quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A Relação dos Consumidores com Provedores de Serviço de Telefonia e Internet


 Autor: Alceu Albregard Junior(*)

Em 11 de setembro último, o Código de Defesa do Consumidor completou trinta anos de sua publicação e em 11 de março próximo iremos festejar trinta anos da vigência de uma legislação que é reconhecida como uma das mais modernas do mundo em defesa dos consumidores.

Porém, as três décadas de existência do direito consumerista, ainda temos muitos anseios a serem atendidos. Dentre as relações de consumo que a lei do consumidor ainda não conseguiu atingir por completo a sua finalidade destacamos os serviços de telefonia fixa, móvel, internet e TV a cabo.

A redação do artigo 2º do CDC deixa evidente que essas empresas prestadoras de serviço estão, também, sujeitas à norma do CDC:

"Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."

Embora não nos pareça haver dúvida, diante da clareza da redação que define como consumidor qualquer pessoa física ou jurídica, e no outro polo, o fornecedor de serviço ou produto, há decisões judiciais que excluem da proteção do CDC algumas relações de consumo, como vemos abaixo:

"Dito isto, verifico que a ré é Operadora de Telefonia e serviços correlatos. A pessoa jurídica, por sua vez, é uma sociedade de advogados. Possível concluir, portanto, que o contrato de prestação de serviços em tela presta-se à consecução dos fins da pessoa jurídica autora, como item de fomento às suas atividades, sendo certo que, sob este ângulo, inexiste relação de consumo a ser tutelada, afastando-se da aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor."(1)

Decisões como a acima mencionada acabam por ser revistas pelos nossos tribunais, que vêm firmando o entendimento no sentido de que o consumidor, mesmo sendo pessoa jurídica, é hipossuficiente em relação à empresa de telecomunicações, tanto no caráter econômico como na possibilidade de produção de provas em sua defesa e, assim, acabam por determinar a aplicação do CDC nos entraves jurídicos entre as partes.

Devido a algumas particularidades defendidas pelas prestadoras de serviço de que tratamos, apenas a lei de consumo não foi suficiente para regular as relações entre consumidores e essas prestadoras de serviço.

Assim, sendo concessionárias do poder público, essas prestadoras de serviço também se submetem, além do CDC, às normas emanadas pela agência reguladora competente, no caso, a ANATEL.

Pela Resolução nº 632, de 07 de março de 2014, a ANATEL aprovou o Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações, como norma complementar ao CDC, específica ao setor de telecomunicações, englobando o fornecimento de serviço telefônico fixo, telefonia celular, internet e serviços de televisão por assinatura.

Pela referida norma, a ANATEL buscou fixar princípios básicos na relação de consumo voltada aos serviços de telecomunicações.

De fato, o artigo 5º da referida Resolução diz o seguinte:

"O atendimento aos Consumidores é regido pelos seguintes princípios:

I - confiabilidade, transparência, clareza e segurança das informações;

II - rastreabilidade das demandas;

III - presteza e cortesia;

IV - eficácia; e,

V - racionalização e melhoria contínua."

 Esse artigo da resolução, norteador da relação entre o consumidor e a prestadora de serviços de telecomunicações, busca estabelecer condições para um clima de tranquilidade e segurança na interação entre as partes contratantes.

Essa tranquilidade e segurança é refletida ainda nos artigos seguintes, como vemos:

"Art. 7º Todo atendimento deve receber um número de protocolo a ser informado ao Consumidor.

§ 1º Para fins do disposto no caput, deve ser utilizada sequência numérica única na Prestadora, contendo o ano em sua composição, para possibilitar ao Consumidor o acompanhamento.

 

§ 2º Nas interações originadas pelo Consumidor, o protocolo deve ser informado no início do atendimento.

§ 3º O protocolo deve ser enviado por meio de mensagem de texto ao contato telefônico informado pelo Consumidor ou mensagem eletrônica, em até 24 (vinte e quatro) horas da postulação, contendo data e hora do registro, para todos os serviços abrangidos no presente Regulamento."

Todavia, apesar da existência de toda a regulação, os consumidores das prestadoras de serviços de telecomunicações continuam desamparados.

Basta tentarmos rescindir o contrato com a prestadora, seja parcial, seja na totalidade, para verificarmos que essas empresas não atendem, quer o CDC, quer as resoluções da ANATEL e, mesmo assim, permanecem impunes.

Vejamos o que dizem os artigos 8ª e 9º da Resolução 632 da ANATEL:

Art. 8º As informações solicitadas pelo Consumidor devem ser prestadas imediatamente e suas reclamações resolvidas no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a partir do seu recebimento.

Art. 9º As solicitações de serviços que não puderem ser efetivadas de imediato devem ser efetivadas em, no máximo, 10 (dez) dias úteis a partir de seu recebimento.

É exatamente nestes artigos que as operadoras sentem conforto para desatender os princípios básicos fixados pelo regulamento. Considerando que os prazos de atendimento pelas operadoras começam a ser contados a partir da data do recebimento da reclamação ou da solicitação, basta que que não forneçam ao consumidor os meios para provar quando, e se, foi feita a reclamação ou a solicitação. Essas empresas não deixam disponível aos consumidores qualquer canal de comunicação que não seja o telefone, e o número de protocolo fornecido "no início" da chamada, está disponível, pelo tempo que a prestadora do serviço entender que deva estar disponível.

Porém, também nesse ponto nossos tribunais vêm firmando entendimento em favor do consumidor.

Em recente decisão o Tribunal de Justiça de São Paulo assim definiu a obrigação de apresentar a gravação do contato entre a operadora e o consumidor:

"Se é assim, competia à ré provar a inexistência de cancelamento na data de 24.8.18, do que ela não se desincumbiu, já que, não só não impugnou a mencionada alegação e diálogo, como não juntou a referida gravação e, repita-se, era seu o ônus desta prova, não só pela inversão do ônus da prova, mas à luz do art. 373, inciso II, do CPC. Deste modo, a conclusão possível é a de que os autores solicitaram o cancelamento em 24.8.18, conforme afirmaram, e que foram indevidamente cobrados, não sendo exigíveis os débitos que a ré a eles imputou, referentes aos meses de outubro e novembro de 2018, provenientes do contrato nº 33243434490."(2)

REFERÊNCIAS

1. Processo nº 1124833-40.2018.8.26.0100;

2. Acórdão nº 2020.0000791899 - 29ª Câmara de Direito privado do TJ/SP - Relatora Des. Sílvia Rocha.

*ALCEU ALBREGARD JUNIOR










-Graduação em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie(1985);
-Atua principalmente nas áreas dos Direitos Tributário,Imobiliário e Consumidor.
Contato: alceu.adv@albregard.com.br
Nota do Editor:
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