terça-feira, 17 de outubro de 2023

É possível fechar contratos por meio de "emojis"?







 Autora: Karoline Vasconcelos (*)



A crescente utilização de emojis como meio de comunicação na sociedade digital levanta questões interessantes no âmbito jurídico. Recentemente, um caso envolvendo um emoji "joinha" resultou em uma disputa que custou a uma das partes a considerável quantia de R$ 300 mil reais.

Em junho de 2023, no Canadá, a empresa West Terminal Ltd. (SWT) alegou ter celebrado um contrato de compra e venda de linho com a empresa Achter Land & Cattle Ltd. (Achter) em março de 2021. No contrato, a Achter concordou em fornecer 87 toneladas métricas de linho entre 1 e 30 de novembro de 2021, mas não cumpriu o acordo.

Em decorrência disso, a SWT moveu um processo por perdas e danos devido ao não cumprimento do contrato, buscando uma indenização de 82 mil dólares canadenses (equivalente a R$ 300 mil reais).O cerne da controvérsia residia na ausência de uma assinatura convencional, mas sim no uso de um emoji "joinha" para confirmar o contrato.

O juiz responsável pelo caso, de forma surpreendente, considerou o emoji como uma maneira não tradicional, mas válida, de "assinar" o contrato. A decisão ressaltou que o emoji serviu para identificar o signatário (Chris, usando seu número de telefone celular exclusivo) e, o mais importante, para transmitir a aceitação do contrato de linho por parte da Achter.

O Tribunal invocou a seção 6 da Lei Canadense de Venda de Mercadorias de 1978 (a "SGA"), que estipula que um contrato só é executável se houver algum "some note or memorandum in writing of the contract is made and signed by the party… or his agent in that behalf"[1].

A questão que se apresenta: essa solução poderia ser aplicada no contexto do direito brasileiro?

A relação contratual é resultado do acordo entre as partes, no qual suas vontades convergem para definir os termos e o objeto do contrato. Esse acordo é essencial, mesmo em situações como contratos de adesão, onde a manifestação de vontade pode ser diferente daquela em contratos paritários, mas ainda é uma manifestação de vontade no sentido de concordar com as condições preestabelecidas.

Para que um contrato seja celebrado, é necessário que haja um encontro de vontades, e alguém deve tomar a iniciativa. Essa iniciativa é chamada de proposta, oferta ou policitação e representa a manifestação inicial de vontade com a intenção de se comprometer com o contrato. De outra banda, a aceitação, é o ato unilateral da parte que concorda com os termos da proposta.

Em todos esses casos, a manifestação de vontade é crucial para a formação do contrato, incluindo aqueles firmados por meios eletrônicos. A manifestação de vontade pode ser expressa, como o envio de uma mensagem de e-mail ou uma declaração verbal, ou tácita, refletida por meio de ações que demonstram a intenção de concluir o contrato.

Também se considera que o silêncio, em alguns casos, seja uma manifestação de vontade para celebrar contratos, desde que a lei, os costumes ou a convenção atribuam valor a esse silêncio. É importante destacar que a máxima não se aplica a qualquer situação de silêncio, mas apenas quando circunstâncias específicas dão a ele um significado claro.

Em suma, a formação de contratos requer um acordo de vontades, seja por meio de declarações expressas, ações ou até mesmo o silêncio, desde que haja uma intenção clara de ambas as partes de celebrar o contrato. No entanto, a ausência de vontade, resultado de coação física, falta de consciência ou declarações não sérias, invalidará a formação do contrato.

Permanece a questão: no âmbito do direito brasileiro, pode um emoji de "joinha" (👍) desempenhar o papel de aceitação válida?

A cada dia, bilhões de emojis são transmitidos em todo o mundo, abrangendo uma variedade de comunicações, inclusive aquelas de natureza comercial. Esses ícones gráficos representam uma linguagem digital universal que está se tornando cada vez mais difundida. É, portanto, crucial que o campo jurídico esteja pronto para interpretar corretamente seu significado e entender seu impacto.

No contexto atual do sistema jurídico, é evidente que os tribunais estão reconhecendo a crescente capacidade dos emojis em desempenhar o papel de confirmação em contratos. Contudo, para que os emojis sejam aceitos como uma forma válida de aceitação de um contrato, eles devem claramente demonstrar a intenção de celebrar o acordo. Quando surgirem incertezas quanto a essa interpretação, outros elementos da comunicação entre as partes deverão ser considerados para esclarecer a verdadeira intenção do contratante.

A tarefa de interpretar a comunicação realizada por meio de emojis recai sobre os tribunais, que deverão examinar os efeitos e a intenção real das partes ao se comunicarem dessa forma. Esse caso deve servir como exemplo para as empresas comerciais e outras organizações cujos funcionários rotineiramente discutem os termos dos contratos por meio de métodos de comunicação informais, como WhatsApp ou Telegram.

Referências

[1] "registro ou memorando por escrito do contrato feito e assinado pela parte... ou seu agente nesse sentido".

* KAROLINE TOSCANO VASCONCELOS












-Advogada inscrita na OAB/PB sob o nº 30.201;

-Bacharela em Direito pela Unifacisa Centro Universitário (2020);

-Pós-graduanda em Direito e Processo Tributário; e 

-Membro da Comissão de Direito Digital, Internet, Tecnologia e Inovação da OAB/PB, Subseção Campina Grande

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