Autora:Camila Regiani Ricardo de Oliveira(*)
Ultimamente, muito se falou sobre o Projeto de Lei nº1.904/2024 que está tramitando em estado de urgência no Congresso Nacional.
Antes de adentrar no assunto, algumas observações são importantes.
No Brasil, o aborto é considerado um crime, mas há três situações em que será permitido tal ato, independentemente de quantas semanas a gestação está. São eles:
a) ABORTO NECESSÁRIO: quando há risco de morte para a mulher gestanteNesses casos, o procedimento é feito por médico independentemente do consentimento da gestante. O médico é obrigado a realizar o ato abortivo;b) ABORTO HUMANITÁRIO: quando a gestação decorreu de estuproNesses casos, o procedimento somente irá acontecer SE a mulher gestante quiser;c) ABORTO EUGÊNICO: quando o feto é diagnosticado com anencefalia.
Nesse caso, a gestante também precisa querer e autorizar o procedimento abortivo.
Em todos esses casos, nunca ficou estipulado uma quantidade mínima ou máxima de semanas necessárias para que o procedimento médico fosse ou não realizado.
Já o Projeto de Lei 1904/2024 tem a seguinte proposta:
Em caso de estupro (e somente em caso de estupro, pois as outras modalidades permissivas de aborto não foram enquadradas nesse projeto), a gestante terá até a 22ª semana da gestação para realizar o aborto. Passadas as 22 semanas, SE a mulher realizar o ato abortivo, cometerá um crime equiparado ao homicídio, com pena que pode variar de 06 a 20 anos de reclusão.
Diante dessa proposta, qual a problemática? São dois os maiores problemas:
Primeiro: tal projeto de lei considerará como criminoso o abortamento de gestações advindas de estupro após 22 semanas, com uma pena que pode chegar até 20 anos, pois será equiparada ao crime de homicídio simples (artigo 121, caput, CP).
Porém, hoje, a pena para o crime de estupro pode variar de 06 a 10 anos (artigo 213, caput, CP).
Ou seja: a gestante vítima de violência sexual ou seus responsáveis legais (em caso de menor de idade) serão punidos com uma pena de até 20 anos de reclusão, enquanto a pena da pessoa que lhe violentou será, em regra, de no máximo 10 anos.
Referido Projeto está baseado na revitimização – ocorre quando uma pessoa é vítima de um crime e, mesmo sendo a vítima, sofre novas consequências pelo ato criminoso. Exemplificando, condenar uma mulher que foi violentada sexualmente como homicida em um processo criminal por ter realizado o aborto após 22 semanas de gestação, é gerar novas consequências em razão de um mesmo fato;
Segundo: há quem diga que se a mulher violentada não quiser o filho, basta fazer o aborto antes das 22 semanas de gestação, a fim de evitar qualquer problema com a justiça.
Contudo, de acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, 61,4% dos registros de estupro são contra crianças de até 13 anos de idade e que, na maioria das vezes, os agressores são membros da própria família.
Muitas dessas vítimas sequer sabem o que está acontecendo, o que é uma gravidez, são coagidas a não contar e desacreditadas quando buscam ajuda. Além disso, a demora judicial para a autorização do procedimento abortivo muitas vezes ultrapassa as 22 semanas pregadas pelo Projeto de Lei.
Tudo isso só causa maiores danos e sofrimentos àquela pessoa que deveria ser acolhida.
Portanto, o Projeto de Lei nº 1.904/2024 não é apenas uma proposta legislativa; é um ataque direto aos direitos das mulheres e meninas.
Ele representa um abuso que ameaça nossa autonomia corporal e nosso direito fundamental à saúde.
Colocar as vítimas como criminosas é mais que uma covardia contra a mulher, é um retrocesso na sociedade.
*CAMILA REGIANI RICARDO DE OLIVEIRA-OAB/SP 443.905
-Advogada Criminalista e especialista em execução penal;
-Graduada em Direito pela Universidade de Araraquara – UNIARA (2020);
-Pós Graduada em Direito Penal e Processual Penal Aplicado pela Escola Brasileira de Direito – EBRADI (2022); e
-Pós Graduada em Tribunal do Júri e Execução Penal pela LEGALE EDUCACIONAL (2023).
Nota do Editor:
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