terça-feira, 20 de agosto de 2024

Trabalho Decente


 Autora:Ana Celina Ribeiro Ciancio Siqueira (*) 

O trabalho digno como direito humano e fundamental é reconhecido em tratados internacionais e na Constituição Federal, todavia a correta aplicação de seus conceitos é um desafio para a sociedade.

Desde 1999 encontra-se formalizado pela OIT - Organização Internacional do Trabalho o conceito de trabalho decente, que é aquele adequadamente remunerado, exercido em liberdade, com equidade e segurança, capaz de garantir vida digna ao trabalhador.

São quatro os pilares que apoiam esse conceito: os direitos e princípios fundamentais do trabalho, a promoção do emprego de qualidade, a extensão da proteção social e o diálogo social. Esses pilares se efetivam quando se verifica um trabalho humanizado, seguro, com remuneração digna, capaz de promover a saúde e permitir a realização da vida e suas potencialidades.

O trabalho decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: respeito aos direitos no trabalho, especialmente aqueles definidos como fundamentais (liberdade sindical, direito de negociação coletiva, eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação e erradicação de todas as formas de trabalho forçado e trabalho infantil); promoção do emprego produtivo e de qualidade; ampliação da proteção social; e fortalecimento do diálogo social.

Como desafio à efetivação do trabalho decente destacam-se as constantes denúncias de trabalho escravo seja nos mais distantes rincões do país, seja nas grandes cidades. Em março de 2023, a fiscalização do Ministério do Trabalho resgatou cinco trabalhadores que prestavam serviços para o Lollapalooza, realizado no Autódromo de Interlagos. Segundo o Ministério, as vítimas eram trabalhadores informais, enfrentavam jornadas extenuantes e dormiam no chão ou sobre estrados de bebidas em local sem energia elétrica. Em julho deste ano, seis pessoas em situação análoga à escravidão foram resgatadas em Paty de Alferes, na região do Vale do Café do Rio de Janeiro. Elas estavam trabalhando em uma fábrica de cigarros e são todas do Paraguai. O resgate foi feito pela Polícia Militar.

Outro desafio é o que diz respeito à segurança do trabalho, dada a importância de uma cultura voltada a práticas que priorizem a saúde mental e a segurança no ambiente de trabalho. Em 2023, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região recebeu quase 7 mil ações com os temas acidente de trabalho e responsabilidade civil do empregador, o que demonstra a importância de reduzir esses números por meio de práticas que assegurem condições seguras e hígidas no ambiente laboral. Uma dessas ações foi ajuizada por trabalhador da construção civil que ficou pendurado por mais de meia hora a 140 metros de altura após a estrutura desabar do topo do prédio. O profissional trabalhava na construção de um heliporto no 28º andar do edifício quando a estrutura caiu, deixando-o preso aos equipamentos de segurança. Um colega caiu junto com o andaime e morreu na queda. Os equipamentos de proteção individual não eram específicos para a finalidade e não houve treinamento nem fiscalização pelo contratante. O deferimento do pedido de pagamento de indenização por danos morais, considerou o fato de o empregado ter permanecido por 30 minutos dependurado a uma altura de 140 metros, assistir à morte do colega e permanecer vendo um de seus colegas caído e morto e que "os bens jurídicos atingidos (saúde, vida e integridade física e mental) possuem valor relevante" para justificar a indenização por danos morais.

Situações como as retratadas acima, bem com tantas outras de trabalho infantil, assédio moral nas relações de trabalho, desigualdade salarial em razão do gênero, etarismo no mercado de trabalho constituem óbice ao trabalho decente e à evolução da sociedade como um todo.

A busca por um patamar civilizatório digno, com respeito aos direitos humanos, inclusive os trabalhistas é o que justifica a importância das normas de proteção ao trabalho decente.

*ANA CELINA RIBEIRO CIANCIO SIQUEIRA











-Graduação em Direito  pela Faculdade de Direito da USP (1973);

-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2a.Região (1993);

-Secretária - Geral Judiciária do TRT da 2a.Região (2004);

 - Secretária do Tribunal Pleno do TRT da 2a Região (2004); e

- Comendadora da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho da 2a.Região (2005)

Nota do Editor:

Todos os artigos publicados no O Blog do Werneck são de inteira responsabilidade de seus autores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário