No dia 12/09/2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que não é permitido no Brasil a educação domiciliar (Homeschooling), ou seja, educar os filhos sem enviá-los a uma escola, afirmando que não existe lei ou regulamentação sobre esse assunto no Brasil. A educação domiciliar tem regulamentação em ao menos 65 países, e no Brasil vários pais sofreram processos por serem acusados de abandono intelectual dos filhos até 2016, quando o ministro Barroso suspendeu esses processos até que o STJ julgasse a matéria. Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), o Brasil tem cerca de 7 mil famílias que praticam a educação familiar e nos Estados Unidos esse número passa a cifra de 4 milhões de alunos educados em casa. E diante disso, mesmo perante essa derrota no STF, a busca pela aprovação da educação familiar no Brasil seguirá sua busca por aprovação. Vejamos, portanto, algumas questões que fundamentam a educação familiar, para compreendermos melhor essa discussão.
A educação familiar, como entendemos atualmente, tem sua origem nos Estados Unidos na década de 70 e foi proposta pelo professor e escritor John Holt. Após a reforma da educação escolar norte americana, Holt utilizou-se da expressão “unschooling”, que traduzido literalmente significa “descolarizar”, por influência da obra Deschooling Society (sociedade sem escola) do filósofo Ivan Illich. A princípio, professor Holt queria uma mudança nas práticas educacionais, de forma que houvesse uma aprendizagem mais lúdica e pautada pela curiosidade. Mas após ter diversos entraves para que isso acontecesse, ele passou a defender que houvesse um tipo de educação em casa. Suas ideias atraíram diversas famílias insatisfeitas como o modelo educacional formal, fazendo assim, que surgissem os primeiros “homeschoolers”, famílias que ensinavam os filhos em suas casas. Com o passar do tempo, essa maneira de educação se espalhou em todos continentes, chegando no Brasil na década de 90. Esse movimento ocorreu quase que espontaneamente, juntando famílias insatisfeitas com as práticas educacionais formais, não tendo, a princípio, organizações da sociedade civil que as propagassem. Conforme foi se tornando mais forte, foram surgindo as primeiras associações que visavam ajudar a desenvolver algumas doutrinas, materiais de suporte e apoio jurídico aos pais.
Antes de mais nada, é importante compreender que a Educação Domiciliar não é um método de ensino, um tipo de material didático ou uma nova forma de fazer a seriação dos conteúdos, mas antes, é quando os pais assumem a educação global dos filhos. Ou seja, conforme foi se desenvolvendo a educação formal, foi sendo dividida a responsabilidade da educação da criança entre a família e a escola. Os pais deveriam ter a responsabilidade de ensinar valores morais, costumes, crenças, modos de comportamentos... e a escola a educação acadêmica, ou seja, a instrução formal dos conteúdos. A educação domiciliar, portanto, supõe essa não atribuição a terceiros a responsabilidade da instrução formal, se tornando os pais e responsáveis os principais direcionadores do processo de ensino-aprendizagem dos educandos.
Essa forma de educação se pautará em três grandes princípios para que seja uma educação efetiva e alcance o ideal de maturidade e desenvolvimento dos alunos. O primeiro aspecto é a da educação integral. Os pais, habitualmente, já ensinam muitas coisas aos seus filhos, como parte do processo de paternidade, mas toda educação do filho dependerá majoritariamente dos pais, como os aspectos morais, virtudes e valores, mas também aquilo que é próprio da instrução formal. Por isso, os diversos aspectos da vida são percebidos e apreendidos juntos e com as mesmas pessoas que ensinam os padrões morais a ser vividos. Isso possibilita um tipo de unidade na educação, integrando a instrução formal e formação moral do sujeito.
Outro aspecto desse tipo de educação é a aprendizagem a todo tempo, pois, a todo momento e em todas as atividades serão sempre oportunidades de aprendizagem dos mais diversos níveis. É um tipo de educação que não está restrita a um período do dia, como o ensino escolar, mas em todas as partes do cotidiano. A química pode ser apreendida junto do preparo de alimentos, a história ao se assistir um filme, as relações sociais podem ser refletidas e entendidas no relacionamento com os demais e assim sucessivamente. Não existe uma parte restrita para a aprendizagem, pois ela será sempre uma tarefa dispersa em toda vida, e que vai além do tempo dedicado ao estudo dos conteúdos. Isso não retira a obrigatoriedade de um cronograma de estudos diários, o que é muito importante pois estabelece uma rotina de estudos constantes, mas pelo contrário a estende além de um turno do dia.
Uma última grande característica do ensino domiciliar é o treino para o aprendizado, e essa é a essência que os pais devem compreender para praticarem essa modalidade de ensino. Os pais não serão e nem conseguem ser aqueles que conhecem e dominam todos os tipos de conteúdo, e nem serão os professores de tudo, mas antes, serão aqueles que despertaram a curiosidade dos filhos para a pesquisa e o aprendizado, atuando como mediadores do conhecimento, recorrendo a fontes e a outras pessoas que possam colaborar nesse processo. Devem atuar como estimuladores do esforço do educando em buscar respostas e compreender questões desconhecidas. A grande questão será desenvolver no educando um tipo de pensamento lógico, que o conduza a um certo tipo de autodidatismos e autonomia. Dessa maneira, desenvolvendo o intelecto, formando habilidades intelectuais, equilíbrio emocional, sociabilidade e espiritualidade para o entendimento de si mesmo, do mundo em que vive e as formas e virtudes que farão dele uma pessoa humana integrada.
Com isso, torna-se claro que os pais e responsáveis que desejam a educação domiciliar devem se dedicar e investir tempo e recursos na formação dos filhos, participando ativamente dos processos que desembocaram na relação de seus filhos com o mundo e consigo próprios. Serão eles os responsáveis exclusivos pela formação de seus filhos, o que exigirá uma continua dedicação e estudo.
As motivações para se apropriar desse modelo educacional são as mais variadas, desde a não concordâncias com os atuais currículos escolares, o melhor desenvolvimento dos potenciais dos filhos, o entendimento que a educação vai além da instrução formal, a insatisfação com a qualidade e com o ambiente da educação escolar e as diversas linhas ideológicas que ali atuam, o desejo de formar os filhos a partir de certas virtudes e princípios morais... e assim vai, com uma lista enorme que podem conduzir uma família a buscar educar os filhos desse modo.
Os benefícios dessa forma de educação acontecem em diversos aspectos, como: o maior amadurecimento dos educandos, desenvolve uma disciplina de estudos, colaboram na formação de adultos com maior autoestima, favorece ao empreendedorismo e a responsabilidade individual, além dos excelentes resultados acadêmicos. E, ainda, preservam os alunos das pressões sociais desnecessárias, o retardo dos processos de aprendizagem, o desinteresse pela educação e preservam uma maior convivência familiar.
Obviamente, a educação familiar não é a solução para a educação formal brasileira, nem tem esse propósito, mas é uma alternativa às famílias comprometidas com o desenvolvimento intelectual, emocional e espiritual dos seus filhos. A discussão e a luta sobre esse assunto irão continuar no congresso nacional, na busca pela regulamentação e aprovação dessa forma de educação para aqueles que desejam a colocar em prática. Essa é uma questão que incide diretamente na liberdade e autonomia dos indivíduos, pois está em jogo o domínio e até onde o Estado pode de intervir sobre as famílias.
Para um maior aprofundamento sobre esse assunto, dou as seguintes sugestões:
#EducaçãoDomiciliar #Homeschooling #EducaçãoFamiliar
POR FÁBIO DA FONSECA JÚNIOR
- Professor de Filosofia e História, mestrando em Educação.
Nota do Editor:
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Caríssimo professor, no 🇧🇷?
ResponderExcluirEsse modelo só teria algum êxito na classe "A" e olhe lá...
Mesmo como experiência, não há como comparar a sociedade americana com a sociedade brasileira.
Não podemos nos esquecer que muita gente manda a criança para escola para comer e outros para se verem livres...