em meio às restrições impostas pelas autoridades, órgãos de atendimento ao público tiveram que migrar para o atendimento eletrônico, entre tais órgãos está a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Sim, falarei especificamente da DPE de São Paulo. O atendimento jurídico da Defensoria Pública está sendo realizado de forma remota, por e-mail, telefone, whatsapp. O atendimento remoto tem sido eficaz para as pessoas que alcançam tal atendimento e o órgão tem feito adaptações cada vez mais precisas para possibilitar que os assistidos sejam atendidos.
Ocorre que, ainda que eficiente e uma ótima ferramenta, o atendimento remoto feito pela Defensoria Pública, por determinação das autoridades, exclui quem mais precisa de tal atendimento. A exclusão digital é evidente no Brasil, e a automação do atendimento da Defensoria Pública não alcança quem tanto precisa da assistência jurídica prestada por tal órgão.
Conforme pesquisa da TIC DOMICÍLIOS, realizada pelo Centro regional e Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), em 2019, 74% da população tinha acesso à internet, o que correspondia a 134 milhões de pessoas e 71% dos lares do país.
Segundo analista da CETIC, se falarmos do nível de indivíduo, pode-se afirmar que o usuário de internet no Brasil é predominantemente urbano, escolaridade maior, principalmente médio e superior; tende a ter idade entre 10 e 45 anos e, sobretudo, são pessoas das classes mais altas, A e B.
Ainda segundo a pesquisa realizada ano passado, a cada cinco pessoas, uma afirma que só consegue acessar a internet através da rede emprestada do vizinho.
A Defensoria Pública tem como função, prestar assistência jurídica gratuita a pessoas de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social.
O atendimento remoto nas triagens iniciais pela Defensoria Pública restringe o acesso de parte deste público aos serviços da Defensoria Pública.
Apesar de todo o suporte, um sistema que define qual o caso do assistido e o encaminhamento para um chat diretamente com Defensores, estagiários e Servidores. Apesar dos inúmeros pontos positivos da automação do atendimento, que permite, inclusive, maior número de atendimentos, é preciso olhar para o público que não possui acesso às ferramentas tecnológicas. Trabalhei por 2 anos na Defensoria Pública do estado de São Paulo, unidade Vila Mimosa na cidade de Campinas/SP, lidei diretamente com atendimento ao público, com a orientação jurídica e posso afirmar que, a maioria do público que a Defensoria assiste não possui amplo acesso a informação.
Some-se a isso àqueles que, ainda que tenham internet em casa não possuem acesso à mesma de forma plena, isto é, não sabem explorar canais de atendimento, não sabem usar aplicativos. Idosos que não tem nenhum suporte de ninguém para orientar como fazer, pessoas que em sua maioria não sabem lançar mão de tantas ferramentas.
Outrossim, ainda temos àqueles que não sabem especificar o seu direito, sabem que tem o direito, mas qual a demanda a ser iniciada depende da narrativa fática, que muitas vezes o assistido não sabe expressar, o contato pessoal ajuda para que seja possível ouvir e extrair os elementos constitutivos do direito do assistido. Neste sentido, o sistema automatizado prejudica uma vez que, a primeira etapa é justamente a identificação do problema, se o assistido já possui dificuldade de especificar as coisas pessoalmente em um sistema com predeterminações fica ainda mais difícil.
Para agravar ainda mais, existem pessoas em situação de rua, por exemplo, tal público não possui infraestrutura, não possui acesso à internet, e não pode ser excluído.
Felizmente, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo entende que deve haver outro canal. Não tenho informações de que há de fato outro tipo de canal de atendimento para situações em que o assistido não consiga ter acesso aos canais virtuais.
Importante mencionar que não se trata de decisão da Defensoria, apesar das unidades já estarem buscando automação dos sistemas antes da pandemia, o sistema de atendimento remoto foi forçado para preservação da saúde de todos. No entanto, apesar de positiva a forma de atendimento virtual, acredito que é preciso pensar em deixar uma porta aberta para garantir o acesso de todos.
A realidade é muito complexa, e muitas vezes a assistência que a pessoa busca extrapola as predeterminações do sistema.
Acredito que exclusão socioeconômica desencadeia a exclusão digital, ao mesmo tempo que a exclusão digital aprofunda a exclusão socioeconômica.
A inclusão digital deveria ser fruto de uma política pública com destinação orçamentária a fim de que ações promovam a inclusão e equiparação de oportunidades a todos os cidadãos. No entanto, enquanto não temos isso, a Defensoria Pública precisa levar em conta todos os seus potenciais assistidos, àqueles com baixa escolaridade, baixa renda, limitações físicas e etárias, àqueles em situação de vulnerabilidade social.
O atendimento remoto da Defensoria é positivo até certo ponto, e muito embora, todos estejam desempenhando um papel fundamental nesta nova etapa, se não pensar que há pessoas sendo excluídas por não ter acesso aos recursos necessários para atendimento virtual, a Defensoria Pública simplesmente deixa de cumprir a sua função social. SE apenas um assistido deixar de ter acesso aos serviços pela inviabilidade de acesso ao atendimento disponibilizado, a função social do órgão deixa de fazer sentido. Estaremos criando castas, castas determinadas pelo critério da digitalização.
É tempo para refletir alternativas, nem tudo é positivo, ainda que parte do trabalho venha dando grandes resultados. A assistência Jurídica gratuita não pode ficar restrita aos que possuem condições intelectuais ou econômicas de acessar um sistema de atendimento.
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/09/tecnologia-chega-a-atendimento-juridico-para-pessoas-de-baixa-renda.shtml
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-17752005000100005
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/05/cerca-de-70-milhoes-no-brasil-tem-acesso-precario-a-internet-na-pandemia.shtml
ALINE DA SILVA TELES
-Graduada em Direito pela Universidade Paulista (2018);
-Estagiária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo;
-Natural de Alagoas, hoje residente e domiciliada em Campinas-SP;
São suas palavras: Como anseio por um Brasil melhor, no sentido político e social, escolhi cursar direito para a partir do judiciário contribuir para que essa melhora deixe de ser utopia.
-Natural de Alagoas, hoje residente e domiciliada em Campinas-SP;
São suas palavras: Como anseio por um Brasil melhor, no sentido político e social, escolhi cursar direito para a partir do judiciário contribuir para que essa melhora deixe de ser utopia.
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