segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Como há muito tempo…


 Autora: Adriana Rocha(*)

Há tempos Norma perdera sua muiteza, o brilho nos olhos, a feminilidade e o encantamento. Pudera! Há muito tempo não recebia um carinho, um beijo, flores... Não era de reclamar. Dionísio, seu marido há 37 anos, sempre foi um bom marido, mas com o tempo deixou de cortejá-la.

Bela aos 55 anos, anulou sua vaidade e escondeu-se detrás de vestidos com motivos florais, o que a fazia aparentar mais idade; na cabeça os fios de cabelos brancos presos em um rabo de cavalo denunciavam anos de dedicação à família. 

Casou-se menina, aos 18 anos já havia decidido seu destino: queria casar, ter filhos, se amar e ser amada para sempre; casou-se, teve filhos, mas esqueceu de se amar. 

Os anos foram passando e as responsabilidades crescendo junto com as crianças, quase não deu tempo de se cuidar, quase não teve oportunidade para ler poesias, se reapaixonar... Romances? Só em raros filmes na TV, isso quando ela não era vencida pelo cansaço ali mesmo no sofá. 

As crianças já não eram mais crianças, um deles estudava medicina em outra cidade e vinha visitar os pais duas vezes por ano, o outro morava fora do país há cinco anos, mas Norma não perdeu o costume de levantar-se da cama muito cedo, de encher seu dia de tarefas e esquecer-se de si. 

Ela se sentia feliz por um lado: tinha um bom marido, era apaixonada por ele e filhos que nunca lhe deram trabalho, mas suas noites nunca mais foram divertidas como antes, nunca mais saiu pra dançar, nunca mais namorou, nunca mais se maquiou ou perfumou-se. 

Dionísio, depois de um pesadelo no qual perdia a esposa para a morte, sentiu medo, a procurou pela casa e aliviou-se por encontrá-la viva na cozinha, lugar onde ela costumava estar todos os dias às 6:00 da manhã. 

Em silêncio acariciou seu rosto e seus cabelos enquanto tomava uma xícara de café; na rádio tocou a canção de quando eram jovens, seus olhos se cruzaram novamente, com um beijo carinhoso despediram-se antes de ir cada qual para os seus afazeres. 

Norma estava diferente: ao invés de se encher de tarefas como era de costume, resolveu sair, lavar os cabelos, ajeitar as unhas, comprar perfume e um vestido novo. Comprou também um vinho para acompanhar a carne assada que ela faria para acompanhar arroz e salada para o jantar. Enfeitou-se como há muito tempo não fazia, passou perfume, batom... 

Dionísio chegou no comecinho da noite e olhou para ela como há muito tempo não olhava… e a abraçou como há anos não abraçava, jantaram e conversaram, emocionaram-se juntos e gargalham como há muito tempo não faziam; ele a beijou intensamente e resgatou a paixão dos primeiros beijos como nas primeiras noites de amor... 

E se amaram como há muito tempo não se amavam... E dançaram como há muito tempo não dançavam. E fizeram tudo juntos, de mãos dadas, como há muito tempo não faziam...

*ADRIANA BATISTA ROCHA










- Estudou enfermagem, mas se rendeu ao amor às letras, às histórias e poesias. Faz parte do círculo de escritores da Suíça e da Academia Mineira de Belas Artes;

Segundo suas próprias palavras:

"É escritora por paixão, cronista por necessidade de expressão e poetisa por puro tesão de recriar a paixão. "


Nota do Editor:

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4 comentários:

  1. Parabéns, Adriana, pelo texto que reproduz a realidade de tantos que "empurram a vida", sem se dar conta de que a felicidade mora nos detalhes.

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  2. Como na canção de Chico Buarque: Valsinha! Um belo dia para todos e todas nós!

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