Autora: Aline Teles(*)
Inicialmente esclareço que vou utilizar-me deste espaço e deste texto para trazer à baila a importância da obra "A casa e a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil" de Roberto DaMatta. O texto será inteiramente destinado a falar sobre o ponto de vista do autor na obra, com intuito de fazermos refletir sobre nosso comportamento na sociedade brasileira.
A Casa & a Rua é um livro essencial para compreender a sociedade brasileira e sua intrincada rede de relações. A ideia central do estudo é que, no Brasil, a casa e a rua não representam apenas espaços geográficos, mas são, acima de tudo, o que DaMatta chama de entidades morais, esferas de ação social.
O mesmo autor do clássico livro "o que faz o brasil, Brasil?", Em seu livro sobre A casa e a rua, o antropólogo Roberto DaMatta, esmiúça o caráter dual e paradoxal da sociedade brasileira, com uma lógica servindo para as relações privadas – casa – e outra lógica bem distinta orientando as relações públicas – a rua.
Nas palavras do próprio antropólogo:
Quando digo então que "casa" e "rua" são categorias sociológicas para os brasileiros, estou afirmando que,
entre nós, estas palavras não designam simplesmente espaços geográficos ou
coisas físicas comensuráveis, mas acima de tudo entidades morais, esferas de
ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais
institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações,
leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas.
DaMatta nos deixa lições claras já no início do livro quanto escreve uma carta ao seu leitor e dela que farei maior parte das menções deste texto, uma vez que, o momento é oportuno.
Estamos vivenciando um momento de pandemia, é inevitável que ao escrevermos sobre qualquer tema não façamos menção ao Corona Vírus (COVID-19), para muitos é um momento único na sua história, para a maioria é momento único na história mundial. Cancelamento de grandes eventos musicais, esportivos e políticos.
O cenário é crítico, seja qual for a sua posição, reconhecer que o cenário é extremamente delicado é uma questão de caráter, eu diria. Ainda que você defenda soluções/medidas distintas de outros, não dá p\ara tratar a questão com desdém como tem feito alguns líderes políticos, inclusive, o Presidente da República Federativa do Brasil.
Dedicarei algumas linhas para falar sobre o nosso Chefe do poder Executivo, que eu apoiei em detrimento de outros na eleição de 2018. No entanto, não acredito que é possível concordar 100% com as ações do governo, dele ou de qualquer outro. Me chamarão de "isentona" ou talvez de comunista, não tem problema, só acredito que o Presidente falha em não esquecer a campanha e focar em exercer o cargo para o qual já foi eleito. A forma como o governo tem lidado com a pandemia deixa explícito a seita mitológica bolsonariana, como bem escreveu Vinicius Lima, estudante de jornalismo na UNICARIOCA, que tem acompanhado, inclusive, a situação da Argentina, país em que residiu durante toda a sua adolescência.
O jornalista em formação escreveu que:
"Um governo que se baseia em
narrativa e permanece no processo eleitoral desde 2014, quando começou a
organizar-se em campanha para candidatar-se a presidente em 2018. Muita
narrativa eleitoral e muito desgoverno, assim é o governo de Bolsonaro até
aqui. Além disso, promove um discurso absolutista-autoritário-uno. Baseado tão
somente em seu personagem e seus apoiadores fanatizados. A imprensa mente, o
Mandetta (ex-ministro da
saúde) é egocêntrico, quer aparecer, o Rodrigo Maia
(presidente da câmara) é golpista, o Moro é traidor e qualquer crítico às
posturas bolsonaristas faz parte da "ova esquerda"
E é exatamente o que penso atualmente, como já escrevi anteriormente, lulismo e bolsonarismo são as duas faces de uma mesma moeda. Para complementar, o estudante de jornalismo também faz menção à isso, só que de forma mais contudente: "Se no período petista qualquer que se opusesse ao governo era fascista, no atual governo, os que o criticam são esquerdistas, socialistas, comunistas. No fim das contas,s o bolsonarismo tornou-se (ou sempre foi) um lulopetismo às avessas."
Finalizo aqui as opiniões quanto ao governo atual na pessoa de Jair Messias Bolsonaro e retorno ao tema central do texto, que é tentar nos fazer pensar sobre quem somos na sociedade brasileira e, por consequência, nos fazer refletir quem somos nessa crise, que se tornou uma tríplice crise – econômica, saúde e política.
A mensagem que extraí do livro mencionado anteriormente é que nós, brasileiros, temos visão egoísta, só pensamos naquilo que pode nos atingir, apesar da enorme fama de povo solidário, será que somos bem assim?
É possível observarmos que, em meio a uma Pandemia que atinge números cada vez mais alarmantes a gente pense apenas no que está nos atingindo, se ninguém na nossa casa foi infectado eu não preciso ficar em casa, até que alguém da minha família morra, aí sim é importante.
Doutro ponto, é possível observar aqueles que não precisam se preocupar com subsistência clamando para que se mantenham fechados os comércios, afinal eu não passarei por nenhuma necessidade mesmo, até que eu venha a passar e aí sim é uma questão importante.
Quem é você em tempo de pandemia?
Roberto DaMatta sintetiza bem nosso comportamento para com o outro – a rua e o nosso sentimento para com os nossos – a casa. Neste contexto utilizarei as palavras do próprio autor sobre o assunto.
"é possível "ler" o Brasil de um ponto de vista da
casa, da perspectiva da rua e do ângulo do outro mundo. E mais: essas
possibilidades estão institucionalizadas entre nós. Não se trata de uma mera
variação empírica, dessas que ocorrem na Inglaterra, Espanha ou Pasárgada. Não!
Trata-se de uma variação sistemática, previsível e legitimada, que todos os
brasileiros adultos aprenderam e serão capazes de prever com razoável precisão.
Leituras pelo ângulo da casa ressaltam a pessoa. São discursos arrematadores de
processos ou situações. Sua intensidade emocional é alta. Aqui, a emoção é
englobadora, confundindo-se com o espaço social que está de acordo com ela.
Nesses contextos, todos podem ter sido adversários ou até mesmo inimigos, mas o
discurso indica que também são "irmãos" porque pertencem a uma mesma pátria ou
instituição social. Leituras pelo ângulo da rua são discursos muito mais
rígidos e instauradores de novos processos sociais. É o idioma do decreto, da
letra dura da lei, da emoção disciplinada que, por isso mesmo, permite a
exclusão, a cassação, o banimento, a condenação. Já as leituras pelo prisma do
outro mundo são falas inteiramente relativizadoras e muito mais inclusivas,
onde as misérias do mundo são criticamente apontadas. Seu tirocínio é que há um
outro lugar e uma outra lógica, que nos condena a todos a uma igualdade perante
forças maiores do que nós."
É importante ressaltar que, DaMatta não previa o cenário atual, nem com relação à saúde, nem político, tampouco, econômico, mas já fazia menção ao comportamento social brasileiro, à dualidade política e a necessidade de mudança.
Seguinte este raciocínio, Roberto DaMatta escreve
que:
"O resultado disso é um sistema de classificação
diferenciado e, naturalmente, complementar, que sempre foi percebido e
interpretado como “incompleto”, "inacabado", "incongruente" ou "imaturo", como
se estivesse a meio caminho e indeciso entre várias tendências históricas. Mas
o que temos, realmente, é um sistema que apresenta três modos diferenciados e
complementares de "ordenar" e também de reconstruir e construir (ou inventar) a
experiência social brasileira. Assim, sabemos que em casa podemos fazer coisas
que são condenadas na rua, como exigir atenção para a nossa presença e opinião,
querer um lugar determinado e permanente na hierarquia da família e requerer um
espaço a que temos direito inalienável e perpétuo. Em casa somos todos,
conforme tenho dito, "supercidadãos". Mas e na rua? Bem, aqui passamos sempre
por indivíduos anônimos e desgarrados, somos quase sempre maltratados pelas
chamadas "autoridades" e não temos nem paz, nem voz. Somos rigorosamente "subcidadãos" e não será exagerado observar que, por causa disso, nosso
comportamento na rua (e nas coisas públicas que ela necessariamente encerra) é
igualmente negativo. Jogamos o lixo para fora de nossa calçada, portas e
janelas; não obedecemos às regras de trânsito, somos até mesmo capazes de
depredar a coisa comum, utilizando aquele célebre e não analisado argumento
segundo o qual tudo que fica fora de nossa casa é um "problema do governo"! Na
rua a vergonha da desordem não é mais nossa, mas do Estado. Limpamos
ritualmente a casa e sujamos a rua sem cerimônia ou pejo... Não somos
efetivamente capazes de projetar a casa na rua de modo sistemático e coerente,
a não ser quando recriamos no espaço público o mesmo ambiente caseiro e
familiar."
Frise-se, "Na rua a vergonha da desordem não é mais nossa, mas do Estado". Esta ideia parece que ecoa na cabeça de todo brasileiro, ainda que neguemos, aqui ou ali a gente acredita nisso de fato. Tal ideia nos faz terceirizar nossas responsabilidades com o país de modo que qualquer mal que venha ocorrer não é responsabilidade nossa até que chegue à nossa casa. Mas o que faz o brasil, Brasil? Não somos nós?!
Não sou capaz de discordar do grande autor Roberto DaMatta quando ele menciona que aparecem claramente duas linhas bem marcadas da reflexão brasileira sobre o Brasil. Há uma produção onde o Brasil é visto como uma sociedade formada e, na sua raiz, dominada por famílias patriarcais, feudais e escravocratas, lutando entre si pelo poder político numa espécie de universo social hobbesiano, posto que vazio de instituições e valores. E uma outra produção que, ao contrário, está muito mais preocupada em demonstrar quase que o justo oposto.
O problema de todo esse exagero tem sido interpretado como decorrência de posturas políticas. A visão da casa e da família seria de "direita"; a perspectiva da economia e das classes sociais, de "esquerda". O que não é bem assim.
Por fim, para fecharmos a reflexão é preciso entender que o ponto de vista dualístico é problemático, é totalmente possível juntar a família com a classe social, a religiosidade popular com a economia capitalista, a lealdade aos amigos com a lealdade ideológica.
É totalmente possível, na minha opinião, pensarmos em medidas menos drásticas para todos durante uma pandemia e pensarmos em soluções menos impactante para a economia, pensando no melhor para nossa casa, o Brasil.
"se mesmo assim tudo lhe for desagradável, se considerar a casa mal construída, se o café estiver frio e fraco e a cerveja muito quente, se tudo – enfim – lhe parecer errado ou ruim, então eu só lhe peço que se lembre de uma coisa: a casa, afinal de contas, é brasileira. Nela, se há regras para o anfitrião, há também normas para a visita. E que até mesmo quando não se gosta, se pode dizer isso educada e generosamente".
REFERÊNCIAS
DAMATTA, R. (1997). A casa e a rua: Espaço,
cidadania, mulher e morte no Brasil. Rocco.
LIMA, V. (27 de ABRIL de 2020). ideas ilexicas.
Fonte: medium.com:
https://medium.com/@ideiasillexicas/coronav%C3%ADrus-evidencia-seita-mitol%C3%B3gica-bolsonariana-93106491c351
*ALINE DA SILVA TELES
- Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2018);
-Estagiária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo;
-Natural de Alagoas, hoje residente e domiciliada em Campinas-SP;
São suas palavras: Como anseio por um Brasil melhor, no sentido político e social, escolhi cursar direito para a partir do judiciário contribuir para que essa melhora deixe de ser utopia.
-Natural de Alagoas, hoje residente e domiciliada em Campinas-SP;
São suas palavras: Como anseio por um Brasil melhor, no sentido político e social, escolhi cursar direito para a partir do judiciário contribuir para que essa melhora deixe de ser utopia.
Nota do Editor:
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